Na segurança, Dino apagou incêndios sem saída estratégica e fez GLO para inglês ver, diz professor

Ministro que deixa a pasta em janeiro fez gestão com pontos positivos ao assumir protagonismo, mas deixou a desejar no desenvolvimento de políticas estruturais, analisa especialista

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Por Marcio Dolzan
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Entrevista comLuís Flávio SaporiSociólogo, professor da PUC Minas. Foi secretário-adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais (2003-2007)

A gestão de Flávio Dino à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública deve se encerrar no início de janeiro, com a saída do ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo do ano, Dino atuou para apagar incêndios, sem conseguir desenvolver uma política estrutural de combate à violência no País, na avaliação do sociólogo e especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori.

Em entrevista ao Estadão, o professor da PUC Minas elogiou o protagonismo do ministro em relação às crises, mas criticou a ausência de medidas estruturantes, como a falta de atenção prioritária ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Sapori avaliou ainda como “sem qualquer efetividade prática” a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) adotada pelo governo federal como resposta à crise de violência no Rio.

Veja a seguir a entrevista com o especialista.

Como foi o ano do País na área da segurança pública?

Não é complicado entender o que se passou este ano na segurança pública do Brasil, por que o tema voltou a ter prioridade entre os brasileiros, e por que o governo federal foi relativamente mal avaliado em comparação ao governo anterior.

No governo anterior, no governo Bolsonaro, praticamente nós não tivemos crises da segurança pública. Foram quase quatro anos em que a pandemia dominou o cenário nacional. E durante a pandemia a criminalidade diminuiu, principalmente os crimes contra o patrimônio. Roubos, furtos, de maneira geral, tiveram quedas bastante expressivas. São crimes que afetam muito o sentimento de segurança da população. Nós não tivemos episódios graves de motins em prisões, o problema do crime organizado, das milícias, das facções do tráfico, não vieram à tona.

Com a relativa volta à normalidade, o crime voltou a bater seus patamares pré-pandemia. O crime hoje no Brasil não está aumentando em relação ao período pré-pandemia, ele está voltando ao que tínhamos em 2017, 2018.

O governo Lula enfrentou crises diversas ao longo do ano, com grande repercussão pública, com grande repercussão midiática, que é normal, justificável, e isso alimenta o sentimento de insegurança da população. Isso gera nas pessoas um sentimento de medo, como no caso dos três médicos assassinados no Rio de Janeiro. Apesar de ser um caso do Rio de Janeiro, isso gera uma percepção de medo, uma percepção de que o governo federal não está fazendo nada.

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Um efeito perverso da gestão Flávio Dino é que ele assumiu um protagonismo muito grande nesses episódios, ele não se omitiu, assumiu compromissos em enfrentar o problema junto com os respectivos governos estaduais. Paga-se um preço por isso.

Esse protagonismo, de alguma maneira, dá má visibilidade, ele acaba também colocando a batata quente no colo do governo federal. Isso o Flávio Dino conseguiu, em certo sentido, para bem ou para mal. Mas de maneira geral, minha avaliação é que o governo Lula mais acertou do que errou ao longo desse primeiro ano, em 2023.

Qual a sua avaliação da gestão Dino?

Avalio que a gestão Flávio Dino foi satisfatória, cometeu mais acertos do que propriamente erros. Fui secretário de segurança pública em Minas Gerais, então a experiência de gestor me ensinou que um bom gestor tem que saber lidar com situações de crise, tem que saber tomar decisões rápidas, não pode vacilar.

Dino, do meu ponto de vista, foi muito competente nas respostas, firme, mostrou autoridade, mostrou liderança. E, do meu ponto de vista, deixou um legado pequeno, mas um legado, que é a força-tarefa que foi montada no Rio de Janeiro para lidar com as milícias, as facções, algo que não tinha sido feito até hoje, por incrível que pareça. Isso é importante, é definitivamente uma ação importante que ninguém tinha feito antes.

Ministro da Justiça e da Segurança Pública no primeiro ano do governo Lula, Flávio Dino vai ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Wilton Junior/Estadão

Houve erros?

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Houve uma limitação, e é a crítica que tenho feito publicamente. Ele não foi capaz de pensar estrategicamente a segurança pública. Ele colocou em segundo plano a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que é o modelo de governança da política de segurança pública no médio e longo prazo. Para que o Brasil, efetivamente, possa mudar a sua realidade em segurança pública, nós precisamos implementar o SUSP. Dino não percebeu isso, não conseguiu compreender essa dimensão estratégica.

O fato de ele estar preocupado em responder às questões que se apresentavam influenciou no fato de não ter pensado no médio e longo prazo?

Acredito que sim. A gestão pública inevitavelmente leva o gestor a esse tipo de racionalidade gerencial do curto e do curtíssimo prazo, porque os resultados são visíveis, a percepção pública muda, a cobertura midiática é favorável, a visibilidade pública do gestor é ampliada. Essa é a grande vantagem do bom gerenciamento de crises, do gerenciamento no prazo.

Mas a segurança pública no Brasil já vive disso há muito tempo e padece da perspectiva do médio e longo prazo, para além de governos, para se tornar uma política de Estado. E aí, efetivamente, o ministro Flávio Dino não se empenhou nesse sentido.

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O ‘Estadão’ revelou o caso de visitas realizadas pela mulher de um dos líderes do Comando Vermelho do Amazonas ao Ministério da Justiça. Como o senhor avalia esses episódios?

Esse caso da visita de uma mulher vinculada ao Comando Vermelho no Ministério da Justiça foi um caso grave, lamentável, absurdo. Revela, na verdade, um certo descontrole das medidas de fiscalização de quem adentra as instalações do Ministério da Justiça, de controle não só das secretarias, da portaria, mas principalmente de quem leva essas pessoas. Houve uma responsabilidade grande da pessoa que levou essa senhoria até as instalações do Ministério para se reunir com altas autoridades do Ministério. Não há nenhum indício de que o governo Lula, que o ministro Flávio Dino e sua equipe estejam mantendo relações promíscuas com crime organizado. Disso não há nenhum indício, isso é fake. Houve um erro, um erro administrativo.

O ministro Flávio Dino pagou um preço por isso, justificável, porque esse tipo de erro não pode acontecer. É preciso a partir de agora ter muita clareza de quem está sendo levado para visitar e ter audiências com as altas autoridades do Ministério. Quem leva essas pessoas é corresponsável por isso. É preciso agora instituir mecanismos de monitoramento, de vigília, mais atentos, mais efetivos, para que erros como esse não voltem a acontecer.

Que perfil deve ter o sucessor de Dino?

Seria bom alguém que manifestasse essas características básicas que ele apresentou, de ser um bom gestor de crise, saber lidar com situações críticas, uma pessoa de autoridade e firmeza, mas ao mesmo tempo alguém que pudesse combinar a visão do médio e longo prazo. Sou defensor da Simone Tebet, me parece que ela reúne essas características necessárias ao País. Não pode ser alguém que se torne apenas um gestor na perspectiva jurídica do termo.

Em outubro, ação orquestrada por milicianos queimou pelo menos 25 ônibus na zona oeste do Rio Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Este ano tivemos algumas crises - e em alguns casos, como da Bahia e do Rio de Janeiro, que já vêm há bastante tempo - envolvendo facções criminosas. Houve avanço delas em diferentes Estados. Como reverter esse quadro?

Sendo realista, não há mais como reverter esse quadro, infelizmente. Todos devemos reconhecer que a segurança pública hoje é pautada e, em boa medida, pela criminalidade organizada. Isso não é mais exceção, não são casos mais pontuais, não se reduzem mais ao Rio de Janeiro ou a São Paulo. O fenômeno mais do que nunca se nacionalizou e se consolidou. De maneira simples, na verdade, não conheço nenhum país do mundo, mesmo na Europa, na América do Norte, que tenha conseguido acabar com o crime organizado.

Temos que reconhecer que há uma nova realidade da criminalidade na sociedade brasileira. Não é mais um ladrão de galinha, um pequeno traficante de rua. As facções estão consolidadas em todo o território nacional. Inclusive, isso explica muito da redução dos homicídios no Brasil nos últimos seis anos. É bom reconhecer isso: uma certa acomodação das disputas territoriais entre as facções em vários Estados brasileiros tem levado a uma queda da incidência de homicídios, independente de políticas governamentais.

É um fenômeno atinente à própria dinâmica do mercado das drogas ilícitas. E isso é um problema grave, porque leva ao fortalecimento das facções criminosas e das milícias. Tem que voltar a falar do jogo do bicho no Rio de Janeiro, que a gente estava esquecendo… Ele continua proeminente, violento, é uma manifestação de crime organizado que estava fora do nosso espectro, e nós devemos incorporar isso na nossa análise, como elas ocupam, definem domínios territoriais. O crime organizado é uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, mais do que qualquer outro tipo de manifestação criminosa.

Por quê?

Ele é um crime, em boa medida, que funciona como um Estado paralelo, poderes paralelos. O Brasil tem que olhar para o México e dizer: não podemos cair no mesmo problema. O Rio e o Brasil tem que evitar a mexicanização do País. O México, em boa medida, está dominado territorialmente pelos cartéis.

O nosso desafio não é acabar com o crime organizado, é evitar que o crime organizado ocupe domínios territoriais como aconteceu no México e outros países latino-americanos. O que fazer? Investimento, primeiro, em integração dos órgãos de segurança pública, Ministério Público, Polícias, Estaduais e Federal. Precisamos pensar em forças-tarefas mais do que nunca. E trabalho de inteligência. Muito trabalho de inteligência, focado na desmontagem das redes, tanto do tráfico de drogas, quanto das fontes ilegais das milícias, do jogo do bicho, como o contrabando internacional de armas de fogo. Precisa inteligência para desestruturar as redes, enfraquecê-las, e enfraquecê-las financeiramente. É isso que o Brasil deve começar a fazer para ontem, de uma maneira intensiva, articulando esforços da União e dos Estados.

Um caminho seria focar bastante na asfixia financeira desses grupos?

É um caminho, além de uma maneira do enfraquecimento das redes logísticas, porque você tem transporte de drogas, tem transporte de arma de fogo, há uma logística envolvida nesses comércios, nesses mercados ilegais.

O trabalho de inteligência também pode colocar obstáculos, dificuldades a toda essa logística, impondo custos ao crime organizado, diminuindo a lucratividade do crime organizado e o poderio consequentemente financeiro. São duas frentes de atuação, as finanças e a logística, as suas redes, as suas conexões locais.

No Rio, este ano tivemos diferentes episódios de milícias demonstrando o seu poder. Houve incêndio a 25 ônibus, chacinas, e isso num contexto em que as milícias estão se associando a facções do tráfico. Como combater isso?

Tem como diminuir e enfraquecer esse processo, mas eu não acredito na possibilidade a curto e médio prazo pra gente acabar com as facções, e muito menos com as milícias. Infelizmente, é um crime organizado, e quando ele se instala numa sociedade você não consegue acabar mais com ele. Ele passa a ter vida própria, ele passa a ter dinâmica própria, estrutura própria. Ele tem capacidade de se renovar com muita facilidade, são estruturas organizacionais muito sofisticadas, informais. A gente tem que ser muito pragmático. O que pode ser feito é diminuir o poderio e o domínio territorial desses grupos. E diminuir o poderio econômico.

O Rio de Janeiro é um exemplo concreto de uma região, principalmente a região metropolitana, com um elevado grau de mexicanização, no sentido do termo que estou usando aqui. E nesse sentido, o Rio de Janeiro precisa de ajuda do governo federal. Sozinho não vai dar conta. E não há como enfrentar o problema do Rio de Janeiro se não houver uma ação firme contra a corrupção do aparato policial, do aparato judicial, do aparato político. Você tem que ter um esforço duro de identificação da corrupção e de retirar das instituições os indivíduos que estão criando esses vínculos perversos no poder público com a criminalidade organizada. Sem o governo federal, não dá pra fazer isso.

Como seria essa atuação do governo federal?

Forças-tarefas, além de se criar uma instância de correição independente, que não esteja vinculada a nenhum aparato policial, nem à Secretaria de Segurança Pública. Uma instância correcional com apoio de órgãos federais. Precisamos talvez pensar em uma legislação muito peculiar ao Rio de Janeiro. Talvez alguma lei federal que possa dar sustentação a uma instância correccional, estaduais, porque a própria política do Rio de Janeiro está muito contaminada.

No litoral paulista, ação da polícia deixou 28 mortos durante a chamada Operação Escudo, desencadeada após a morte de um agente da Rota Foto: Taba Benedicto/Estadão

Portos e aeroportos do Rio e de São Paulo estão sob uma GLO. Esse tipo de medida é eficiente?

É mais para inglês ver, não tem qualquer efetividade prática. O contrabando de drogas pelos aeroportos é pequeno, é feito pelas “mulas”, que são identificadas através dos equipamentos de scanners nos aeroportos. E a Polícia Federal já sabe, já tem know-how nisso. Tem que investir na sofisticação cada vez maior desses equipamentos.

Há tecnologias atualizadas para inibir esse contrabando através das malas também, que muitas vezes são utilizadas de maneira sofisticada para contrabandear cocaína. A GLO é inútil. Nos portos também, da mesma maneira. Patrulhar portos não vai mudar nada, porque essa droga é contrabandeada através de contêineres.

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O desafio é fazer um monitoramento com equipamentos sofisticados, de tecnologia, para saber se através de cargas de alimentos, roupas, eletrodomésticos, automóveis, estão indo também drogas como cocaína para a África, para a Europa. A mera presença ostensiva das tropas é absolutamente inútil. O fundamental é o investimento em tecnologias.

Navio tático APA121 e lanchas blindadas usadas pela Marinha durante a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em patrulha na Baía de Guanabara, no Rio.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Nos últimos anos o Brasil tem registrado um aumento muito grande de roubos e furtos de celulares, que acabam desencadeando outros crimes e golpes. Diante da limitação dos Estados em combater isso, acredita que esteja faltando uma maior atuação do governo federal?

O roubo e o furto de celulares realmente é uma modalidade criminosa que cresceu muito no País nos últimos dez anos, por razões óbvias. O smartphone se tornou um objeto de desejo valorizado no mercado ilícito, no mercado ilegal. Ele volta ao mercado legal através de receptações. e muitas vezes ele é desmontado com as peças passando a compor as lojas de reparo de celulares. É um fenômeno nacional, atinge praticamente todas as grandes cidades brasileiras.

A principal responsabilidade é dos governos estaduais, são as polícias estaduais, a Polícia Militar e a Polícia Civil, que são as principais responsáveis por desmantelar os grupos, as eventuais quadrilhas que estão atuando nesse tipo de crime, e principalmente a receptação. A receptação tem encontrado muita facilidade, muitas lojas legalizadas são, na verdade, lojas de receptação, de lavagem desse tipo de mercadoria.

É preciso um trabalho de maior inteligência, de investigação, de desmontagem das redes criminosas e de impor mais custos à receptação às lojas que estão atuando nesse tipo de mercado ilegal. Me parece que o governo federal não tem muito o que fazer.

Recentemente, lançou uma ferramenta na internet para as vítimas desses crimes possam fazer o bloqueio do aparelho. É uma boa medida, mas ainda não tenho clareza da funcionalidade desse instrumento. Bloquear o celular roubado ou furtado é uma das maneiras de tentar inibir e diminuir a incidência do crime. Isso envolve uma grande articulação com as operadoras de celulares no Brasil. Aí sim, é uma atribuição do governo federal e está sendo feita. Resta saber se essa ferramenta que o governo federal lançou é ou não funcional.

Como o senhor avalia o preparo das polícias em geral?

De maneira geral, a formação das polícias no Brasil melhorou muito nos últimos 20 anos. Os cursos de formação, de treinamento, principalmente das polícias militares, foi onde esse avanço aconteceu mais intensivamente. As polícias civis no Brasil, um caso ou outro, tem melhorado. Vejo bons exemplos de Minas Gerais, bons exemplos de Espírito Santo, na Polícia Civil no Rio Grande do Sul, exemplos em Santa Catarina… Mas as polícias civis têm um processo de formação, de treinamento, que ainda deixa a desejar comparativamente às polícias militares, seja na formação teórica, doutrinária, seja na formação técnica.

O problema policial no Brasil não está, do meu ponto de vista, ligado à formação, a uma deficiência de formação. A letalidade policial está muito relacionada a uma subcultura policial que é internalizada, no sentido de um saber prático que é repassado aos policiais pelos mais velhos, mais antigos, aos policiais mais novos.

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É o saber prático que não é ensinado na academia, mas sim quando um novato chega a uma unidade policial. Lá eles dizem pra ele como ele deve trabalhar, e é lá que ele aprende que o uso da força, da arma de fogo em situações diversas, é legitimado.

De alguma maneira, é uma forma de justiçamento que está absolutamente legitimada entre boa parte da linha de frente dos policiais brasileiros. Essa subcultura, isso não se resolve com formação. Ela tem um amparo muito grande na sociedade brasileira, nos vários segmentos da sociedade brasileira, que legitimam tacitamente essa violência e essa letalidade policial. Os policiais sabem disso, que boa parte dos brasileiros acreditam que “bandido bom é bandido morto”. Isso acaba sendo uma forma de pensar muito disseminada na linha de frente das organizações policiais brasileiras.

E aí você começa a entender como a letalidade policial no Brasil é constante, histórica, e por que ela cresceu muito nos últimos dez anos. Hoje somos a polícia que mais mata em confrontos em todo mundo em termos absolutos. Do meu ponto de vista, você tem um caminho promissor que é o uso das câmeras nas fardas, me parece fundamental, mas você está vendo a resistência que muitas vezes há uma resistência das instâncias judiciais, como em São Paulo.

Estão retrocedendo legalmente na obrigatoriedade do uso das câmeras corporais, dos fundamentos. O Brasil precisaria criar uma instância de controle externo mais autônomo, mais independente, que pudesse investigar e dar suporte ao Ministério Público no processamento do comportamento violento excessivo das polícias.

Precisaríamos criar uma instância, uma ouvidoria de polícia não apenas para receber denúncias, mas que também pudesse investigar e dar suporte a eventuais denúncias do MP. Se não fizermos isso, nós vamos continuar navegando em águas muito turvas, de alta letalidade policial, mesmo com um governo petista, de esquerda.

Sobre as câmeras, o governador do Rio, Cláudio Castro, é contrário ao seu uso em operações policiais. Recentemente, o TJ de São Paulo negou o pedido de organizações pela obrigatoriedade do equipamento.

Não faz sentido você excluir situações específicas. São nas operações policiais que as câmeras são mais necessárias. E as câmeras, as imagens, não vão ser públicas. Não quer dizer que pelo fato de ter câmera que vai ser divulgado na televisão na semana seguinte, nada disso. As câmeras são de uso interno das corporações policiais, que vão ser usadas apenas na investigação de supostos casos de abuso de poder. As imagens não vão ser publicizadas, elas não são a priori públicas, mas elas são fundamentais internamente podem ser usadas e podem ser usadas no aprimoramento de técnicas de ação policial das academias.

Essa atitude corporativista revela o quê? Revela que as autoridades políticas e judiciais, como São Paulo, por exemplo, ou no Rio de Janeiro, estão legitimando eventuais abusos da polícia. É uma forma sofisticada de dizer “não, durante operações vocês podem fazer as técnicas que você já usam cotidianamente”. E essas técnicas de uso cotidiano, como nós já discutimos aqui, são absolutamente arbitrárias, fora de procedimentos de uso progressivo da força.

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