‘O amor romântico está dando sinais de sair de cena’, diz autora de ‘Novas Formas de Amar’

Psicanalista Regina Navarro Lins fala sobre o que considera um crescimento de relacionamentos não monogâmicos no Brasil: ‘Estamos assistindo a grandes mudanças na forma de amar’

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Foto do author João Ker
Por João Ker
Atualização:

“Estamos vivendo uma transição entre antigos e novos valores”, diz a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. Autora de 14 livros, entre eles Novas Formas de Amar (Editora Planeta, 2017), no qual disseca as complexidades de relacionamentos do século 21 e algumas de suas particularidades possíveis como a não monogamia, ela afirma que “não tem a menor dúvida” de que esses modelos estão crescendo no Brasil e no Ocidente.

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Regina explica que a liberdade de arranjos e contratos firmados entre as duas ou mais partes de um relacionamento nos dias de hoje é fruto de uma série de conquistas sobre a liberdade sexual da sociedade. Momentos como a invenção da pílula anticoncepcional e da camisinha, a criação legal do divórcio e os movimentos hippie, feminista e LGBT+, dentre outros, ajudaram a transformar a ideia do que pode ser um casamento ou namoro.

“Acredito que, daqui algumas décadas, menos gente vai optar por se relacionar a dois e mais gente vai optar por relações múltiplas”, afirma Regina.

Capa do livro 'Novas Formas de Amar', escrito por Regina Navarro Lins. Foto: Divulgação

Como casais podem abordar a vontade de abrir o relacionamento? O que deve ser conversado e que regras podem ser estabelecidas? Há um momento certo para isso?

Essa é a pergunta que eu mais recebo. É muito difícil dizer, porque é algo novo. Estamos vivendo uma transição entre antigos e novos valores, então não temos parâmetros para nos apoiar. Em relação aos modelos tradicionais, sabemos dizer o que não funciona: possessividade, ciúme, descontrole e desrespeito à individualidade do outro. Não consigo ver uma melhor forma do que a total franqueza. Cada casal vai decidir (as regras) e, mesmo assim, encontramos muitos conflitos porque uma das partes diz o que deseja e aí, depois se arrepende na prática. Aí, tem que conversar de novo. O momento certo acredito que seja quando uma das partes deseja realmente abrir a relação.

Considerando casais que já estão juntos há algum tempo e querem “mudar” o contrato, seja para abrir ou fechar o relacionamento, o que deve ser levado em conta na hora dessa alteração?

Essa questão é muito interessante porque escuto pessoas dizerem que vale o que está combinado, aí vem o clichê “o combinado não sai caro”. O problema é que ninguém combina nada quando começa uma relação, a monogamia é um imperativo na nossa cultura. Quando um casal começa a namorar, seja hétero ou homossexual, já está implícito que um só pode ter relações sexuais com o outro.

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O que deve ser levado em conta é realmente o desejo de cada um. Existem pessoas que acreditam que respeitar a individualidade do outro é tão fundamental que nem querem saber o que o outro faz quando não estão juntos, acreditando que isso não lhe diz respeito. Isso vai depender muito das características de personalidade de cada um.

Existe uma percepção de que os casais não monogâmicos estão crescendo no Brasil. Tem sentido o mesmo? Se sim, a que atribui esse fenômeno?

Não tenho a menor dúvida de que a não monogamia está crescendo no Brasil e no Ocidente. Qual o motivo disso? Precisamos entender o que é o amor romântico. Ele é uma construção social e, em cada período da história, se apresenta de uma forma. O amor romântico começou no século 12 e nunca pôde entrar no casamento. Ele passou a ser uma possibilidade no século 19, depois da revolução industrial, quando entrou pra valer. Antes, eram as famílias que escolhiam quem ia casar com seus filhos.

Em meados do século 20, a partir de 1940, ele veio muito incentivado pelos filmes de Hollywood, pregando que os dois vão se transformar em um só, a não individualidade. Os anseios contemporâneos são em busca da individualidade. Cada um quer saber seu potencial a desenvolver, suas possibilidades na vida, o que não tem absolutamente nada a ver com egoísmo, como alguns acreditam. Isso bate de frente com a proposta do amor romântico.

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Esse amor romântico está dando sinais de sair de cena e levando com ele a sua característica básica: a exigência de exclusividade. Nisso, faz com que se abra um espaço para o surgimento de novas formas de amar que não tenham a exclusividade como algo importante. Acredito que, daqui algumas décadas, menos gente vai optar por se relacionar a dois e mais gente vai optar por relações múltiplas.

Outro aspecto desse movimento seria a variedade dos casais não monogâmicos, que agora estão mais abrangentes em fluidez de sexualidade, idade e configuração. Como enxerga isso?

Existem várias formas de não monogamia – o poliamor, as relações livres, amor a três e por aí vai. É claro que a fluidez dos desejos sexuais é mais forte e mais aceita do que nunca. Agora, cada tipo de relação monogâmica tem as suas crenças e seus valores. No poliamor, por exemplo, as pessoas geralmente acreditam que todos têm que saber, nada é escondido, que você pode amar e ser amado por várias pessoas. Estamos assistindo a grandes mudanças na forma de amar.

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