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Por que a Justiça absolveu policiais em caso de mulher arrastada por viatura no Rio?

Juiz destacou que policiais agiram em legítima defesa; apenas um homem, indicado como traficante, foi encaminhado à júri popular. Entidades criticaram decisão

Foto do author Rariane Costa
Por Rariane Costa
Atualização:

A Justiça do Rio de Janeiro absolveu, dez anos após a ocorrência, seis policiais envolvidos no caso de Claudia Ferreira, mulher baleada que foi arrastada por uma viatura por 350 metros em 2014. A decisão do magistrado Alexandre Abrahão Dias Teixeira, da 3ª Vara Criminal, gira em torno de ação em legítima defesa dos acusados e foi divulgada na última segunda-feira, 18. A absolvição havia sido defendida pelo Ministério Público no processo. Entidades de direitos humanos criticaram o desfecho.

Enterro de Claudia ocorre sob comoção no Cemitério de Irajá, no Rio Foto: Marcos de Paula/Estadão - 17/3/2014

O motivo levantado para a decisão de absolvição se baseia no fato de Claudia ter sido atingida no momento em que agentes estavam em confronto com traficantes no local. No texto, o juiz justifica que a ação foi realizada “para repelir a injusta agressão provocada pelos criminosos, incorrendo em erro na execução, atingindo pessoa diversa da pretendida”.

  • O erro de execução se caracteriza, de acordo com o Código Penal, quando “por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa”, respondendo como se tivesse praticado a ação contra a primeira.

“Nesse sentido, (...) conforme os termos do artigo 73 do Código Penal, os acusados devem responder como se tivessem atingido a pessoa pretendida, ou seja, os criminosos que atentavam contra suas vidas, sendo amparados pela excludente de ilicitude da legítima defesa (art. 25 do Código Penal”, escreveu o juiz.

  • O capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, comandante na ação, e o sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, foram, assim, absolvidos do crime de homicídio. O documento foi expedido no dia 22 de fevereiro e encaminhado com urgência à Corregedoria da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Além deles, outros quatro policiais eram acusados pelo crime de fraude processual em função da remoção do corpo da mulher do local do crime.

Policiais durante reconstituição da ocorrência, em 2014 Foto: Wilton Junior/Estadão

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Houve a alegação de que a ação teria sido praticada com o objetivo de contaminar a cena do crime e prejudicar as investigações. Foi durante esse processo que imagens mostrando a mulher pendurada na viatura, presa apenas por uma parte da roupa, foram gravadas por um motorista que seguia atrás do veículo. Claudia foi arrastada no asfalto por 350 metros.

Segundo os policiais, o compartimento onde a mulher estava teria aberto acidentalmente fazendo com que ela caísse sem que eles percebessem.

Na decisão, o juiz anexou o depoimento de Rodrigo Boaventura, responsável por ordenar a retirada da mulher, que afirmava que a remoção aconteceu porque o corpo de Cláudia ainda apresentava sinais vitais. “Não esperei a chegada da ambulância porque havia risco de novo confronto armado e era necessário socorrê-la rapidamente”, disse o acusado à época.

A versão foi acatada pelo magistrado, que destacou que os policiais “tentaram socorrer a vítima de imediato”.

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  • Dessa forma, os subtenentes Adir Serrano Machado e Rodney Miguel Archanjo, o sargento Alex Sandro da Silva Alves e o cabo Gustavo Ribeiro Meirelles também foram absolvidos na decisão.

Em depoimento, os policiais relataram não ter percebido o momento em que Claudia caiu. “Em determinado momento, quando estávamos percorrendo a Estrada Intendente Magalhães, olhei para trás e vi a porta aberta. Claudia não estava no veículo. Imediatamente mandei a viatura parar e corri achando que ela havia caído. Percebi que ela estava presa no reboque. Coloquei ela novamente na viatura. Nesse momento já não percebi mais os sinais vitais”, narrou o subtenente Adir Machado.

O único nome que foi encaminhado à júri popular pela Justiça é o de Ronald Felipe dos Santos, que é apontado como um dos traficantes que estaria envolvido na troca de tiros que resultou na morte da mulher.

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Entidades criticam decisão

A decisão gerou reações em entidades civis que manifestaram publicamente insatisfação com a absolvição dos policiais. A Anistia Internacional, movimento em defesa dos direitos humanos, disse que “a notícia traz tristeza e desalento, pois é como se Cláudia fosse desumanizada uma vez mais”.

O Instituto Marielle Franco também se manifestou citando a desumanização a que a vítima foi submetida, classificando a absolvição como uma ação que “reflete o ciclo de violências ao qual pessoas negras, pobres e faveladas são submetidas”.

Na mesma linha, o Instituto de Defesa da População Negra, integrante da Coalizão Negra por Direitos, fez uma publicação questionando “Pra quem serve o direito penal no Brasil?”.

O advogado João Tancredo, que representou a família em questões cíveis do processo, lamentou a decisão da Justiça. “A absolvição foi repugnante. Tanto na parte cível como criminal, os resultados trazem o sentimento de impunidade e revolta”, disse.

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