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‘Cérebro da mamãe’: mudanças cerebrais na gravidez podem ser benéficas, avaliam neurocientistas

Pesquisa mostra que o cérebro da mulher passa por um período de reorganização – conhecido como neuroplasticidade

Por Elizabeth Chang

Psicóloga e mãe de três, Alison Kravit ocasionalmente esquece a palavra “terapia”. Hollie Swire, uma assistente social clínica independente e mãe de um, partiu para a creche sem a mochila com as roupas e as mamadeiras de seu filho.

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Christina Moran, dona de casa, mãe de três filhos e com mestrado em Enfermagem e saúde pública, teme não conseguir processar informações rapidamente ou se expressar de forma sucinta quando voltar ao trabalho. “É uma sensação muito desconfortável”, diz ela.

Todas estão experimentando o pensamento nebuloso e os ataques de esquecimento conhecidos por termos fofos e paternalistas como “cérebro da mamãe”, “cérebro do bebê”, “cérebro da gravidez” ou “mamnésia”.

A neurociência, que há muito estuda o efeito da gravidez no cérebro dos animais, finalmente voltou sua atenção para o efeito no cérebro humano – e os resultados desafiam as suposições comumente aceitas sobre as habilidades intelectuais das mulheres durante e após a gravidez. Isso está levando os pesquisadores a pedir uma reavaliação do conceito do “cérebro da mamãe”, se não, uma revisão completa.

“É hora de reformular o ‘cérebro da mamãe’”, escreveram recentemente os neurocientistas Clare McCormack, Bridget Callaghan e Jodi Pawluski (cujo livro sobre os “superpoderes” do cérebro da mamãe está sendo traduzido do francês para o inglês) no JAMA Neurology. Em vez de focar nos supostos déficits do cérebro, eles argumentam que a ciência deveria destacar as adaptações positivas que ocorrem quando uma mãe dá à luz.

Durante a gravidez, a pesquisa mostrou que o cérebro humano passa por um período extraordinário de reorganização – conhecido como neuroplasticidade. “Se você estivesse olhando para esses dados através das lentes do cérebro do bebê como uma coisa negativa, à primeira vista pode soar um pouco alarmante”, disse Clare McCormack, professor assistente de pesquisa em psiquiatria infantil e adolescente na NYU Langone Health. Mas os estudos indicam que “esse grau de mudança é realmente muito importante e está associado a um melhor ajuste a essa grande transição”.

A plasticidade do cérebro das mulheres durante a gravidez é semelhante à da adolescência, disseram Clare McCormack e seus colegas. Ambos envolvem “mudanças mediadas por hormônios na atenção, motivação, cognição e comportamento necessários para a adaptação às novas demandas da vida”, escreveram.

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“Faz sentido que os cérebros sejam muito, muito plásticos durante esse período, porque há tantas coisas novas que precisamos aprender para viver com essa criatura maravilhosa que está a caminho”, disse Liisa Galea, neurocientista presidente da Treliving Family na equipe de saúde mental feminina no Centro de Dependência e Saúde Mental em Toronto, o maior hospital de saúde mental do Canadá.

A plasticidade do cérebro das mulheres durante a gravidez é semelhante à da adolescência, dizem pesquisadores. Foto: Anastasiia Chepinska/Unsplash

Massa cinzenta

Por exemplo, as ressonâncias magnéticas mostram que o volume da massa cinzenta é reduzido após a gravidez em certas áreas do cérebro da mulher e aumentado em outras. As áreas onde ocorre a redução correspondem às áreas envolvidas na decodificação de estados mentais em nós mesmos e nos outros, levando os pesquisadores a teorizar que isso torna essas áreas mais eficientes. Estudos mostram que as mães com essas alterações cerebrais são mais apegadas e sintonizadas com seus bebês. Essas mudanças duram dois anos ou mais.

“Reduzir não significa que seja ruim. Na verdade, é bom porque estamos criando conexões novas e diferentes”, disse Liisa Galea, que também lidera o cluster de Pesquisa em Saúde da Mulher da Universidade de British Columbia. “Temos que aprender sobre esses choros infantis. Temos que aprender a fazer malabarismos com mais coisas, sermos menos egoístas.”

Embora as preocupações com a névoa mental não devam ser descartadas, diz Clare McCormack, essas experiências, bem como estudos de pesquisa, podem ser influenciadas pelo que ela e seus colegas chamam de “narrativa inevitável” do “cérebro da mãe”.

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“Há muito tempo nos perguntamos em estudos com animais: ‘Oh, uau, como esse animal desenvolveu esse novo conjunto de habilidades e aprendeu a ser pai?’”, diz ela. “E em mulheres e humanos tem sido um enquadramento muito diferente da questão. Tem sido apenas: ‘Por que as mães são esquecidas?’”

Embora até 80% das mulheres grávidas tenham dito que têm problemas cognitivos em suas vidas diárias, a pesquisa de laboratório mostrou apenas pequenos efeitos negativos em algumas áreas da cognição. Além disso, observou Liisa Galea, esses resultados parecem ser afetados por uma série de fatores, incluindo o trimestre da gravidez, o sexo do bebê e quantos filhos a mulher teve.

Claro que os déficits de memória em um ambiente de laboratório não são tão graves quanto as mulheres relatam que sofrem na vida real, isso pode ser devido ao fato de que não há interrupções ou estresse – ou crianças – durante o experimento. E também é possível que o esquecimento de algumas mulheres esteja mais relacionado ao estresse e à falta de sono do que a mudanças em seus cérebros.

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Liisa Galea disse que essas mulheres não devem se preocupar demais com o esquecimento porque pesquisas mostram que a memória de uma nova mãe melhora gradualmente. Estudos também sugerem que, na meia-idade, as mulheres que deram à luz têm uma memória melhor do que as que não o fizeram.

“Acho que temos que parar de pensar nessas coisas como positivas e negativas, elas são apenas naturais”, disse Liisa Galea. “Não é justo dizer: ‘Ah, está tudo na sua cabeça’’. Você pode tranquilizar as pessoas dizendo: ‘Ei, isso é uma coisa normal. É que seu cérebro está sendo muito plástico porque você vai precisar aprender coisas novas, e precisa fazer isso rápido.’”

O que é realmente importante, ela e Clare McCormack concordam, é descobrir como essa plasticidade ajuda a mulher a se adaptar à maternidade. Isso pode levar a um tratamento direcionado para 1 em cada 5 mulheres que sofrem de depressão pós-parto, bem como para aquelas que sofrem de outros transtornos de humor ou ansiedade perinatais.

Outro motivo para pesquisar a neuroplasticidade relacionada à gravidez é entender como essas mudanças no cérebro – algumas das quais persistentes – afetam as mulheres quando envelhecem. Há alguns sinais de que a gravidez aumenta o risco de doença de Alzheimer, disse Liisa Galea, mas também há estudos que mostram que quanto mais filhos uma mulher tem, mais jovem seu cérebro parece.

Infelizmente, há motivos para se preocupar que tal pesquisa não seja uma prioridade. Em um estudo feito por Liisa Galea e seus colegas, foi analisado que apenas 3% dos artigos de neurociência e psiquiatria publicados em 2009 e 2019 se concentravam apenas em mulheres, enquanto 27% se concentravam apenas em homens.

Embora o “cérebro da mãe” possa ser desorientador e frustrante, algumas mães veem as adaptações positivas, disse McCormack. Curiosamente, elas disseram que se deleitam com novos conhecimentos, como multitarefa aprimorada e resistência ao estresse, e a capacidade quase mágica de entender o que uma criança precisa.

Mãe de três filhos, Christina Moran disse que, embora sinta que experimentou mais deficiências do que pontos fortes, ela pode reconhecer as habilidades que adquiriu. “Consegui levar todos os meus três filhos, que têm menos de 6 anos, a um museu infantil e a uma peça e todos estão vivos e se divertiram”, disse ela. “Sei que meu cérebro tem que funcionar muito rapidamente para acompanhar tudo. E estou ficando cada vez melhor.”

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Hollie Swire, assistente social clínica, acredita que a maternidade a tornou mais empática e permitiu que ela recuasse e visse os problemas com uma perspectiva mais ampla. Ao conversar com seus pacientes sobre o “cérebro da mãe”, a psicóloga e mãe Alison Kravit tenta abordar os dois lados.

“Geralmente reconheço que sim, essa sensação é péssima. Vamos pensar em algum tipo de maneira de melhorar a situação, seja com agendas ou lembretes visuais, pedindo ajuda ou sendo autocompassiva”, disse ela, que também fala sobre os pontos positivos, como o vínculo com o bebê, e lembra às mães “que elas têm um histórico de 100% de superação das coisas difíceis”.

Hollie diz que uma reformulação do “cérebro da mãe” pode ajudar as novas mamães. “Se as pessoas soubessem o quanto sua capacidade cerebral pode mudar, melhorar e ajudá-la a ser mais eficiente e organizada, acho que elas veriam isso como um ganho, uma transformação muito importante”.

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