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Peter Higgs, ganhador do Nobel pela descoberta da ‘partícula de Deus’, morre aos 94 anos

Físico faleceu em sua casa em Edimburgo, na Escócia. Em 2013, foi laureado pela descoberta do bóson que leva o seu nome

Por Dennis Overbye (The New York Times)

Peter Higgs, que previu a existência de uma nova partícula que veio a ser batizada com seu nome e desencadeou uma busca bilionária e mundial de meio século por ela, culminando com um Prêmio Nobel em 2013, morreu na segunda-feira em sua casa em Edimburgo, na Escócia. Ele tinha 94 anos. A causa foi um distúrbio sanguíneo, disse Alan Walker, seu amigo íntimo e colega físico da Universidade de Edimburgo, onde Higgs era professor emérito.

Higgs era um professor assistente de 35 anos na universidade em 1964 quando sugeriu a existência de uma nova partícula que explicaria como outras partículas adquirem massa.

  • O bóson de Higgs, também conhecido como “a partícula de Deus”, se tornaria a pedra fundamental de um conjunto de teorias conhecido como Modelo Padrão, que encapsulava todo o conhecimento humano até então sobre as partículas elementares e as forças pelas quais elas moldavam a natureza e o universo.

Higgs era um homem modesto, que evitava as armadilhas da fama e preferia a vida ao ar livre. Ele não tinha televisão, não usava e-mail nem celular. Durante anos, ele contou com Walker para atuar como seu “cão-guia digital”, nas palavras de um ex-aluno.

Higgs morreu na segunda-feira em sua casa em Edimburgo, na Escócia Foto: Scott Heppell/AP

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Meio século depois, em 4 de julho de 2012, ele foi aplaudido de pé ao entrar em uma sala de conferências na Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), em Genebra, e ouvir que sua partícula havia sido finalmente encontrada. Em uma transmissão do laboratório, o mundo inteiro o viu pegar um lenço e enxugar uma lágrima. “É realmente incrível que isso tenha acontecido em minha vida”, disse ele.

Recusando-se a ficar para as festas posteriores, Higgs voou de volta para casa, comemorando no avião com uma lata de cerveja London Pride. O CERN, que tem prateleiras de garrafas de champanhe vazias comemorando grandes momentos ao longo de sua sala de controle, perguntou se poderia ficar com a lata, mas Higgs já a havia jogado fora.

Peter Ware Higgs nasceu em Newcastle-upon-Tyne, Inglaterra, em 29 de maio de 1929, filho de um engenheiro de som da BBC, Thomas Ware Higgs, e de Gertrude Maude (Coghill) Higgs, que administrava a casa.

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Ele cresceu em Bristol. Seu interesse pela física foi despertado quando ele frequentava a mesma escola, a Cotham Grammar School, onde estava Paul Dirac, o grande teórico britânico que foi um dos pais (não havia mães) da mecânica quântica.

Essa teoria, que descreve as forças da natureza como um jogo de pega-pega entre pedaços de energia portadores de força chamados bósons, seria o mesmo campo em que Higgs alcançaria a fama.

Aos 17 anos de idade, Higgs foi para a City of London School, onde estudou matemática. Um ano depois, ingressou no King’s College London, graduando-se em 1947 com um diploma de bacharel em física. Ele obteve seu doutorado em 1954 com pesquisas sobre moléculas e calor.

Após cargos temporários de pesquisa na University of Edinburgh, Imperial College London e University College London, ele assumiu um emprego permanente como professor em Edimburgo em 1960.

Higgs passou a amar a cidade durante seus dias de faculdade, quando costumava escapar em viagens de carona para as Highlands escocesas. Durante esses anos, ele também se tornou politicamente ativo na Campaign for Nuclear Disarmament e no Greenpeace. Mas abandonou ambos quando se tornaram radicais demais para seu gosto.

Foi no movimento de desarmamento que ele conheceu e se apaixonou por uma colega ativista, Jody Williamson. Eles se casaram em 1963. Ela faleceu em 2008.

Higgs deixa seus dois filhos, Christopher, cientista da computação, e Jonathan, músico, e dois netos.

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Pesquisa

Em Edimburgo, Higgs redirecionou sua pesquisa da química e das moléculas para seu primeiro amor, as partículas elementares.

Edimburgo foi o local de nascimento de James Clerk Maxwell (1831-1879), que realizou a primeira grande unificação da física, mostrando que a eletricidade e o magnetismo eram manifestações diferentes da mesma força, o eletromagnetismo, que constitui a luz.

Seria o destino de Higgs levar a física ao próximo passo, em direção a uma teoria que pudesse ser escrita em uma camiseta, ajudando a mostrar que o eletromagnetismo de Maxwell e a chamada força fraca que governa a radioatividade são faces diferentes da mesma coisa.

No entanto, como costuma acontecer no progresso ziguezagueante da ciência, não era isso que Higgs achava que estava fazendo. “Na época”, lembrou ele em uma entrevista em Edimburgo em 2014, “a ideia era resolver a força forte”. A força forte mantém os núcleos atômicos unidos.

  • De acordo com a teoria, as partículas que carregam essa força - bósons - deveriam ser sem massa, como o fóton que transmite a luz.
  • Mas enquanto a luz atravessa o universo, a força forte mal consegue atravessar um núcleo atômico, o que, pelas regras quânticas, significa que a partícula que a carrega deveria ser quase tão maciça quanto um próton inteiro.

Então, como os portadores da força forte se tornaram tão maciços? Adaptando uma ideia que Philip W. Anderson, de Princeton, havia usado para ajudar a explicar a supercondutividade, Higgs sugeriu que o espaço era preenchido por um campo invisível de energia, um melaço cósmico.

O campo agiria sobre algumas partículas que tentam se mover através dele, como uma comitiva que se prende a uma celebridade tentando chegar ao bar, imbuindo-as com o que percebemos como massa.

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Em algumas situações, ele observou, um pouco desse campo poderia se desprender e aparecer como uma nova partícula. Seu primeiro artigo sobre o assunto foi rejeitado, no entanto, então ele o reescreveu, “apimentando-o”, como ele disse, com um novo parágrafo no final enfatizando a previsão da nova partícula, que viria a ser chamada de bóson de Higgs.

Descobriu-se que François Englert e Robert Brout, da Universite Libre de Bruxelles, haviam se antecipado em sete semanas com uma ideia semelhante. Pouco tempo depois, mais três físicos - Tom Kibble, do Imperial College de Londres; Carl Hagen, da Universidade de Rochester; e Gerald Guralnik, da Universidade de Brown - entraram na conversa.

“Eles foram os primeiros, mas eu não sabia até que Nambu me contou”, disse Higgs em uma entrevista, referindo-se a Nachiro Nambu, físico da Universidade de Chicago e também ganhador do Prêmio Nobel, que editou a revista.

Na época, não havia Internet, disse ele, com a voz arrastada, dando a entender que, se tivesse visto o artigo deles, provavelmente nunca teria escrito o seu. “No início, eu não tinha certeza de que seria importante”, continuou Higgs. Nem ninguém mais tinha.

De fato, as teorias da força forte, que Higgs se propôs a estudar, seguiram outro caminho. Mas seu artigo e sua partícula seriam decisivos para a chamada força fraca.

Sem o conhecimento de Higgs, o físico americano Sheldon Glashow havia proposto uma teoria em 1961 que unificava a força fraca e as forças eletromagnéticas, mas tinha o mesmo problema de como explicar por que os portadores da parte fraca da “força eletrofraca” não eram sem massa.

O campo mágico de Higgs teria sido a solução ideal, mas ele e Glashow não conheciam o trabalho um do outro, embora tivessem acabado de se desencontrar.

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Uma das tarefas de Higgs como professor iniciante em Edimburgo, em 1960, era fornecer refeições diárias para uma conferência de verão escocesa realizada no local. Glashow, que estava participando, e seus amigos escondiam garrafas de vinho fornecidas por Higgs em um relógio de pêndulo e depois voltavam e ficavam acordados a noite toda, esvaziando-as e conversando sobre a unificação eletrofraca.

Higgs, enquanto isso, estava na cama. “Eu não sabia que eles estavam roubando meu vinho”, disse ele na entrevista.

Relevância

O bóson tornou-se importante em 1967, quando Steven Weinberg, da Universidade do Texas em Austin, fez dele a peça fundamental para a unificação das forças fraca e eletromagnética. Ele se tornou ainda mais importante em 1971, quando o teórico holandês Gerardus ‘t Hooft provou que todo o esquema fazia sentido do ponto de vista matemático.

Higgs disse que Benjamin Lee, um físico do Fermilab que morreu mais tarde em um acidente de carro, batizou-o de bóson de Higgs durante uma conferência por volta de 1972, talvez porque o artigo de Higgs tenha sido citado primeiro no artigo de Weinberg.

O nome pegou, não apenas para a partícula, mas para o campo de melaço que a produziu e para o mecanismo pelo qual esse campo deu massa a outras partículas - um pouco para o constrangimento de Higgs e o incômodo dos outros teóricos.

“Por um tempo”, lembrou Higgs, rindo, “eu o chamava de ‘mecanismo A.B.E.G.H.H.K.H.’, enumerando os nomes de todos os teóricos que haviam contribuído para a teoria (Anderson, Brout, Englert, Guralnik, Hagen, Higgs, Kibble e ‘t Hooft). O interesse pelo bóson vinha e ia em ondas.

A primeira rodada de entrevistas de Higgs ocorreu em 1988, quando o CERN colocou em funcionamento um novo acelerador chamado LEP, sigla em inglês para Large Electron Positron Collider (Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons). Um de seus principais objetivos era encontrar o bóson de Higgs. Houve outra rodada quando o LEP estava sendo fechado em 2000, apesar das alegações de alguns cientistas de que haviam visto traços do bóson de Higgs.

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Higgs estava cético. “Eles estavam levando a máquina além do seu limite”, lembrou ele. Naquela época, ele havia desistido de fazer pesquisas, concluindo que a física de partículas de alta energia simplesmente o havia ultrapassado.

Ele estava tentando trabalhar em uma nova teoria da moda chamada supersimetria, que avançaria ainda mais a unificação das forças, mas “eu continuava cometendo erros bobos”, disse ele.

Na verdade, ele disse à BBC mais tarde que sua falta de produtividade provavelmente teria feito com que fosse demitido há muito tempo, se não soubesse que havia sido indicado para o Prêmio Nobel.

Nos últimos anos, Higgs morava em um apartamento no quinto andar do histórico bairro de New Town, no centro de Edimburgo, na esquina do local de nascimento de Maxwell, o grande teórico escocês, que cresceu na vizinhança.

Mesmo antes de o Nobel selar seu lugar na história, ele já havia se tornado uma das atrações turísticas da cidade, uma espécie de monumento ambulante à ciência, ganhador do Prêmio Edimburgo de 2011 por sua “contribuição extraordinária à cidade”.

Higgs continuou a lecionar até se aposentar em 1996, mas sua falta de pesquisa o manteve fora da briga e da fúria que resultou da descoberta de seu bóson. Em 1999, ele recusou uma oferta de título de cavaleiro, mas em 2012 foi nomeado Companheiro de Honra pela Rainha Elizabeth II.

No ano seguinte, juntou-se a seus ídolos Dirac e Maxwell na imortalidade por meio do Prêmio Nobel de Física, que dividiu com Englert. Mas estar na briga nunca foi sua praia.

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No dia em que o prêmio de física deveria ser anunciado, ele decidiu que seria uma boa hora para sair da cidade. Infelizmente, seu carro não estava funcionando. Preso na cidade, ele decidiu ir almoçar. Mas, no caminho, um vizinho o interceptou e lhe disse que ele havia ganhado o prêmio. “Que prêmio?”, brincou ele. /Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.

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