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A força criativa de Nelson Sargento não se esgota

No Sesc Vila Mariana, Filósofo do Samba lança o CD Versátil, que tem oito obras inéditas e transita por gêneros diversos, como a valsa, o foxtrote e o bolero

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À medida que envelhece, o homem caminha para frente, mas olha para trás. Não parece haver novidades para o homem que se aproxima do ocaso. O tempo é de revisão. Um pouco antes de completar 85 anos, Nelson Sargento contraria esse senso comum com o CD Versátil, que será lançado no Sesc Vila Mariana, hoje e amanhã, às 21h. Nelson Sargento nutre aquele amor pela criação e a sabedoria, por isso é conhecido como o Filósofo do Samba. Ou como uma das maiores inteligências do Brasil, segundo o jornalista Sérgio Cabral. Ele é um dos grandes arquivos vivos do samba, lembrando de cor melodias de obras inéditas de parceiros como Cartola. Ao ser chamado de filósofo, Nelson ri do exagero e depois se explica. "Não é filosofia, é só entender um pouco da vida na medida do possível, pois ninguém sabe tudo", diz. "Quem sabe tudo é Deus", arremata. Composto por 16 faixas, 8 delas inéditas, Versátil faz jus ao nome ao apresentar gêneros diversos, como um foxtrote (Primeiro de Abril), um bolero (Bálsamo), uma valsa (Rosa Maria, Flor Mulher), uma marcha-rancho (Amar Sem Ser Amado), um samba-enredo (O Século do Samba), um samba-de-terreiro (Só Eu Sei). Nelson revela seu parceiro mais recente - Agenor de Oliveira, dono da gravadora independente Olho do Tempo - em quatro composições, Sinfonia Imortal, Acabou Meu Sossego, Parceiro da Ilusão e Amar Sem ser Amado. As outras parcerias são Verão no Rosto (Maurício Tapajós); Ciúme Doentio (Cartola); Só Eu Sei (Marreta); Pranto Ardente (Oscar Bigode); Ídolos e Astros (Marinho da Chuva); e Século do Samba (Josimar Monteiro e Francisco Blanco). Versatilidade pode significar duas coisas. Instabilidade de princípios ou conjunto de qualidades diferentes. Nelson Sargento, firme nas crenças, encarna a segunda definição - além de músico, é escritor e pintor. E, mais do que sambista, é um compositor, atesta Versátil, que tem a participação de D. Ivone Lara, Wagner Tiso e Zeca Pagodinho. Nelson não gosta de dizer que é versátil, prefere admitir que gosta de experimentar, sina dos criadores aprendizes. Não por acaso, o título da apresentação do CD, escrita por Nei Lopes, é "Versátil sem perder a raiz". D. Ivone Lara faz o tradicional contracanto em Nas Asas da Canção, samba com Nelson, de 1947. A letra parece ser uma profecia da inesgotável força criativa de Nelson. Oitenta e cinco anos são nada para quem tem a fantasia como guia. "Ó musa/ Me ajude como outrora/ Não me abandone agora/ No ocaso da vida/ Sei que minha mente/ Está cansada/ Foram tantas madrugadas/ Quantas ilusões perdidas/ Quero versos com muito lirismo (...)/ Emoldurando a fantasia/ Da minha imaginação." Embora desejasse cantar Falso Amor Sincero - "O nosso amor é tão bonito/ Ela finge que me ama/ E eu finjo que acredito" -, um dos sucessos de Nelson Sargento, Zeca Pagodinho acabou fazendo um duo em Ciúme Doentio (Nelson e Cartola). Sozinho ao piano, Wagner Tiso interpreta a valsa instrumental Rosa Maria, Flor Mulher, arranjada por ele e composta com Nelson. A valsa homenageia sua mãe, Maria Rosa da Conceição, o que remete à história do garoto Nelson Mattos, nascido na Praça 15, registrado como filho de pai desconhecido e criado em casa de classe média da Tijuca. Nelson foi parar no morro do Salgueiro, onde conheceu Alfredo Português, sambista da Mangueira. Aí nasceram a ligação com a escola verde e rosa e o contato com os sambistas Cartola, Carlos Cachaça e Nelson Cavaquinho. Com Português, seu parceiro junto com Jamelão no famoso samba-enredo Cântico à Natureza, Nelson aprendeu a ser pintor de paredes. (Décadas depois ele pintaria quadros naifs, que fazem lembrar as pinturas de outro sambista, Heitor dos Prazeres.) Nos anos 1960, atuou no Zicartola e participou do musical Rosa de Ouro. Integrou os grupos A Voz do Morro e Os Cinco Crioulos. Consagrado com Agoniza, Mas Não Morre, em 1979 Nelson Sargento lançou o seu primeiro disco-solo, Sonho de Um Sambista, hoje reunido numa caixa de quatro CDs, com Encanto da Paisagem (1986), Só Cartola (1998) e Flores em Vida (2001), da Rob Digital. Era uma homenagem ao seu aniversário de 80 anos. Nelson, que serviu como sargento entre 1945 e 1949, pretende lançar um DVD e uma autobiografia, ambos à espera de patrocínio. Mas seu maior sonho, dada "a falência dos sentimentos" que abate o mundo atual, é tornar-se "cientista". "Trancado num laboratório, eu acharei o vírus da vergonha e o da sinceridade para inocular nos homens tão entregues ao desamor." Serviço Nelson Sargento. Teatro do Sesc V. Mariana (608 lug.). R. Pelotas, 141, 5080-3000. Hoje e amanhã, 21 h. R$ 30

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