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Como está a 35ª Bienal? Conheça através de paulistanos comuns, encantados com mais de mil obras

Evento começa nesta quarta-feira. ‘Estadão’ convidou quatro pessoas com perfis bem diferentes, de fora do mundo das artes plásticas, para ver em primeira mão as obras de mais de 120 artistas, com proposta de diversidade e ‘circulação desobediente’

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Por Daniel Silveira
Atualização:

Um administrador de empresas, iniciante na Bienal, assiste a um curta experimental de Maya Deren e medita sobre a violência a partir das artes marciais. Um menino de 13 anos percorre um caminho trilhado por Ayrson Heráclito e vai parar na cozinha da Ocupação 9 de Julho. Um professor que vai à Bienal desde 1981 se impressiona com a diversidade 42 anos depois. E uma produtora congolesa, paulistana de coração, reflete sobre sua religião a partir da obra de Castiel Vitorino Brasileiro. Estes foram os quatro primeiros visitantes “comuns” da nova edição da Bienal.

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A partir desta quarta-feira, 6, as portas do do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, se abrem para o público novamente para a 35.ª Bienal de São Paulo - coreografias do impossível. A mostra, marcada pelo retorno pós-covid, apresenta 121 participantes e cerca de 1.100 obras, e pode ser chamada de Bienal da descentralização.

Há uma proposta de “circulação desobediente” pelo prédio, sem uma divisão rígida por temas ou cronologia. As “coreografias do impossível” buscadas nesta edição são diferentes para cada visitante. O Estadão, então, convidou quatro moradores de São Paulo, de perfis diferentes, e de fora do mundo das artes plásticas, para testar essa circulação em primeira mão, na segunda-feira, 4, quando a Bienal estava sendo mostrada a jornalistas. Que obras captam seu olhar, e o que elas dizem a eles?

Essa visão está demarcada na curadoria horizontal. Os curadores são quatro: Diane Lima, Grada Kilomba, Helio Menezes e Manuel Borja-Villel. “Foi uma experiência nova, um risco que a Fundação Bienal decidiu tomar, baseada nas competências individuais dos participantes desse coletivo”, explica José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

“No fundo, apostamos que aquele grupo heterogêneo de pessoas, que nunca tinha trabalhado junto e que não teria liderança, seria capaz de entregar a proposta curatorial que eles apresentaram. Fico feliz que nossa aposta tenha dado certo e que o risco tenha valido a pena”, continua.

A 35.ª Bienal de Artes de Sao Paulo abre as portas nesta quarta, 6, no no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O resultado é, certamente, uma Bienal mais diversa, nem tanto por destacar criadores negros, indígenas ou dar espaço para coletivos menores. Mas porque ao horizontalizar a curadoria, a Bienal escolhe, de certa forma, inovar nos impactos que gera - afinal de contas, esta é a maior mostra de arte contemporânea do hemisfério Sul e das Américas.

Olhar do público

Os visitantes em primeira mão dos corredores do Pavilhão foram uma criança, um homem maduro, uma mulher estrangeira e um frequentador assíduo. Conheça cada um deles e veja o que eles pensam sobre o que viram na 35.ª Bienal de São Paulo.

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Ricardo Amaral, administrador de empresas, 52 anos. Foto: Kaique Guimarães/Especial para o Estadão

Ricardo Amaral, administrador de empresas, 52 anos, iniciante

O administrador Ricardo Amaral, 52, trabalha no ramo do turismo. Ele costuma ir a exposições artísticas, mas não é exatamente assíduo na Bienal, que considerou “realmente fantástica” na visita antecipada deste ano.

Ele elogia o trabalho da curadoria. “O que mais me chamou atenção foi a curadoria com obras do mundo inteiro e que tem uma multiplicidade de meios”, comenta. Além de pinturas, esculturas, fizeram brilhar seus olhos as instalações audiovisuais. “Atualmente, a gente tem sido muito limitado pelo algoritmo das mídias sociais, que te mostram só o que você gosta. Aqui não, ela te mostra que pode juntar música, coreografia, texto, pintura e tantas outras disciplinas artísticas que fazem com que essa seja uma experiência muito rica e multimídia”, complementa o administrador.

Ricardo comenta também sobre a obra que mais lhe chamou atenção: o curta-metragem Meditação sobre a Violência, de Maya Deren (1917-1961). ”Ela é uma coreógrafa e demonstra que não necessariamente você tem nas artes marciais uma preparação para a violência. Você pode estar preparando o seu ser interior, sua mente e que não precisa ter um antagonista identificado. Você pode, em uma circunstância, por exemplo, se proteger de uma queda ou se preparar fisicamente para ter o seu corpo firme”, explica. “Está muito bacana, acho que vale a pena e recomendo vir à Bienal”, conclui.

Teodoro Inácio, 13 anos, estudante. Foto: Kaique Guimarães/Especial para o Estadão

Teodoro Inácio, estudante, 13 anos, explorador

Além de aceitar o passeio pela Bienal, o estudante do sétimo ano Teodoro Inácio passou parte de seu aniversário de 13 anos visitando as obras. “Vim com a minha mãe (Sabrina Inácio) e adorei estar aqui porque é um lugar muito legal, onde tem várias culturas, artes modernas, antigas e que estão sendo criadas agora”, conta o garoto.

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“Acho que a que eu mais gostei foi um caminho musical onde tinha bambu, o ambiente é muito confortável e você podia sentir como era estar andando por esse caminho”, explica, falando da obra de Ayrson Heráclito e Tiganá Santana. “Muitas pessoas apareceram como imagem e você pensava como elas viviam e vivem, hoje em dia, em lugares assim (como a mata), onde não tem uma cidade grande. Você pode pensar também como é o cotidiano dessas pessoas indo pescar, trabalhar, cuidar da família”, continua.

“É muito legal vir aqui porque além de ter uma variedade grande de cultura e de obras diferentes, também vai abrir uma cozinha com comidas que não são não vão ser só do Brasil, você pode explorar culturas diferentes”, complementa o adolescente ao se referir à Cozinha Ocupação 9 de Julho, cozinheiros e artistas do evento.

Almir Almas, cineasta e professor universitário, 64 anos. Foto: Kaique Guimarães/Especial para o Estadão

Almir Almas, cineasta e professor, 64 anos, assíduo

Acho que é a minha primeira Bienal foi de 1981, e de lá para cá venho acompanhando como ela se transforma, como os temas vão mudando e também a relação de artistas que participam”, conta o cineasta e professor universitário Almir Almas, 64. “Da Bienal, algumas me interessam mais como a que começa a mostrar vídeo, ou a Bienal que tinha Videotexto do Júlio Plaza”, aponta o profissional de audiovisual. “Vários desses momentos me interessam muito em acompanhar e ver como isso vai evoluindo, e também como a arte evolui dentro dos processos artísticos mundiais”, diz.

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“O mais diferente desse ano é a presença maciça de obras de artistas negros brasileiros e internacionais, alguns que nunca tinha estado na Bienal de São Paulo - a curadoria conseguiu olhar para essas obras e isso é muito importante”, ele continua, destacando o espaço dado ao que muitos chamam de artistas marginalizados.

“Fui muito impactado pelas obras do Ayrson Heráclito, da Rosana Paulino também, que pela primeira vez está dentro da Bienal. As obras dela são lindas, com um impacto enorme dentro do que a gente representa e a Frente 3 de Fevereiro, que é um coletivo de arte de São Paulo que também está dentro da Bienal pela primeira vez”, finaliza.

Prudence Kalambay, congolesa morando no Brasil há 15 anos. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Prudence Kalambay, congolesa morando no Brasil, 42 anos, imigrante

Prudence Kalambay, 42, é natural da República Democrática do Congo, mora em São Paulo há 15 anos, e também aceitou fazer um passeio pela Bienal. A produtor cultural foi atraída pelos trabalhos de Castiel Vitorino Brasileiro.

“Me chamou atenção a forma com que a religião de matriz africana é explicada. Como uma mulher africana, queria tanto explicar para o povo brasileiro que acha, depois da chegada dos povos africanos, que todos nós que estamos aqui praticamos religiões como o Candomblé, sendo que a África é um continente tão poderoso e grande com seus 54 países”, afirma.

Prudence também aproveita para dizer que vai voltar à Bienal e, de alguma forma, incentiva outras pessoas a visitarem a mostra. “Vir aqui hoje me deu mais vontade de voltar com minhas crianças”, diz ela, que é mãe de 5 filhos. “A pandemia me fez cortar várias coisas, mas quando cheguei aqui, me senti muito bem. Tenho uma menina de 14 anos que é artista, desenha, escreve, ela vai se encontrar aqui”, complementa a paulistana de coração.

Relendo a colonização

Ao tentar descentralizar a curadoria, a Bienal também escolheu fazer a mesma coisa com as obras. O que se vê nos três andares do Pavilhão são artistas consagrados como Ayrson Heráclito, reunidos a outros com menos visibilidade, como a frente 3 de Fevereiro. No entanto algo que se pode perceber é que as obras desses artistas questionam os lugares em que foram colocados ao longo da história, além de exaltar as raízes africanas, latinas e indígenas.

Uma amostra disso é vista já no Andar Verde do Pavilhão, o mais inferior de todos. A instalação do cineasta e artista filipino Kidlat Tahimik, acostumado a discutir neocolonização em suas obras audiovisuais, é uma espécie de narrativa contra a colonização. A peça “propõe um friso improvável que dispõe, lado a lado, figuras mitológicas ancestrais: Igpupiara (termo tupi que significa monstro marinho) e Syokoy (espécie de homem-sereia), originárias respectivamente de povos indígenas brasileiros e povos filipinos”. A instalação feita em materiais como troncos de árvores, cerâmica, palha, mostra um encontro claramente violento entre os povos originários e os colonizadores.

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E, como o papel da arte é também nos fazer pensar sobre o que estamos vendo e vivendo no mundo ao nosso redor, a escolha por “coreografias do impossível” como tema da mostra, deixa claro que existe um movimento de diversas artistas e grupos, que estão dispostos a disputar espaços canônicos como o da Bienal.

“As coreografias do impossível nos ajudam a perceber que diariamente encontramos estratégias que desafiam o impossível, e são essas estratégias e ferramentas para tornar o impossível possível que encontraremos nas obras dos artistas”, afirma José Olympio.

“(Está claro) como determinadas práticas sociais e artísticas encontram estratégias para driblar os efeitos nos modos de se manifestar, expressar e construir arte”, comentou Diane Lima, uma das curadoras quando da apresentação de uma primeira lista de artistas que participariam da mostra deste ano.

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