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Frost/Nixon e a luta contra Hollywood

Diretor conta como penou para convencer estúdios a manter elenco do teatro

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Foto do author Ubiratan Brasil

O diretor Ron Howard não esconde um sorriso de satisfação com seu mais recente filme, Frost/Nixon, que estreia no Brasil no dia 6 de março. Afinal, do encontro entre um jornalista desprestigiado e um ex-presidente destronado, o cineasta conseguiu recriar muito mais que a própria História - surge dali uma reflexão sobre o êxito e o fracasso. "Foi um trabalho milimetricamente pensado", comentou ele a um grupo de jornalistas estrangeiros, do qual participou o Estado. Tamanho cuidado era justificado, pois Howard não podia errar. Frost/Nixon é a transposição para o cinema de uma peça de muito sucesso na Broadway que, por sua vez, foi inspirada em um fato real. Em 1977, David Frost, jornalista inglês com pouco prestígio na televisão americana, decidiu dar uma virada em sua carreira ao convidar para uma série de entrevistas o ex-presidente Richard Nixon, então no ostracismo depois de renunciar em 1974, forçado pelo escândalo de Watergate. Mais de 45 milhões de pessoas acompanharam avidamente pela TV, durante quatro noites, o embate verbal entre dois homens cientes de que apenas um sairia vencedor - Frost, em sua luta pelo reconhecimento, e Nixon, em busca do perdão que parecia impossível. "Quando assisti à montagem em Londres, há dois anos, liguei para meu agente ainda no intervalo e disse que queria filmar a versão para o cinema", relembra Howard, que enfrentava, no entanto, uma fila da pesada: nada menos que George Clooney, Martin Scorsese e Mike Nichols também estavam interessados no mesmo projeto. Para limitar ainda mais suas chances, Howard pretendia utilizar os mesmos atores que interpretavam a peça no teatro, Michael Sheen como Frost e o veterano Frank Langella no papel de Nixon. A opção agradou o autor da peça, Peter Morgan, incomodado pelo sufocante assédio de George Clooney, interessadíssimo em comandar a versão cinematográfica. Assim, sua preferência recaiu sobre Howard, que enfrentou, no entanto, outra controvérsia: se aceitavam Michael Sheen (ele deixou boa lembrança como Tony Blair em A Rainha), os produtores, porém, queriam outro veterano, Warren Beatty, para vestir a pele de Richard Nixon. "Meu instinto me garantia que Sheen e Langella eram os nomes certos para criar na plateia a tensão do encontro. Além disso, eles já viviam esses papeis fazia mais de um ano no teatro." Tamanha persistência saiu-se vitoriosa e Howard, com o elenco desejado, assumia o compromisso de surpreender os produtores em um primeiro momento, e a crítica e o público, no seguinte. Graças à intimidade dos atores com os personagens, o diretor testou diversos tons e ritmos, rodando cenas que acabaram no lixo até descobrir a composição certa. "Eu me dirigia a eles e os instigava: ?Bem, o que mais vocês têm para me oferecer? A câmera continua rodando?. Era a senha para novas propostas, o que facilitou (e muito) o trabalho de edição." Tal exigência não era novidade para Howard, que a empregou também em Uma Mente Brilhante, com Russell Crowe, filme que lhe rendeu um Oscar de direção. Para contar a história de um rapaz que, aos 21 anos, formulou um teorema que provou sua genialidade, o cineasta impôs um ritmo insano a Crowe para tornar crível a loucura do homem que foi diagnosticado como esquizofrênico. "E Crowe entrou de cabeça na experiência, aceitando todo tipo de provação que eu lhe apresentava." Michael Sheen e Frank Langella foram menos exigidos, mas eram obrigados a manter uma concentração quase inabalável na interpretação, para que o duelo entre Frost e Nixon não esmorecesse um segundo sequer. Afinal, enquanto as entrevistas eram vistas por milhares de espectadores, o que acontecia no estúdio improvisado em uma casa do ex-presidente era o drama real entre dois homens que lutavam contra a incompreensão. "Foi o embate entre a derrotada habilidade de ser evasivo de Nixon contra a vitoriosa técnica de Frost em arrancar declarações bombásticas de seus entrevistados." O clima é bem alimentado no elaborado roteiro de Peter Morgan que, do palco, manteve a tensão, sem, no entanto, transformar a história em teatro filmado. "Precisei fazer uma enorme pesquisa para criar cenas externas ao encontro entre Frost e Nixon", contou Morgan, que também conversou com a imprensa estrangeira. "E logo me senti tranquilo em criar cenas, digamos, adultas porque Howard sabia mantê-las íntegras mesmo adotando um estilo simples de filmar, facilmente compreensível pelo grande público." Howard lembrou que, certa vez, conheceu pessoalmente Richard Nixon - foi em 1982, quando ele era ainda conhecido apenas como ator da série Happy Days. "Ele participava, em Los Angeles, de algum evento promocional até que alguém de sua equipe me disse que ele queria me conhecer", contou o diretor. "Mas o encontro foi trivial, com Nixon dizendo admirar meu trabalho, embora eu acreditasse que ele jamais tivesse visto a série." O cineasta guarda com nitidez também o momento em que, chocado, como de resto todo o país, acompanhou pela televisão a resignada despedida de Nixon do poder, em 1974. "Assistimos tudo sob um pesado silêncio." Questionado sobre a possibilidade de existir um paralelo entre a turbulenta América daqueles anos 1970 e a atual, Howard acredita que sim. "Simplesmente pelo fato de o sistema ainda não saber como reagir rapidamente aos abusos do poder." O repórter viajou a convite da Paramount Pictures Brasil

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