Para rever o mestre do partido-alto

Candeia, que morreu há 30 anos, é homenageado com espetáculo de Teresa Cristina e o relançamento de sua biografia

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Candeia estava feliz. Havia acabado de receber a notícia que fora aprovado em 3º lugar no concurso para oficial da Justiça, após oito anos na lida como investigador da polícia civil. Ele, que não era de beber, se excedeu naquela noite, numa festa que os amigos armaram pra ele num clube em Madureira. Na volta para sua casa, foi fechado por um caminhão carregado de peixes - por ironia do destino, na esquina das Ruas Presidente Vargas e Marquês de Sapucaí, hoje terreno do samba. Alterado pelo álcool, completamente fora de si, Candeia disparou todas as balas de seu revólver nos pneus do caminhão. O motorista, também armado, descarregou as suas pelo corpo de Candeia. Aquela madrugada de 13 de dezembro de 1965 marcou o início de nova fase do compositor que, paralítico aos 30 anos, sorriu e chorou em letras que o consagraram como o mestre do partido-alto de sua época. Ouça músicas de Candeia "A carreira do Candeia pode ser dividida em duas partes: a primeira é lírica e a segunda, mais social. A paralisia fez com que tivesse mais tempo para refletir sobre a vida e si mesmo", diz João Baptista M. Vargens, amigo e biógrafo do compositor. Se antes do acidente, em 1953, aos 17 anos, Candeia desbancou Manacéa e emplacou o seu primeiro samba-enredo Seis Datas Magnas na Portela (ajudando a escola ao feito inédito de alcançar nota máxima em todos os quesitos do desfile), depois, ele externou suas mais íntimas reflexões sobre liberdade, saudade, orgulho de ser negro, vida e morte, como em Pintura Sem Arte, Anjo Moreno, O Mar Serenou e Preciso Me Encontrar. Candeia, que teve de se afastar da profissão e aí passou a se dedicar integralmente à produção artística, era tido como policial truculento e provocador (certa vez prendeu um dos bandidos mais procurados do Rio na época, Neném Russo, e chamou seus amigos até a cadeia para debocharem do "valente"). "Ele era assim porque gostava de ser bom em tudo. E policial bom era aquele que prendia", diz o biógrafo que o conheceu por intermédio de Casquinha, de quem era vizinho. Vargens está preparando a terceira edição da única biografia autorizada de Antônio Candeia Filho, esgotada em duas tiragens, publicadas em 1987 e 1997. Candeia: Luz da Inspiração está prevista para ser relançada no dia 2 de dezembro - institucionalizado como dia nacional do samba - pela Almádena, editora fundada há dois anos por Vargens. A melhor novidade da nova edição é um CD com 25 músicas inéditas do compositor, que acompanhará a obra: cinco delas ao som da voz potente de Candeia; as outras 20 interpretadas por velhos companheiros, como Walter Rosa, Casquinha, Wilson Moreira e Monarco. A cantora e compositora Teresa Cristina é das primeiras da fila a devorar esse material que Vargens vai divulgar daqui a menos de um mês. Seu despertar para a vida artística se deu ao ouvir com mais atenção, há pouco mais de dez anos, o álbum Samba de Roda, de 1975, que seu pai não tirava da vitrola quando ela era criança. "Candeia falava de um assunto que eu não entendia aos 8, 9 anos: o orgulho de ser negro. Eu não sentia esse orgulho, eu sofri muito preconceito", relembra. "Só bem mais tarde fui compreender que eu estava diante de um líder, um compositor importante para a Portela, um ótimo intérprete de sua própria obra." Amanhã, quando se completam 30 anos de morte de Candeia, Teresa celebrará sua vida com as pastoras da Portela - Tia Surica, Tia Doca, Áurea Maria (filha de Manacéa) e Neide Santana (filha de Chico Santana). "Candeia tem a chama da escola", disse Manacéa ao perder a concorrência do samba-enredo de 1953. Afirmação que pode hoje ganhar significado muito maior.

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