SP-Arte: Douglas Gordon faz suas exposições na cidade

Um dos maiores nomes da videoarte, o escocês faz exposições na Galeria Marília Razuk e no Instituto Moreira Salles

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Por Maria Hirszman
Atualização:

Com duas exposições abrindo na mesma semana, o artista escocês Douglas Gordon finalmente chega ao Brasil e está também na SP-Arte. No sábado, 7, foi aberta na galeria Marília Razuk a mostra I Will, if you Will com uma seleção de 25 trabalhos de sua autoria.

Douglas Gordon.Ligação com o cinema marcada por estudo de 'Psicose' Foto: Ruth Fremson/The New York Times

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E no próximo dia 14, será a vez do Instituto Moreira Salles inaugurar Îles Flottantes (Se Monet encontrasse Cézanne, em Montfavet), uma videoinstalação criada na residência do colecionador francês Yvon Lambert e que até agora só foi mostrada uma vez, em 2008.

Além de dar ao público finalmente a oportunidade de ver de perto a obra de um dos mais destacados artistas contemporâneos da cena europeia, a coincidência de calendário permite um conhecimento mais amplo dessa produção polivalente. Afeito a múltiplas experimentações – “uma coisa ótima de devanear no estúdio é que não existe uma definição. O processo de criação é indefinido”, diz –, Gordon transita com facilidade por diferentes meios e questões, está permanentemente reelaborando referências do campo da linguagem e da arte para reativar sensações e a percepção do público.

Tem paixão pelo cinema. Sua obra mais famosa é 24HoursPsycho, de 1993. Com apenas 30 anos ele reinventou a obra icônica de Alfred Hitchcock, desacelerando-a para apenas dois frames por segundo. O resultado é ao mesmo tempo subversivo e reverente. O vídeo talvez seja sua linguagem por excelência, tornando-se em 1996 o primeiro videoartista a receber o Turner Prize. Mas também se aventura por diferentes formas de expressão como a escultura, o desenho e a interferência sobre imagens icônicas.

Com curadoria de Martina Aschbacher, a exposição na Galeria Marília Razuk procura mostrar ao público as diferentes facetas do artista, mas tem um eixo condutor de extrema relevância na sua produção: as mãos. “Ao longo de sua carreira, o artista tem criado trabalhos baseados em performances que retratam seu próprio corpo em ação. A mão pode ser vista como um símbolo do comportamento humano, evocando identidade, sexualidade, fetichismo, dominação ou insinuar a inabilidade de comunicar”, diz ela. Esses significados relacionados pela curadora em seu texto de apresentação parecem mesclar-se com diferentes intensidades nos trabalhos apresentados. 

A frase “A mão direita não quer contar o que a mão esquerda fez”, gravada de duas formas distintas nas paredes, ecoa por toda a sala. E parece ecoar na tensa ambiguidade do vídeo A Mão Esquerda Não Consegue Ver Que a Mão Direita e Cega. Nesta obra, provocativamente instalada no nível do chão, vemos duas mãos enluvadas e coladas uma à outra, tentando libertar-se, ora com sensualidade e engenhosidade, ora com desespero.

Se há um elo comum entre os muitos caminhos seguidos por Gordon, este parece ser um fascínio pela ambiguidade. Não à toa ele tem, como revela Martine, sua assistente há cerca de uma década, fascínio pela obra O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. A exemplo do escritor ele está interessado em caminhar no fio da navalha, revelando opostos complementares.

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No caso da instalação do IMS, que tem procurado dar espaço para os grandes mestres atuais do vídeo (como Christian Marclay e Anri Sala), fica clara a interpenetração de recursos e significados explorados pelo artista. Para alcançar seu objetivo, Gordon inverteu o sistema de canalização da residência para inundar os jardins e criar um grande espelho d’água, sobre o qual espalhou diversos crânios.

Referências.Cena da videoinstalação 'Îles Flottantes', de Douglas Gordon, que faz alusão às obras de Monet e Cézanne Foto: Douglas Gordon/IMS

A essa estranha e singular paisagem deu um título poético, compartilhado com uma deliciosa sobremesa francesa, na qual suspiros de neve flutuam sobre uma calda doce. Impossível não estranhar o choque entre a cena bizarra dos crânios flutuando e a delicada iguaria. Outras referências explicitas se somam, tornando o trabalho ainda mais exótico e pleno de significados. 

No subtítulo, Gordon explicita uma tentativa de contraposição entre duas tradições da arte francesa: o impressionismo delicado e variante de Monet (representado pela inconstante e sedutora superfície d’água) e o rigor, ao mesmo tempo sensível e intelectual de Cézanne, que elegeu o crânio humano como um dos modelos frequentes de seus exercícios de pintura. Segundo o curador Lorenzo Mammì, Gordon estabeleceria nesse trabalho “uma tensão entre duas maneiras opostas e complementares de ver”.

Além da exposição de Gordon, o IMS inaugura outra de grande interesse. No sábado, 14, será aberta a mostra São Paulo Fora do Alcance, ensaio fotográfico assinado por Mauro Restiffe

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