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A pandemia mudará Hollywood para sempre: as previsões do futuro segundo cinco roteiristas e atores

Profissionais de Hollywood falam que gêneros, enredos e maneiras de contar histórias poderão surgir da era da covid-19

Por Alyssa Rosenberg
Atualização:

A pandemia de covid-19 determinou a que a cultura pop será posta de lado indefinidamente. Tenet, o thriller de Christopher Nolan que deveria nos levar de volta aos cinemas esta semana, foi adiado mais uma vez.

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Estúdios estão avaliando como poderão voltar a filmar em segurança, em se tratando de um processo que envolve a reunião de grandes grupos de pessoas em espaços confinados por períodos prolongados. O resultado talvez venha a ser não apenas um período sem blockbusters e sem pipoca, mas uma temporada de televisão sem novas séries e uma temporada de Oscar sem ninguém competindo pelas cobiçadas estatuetas douradas.

Mas algum dia, a pandemia se acalmará, ou então cientistas e governos encontrarão melhores maneiras para ajudar-nos a viver sem ela. E quando este momento chegar, precisaremos de histórias que nos ajudem a compreender - e administrar - tudo por que passamos. 

Indústria do cinema vê necessidade de adaptação para minimizar efeitos do coronavírus na retomada dos trabalhos. Foto: Patrick T. Fallon/ Reuters

Pedi a cinco roteiristas e atores que falassem que gêneros, enredos e maneiras de contar histórias poderão surgir da era da covid-19. Suas respostas não substituem absolutamente uma poltrona em um cinema com ar condicionado em um final de semana de verão. Mas são uma promessa de filmes e histórias que nos transportarão para o futuro.

- Os filmes de suspense paranoicos e de horror voltarão

Stephany Folsom - roteirista de 'Toy Story 4'

Quando sairmos do outro lado da pandemia, precisaremos compreender tudo aquilo por que passamos e o que significa. Desconfio que iremos assistir a muitos filmes de suspense paranoicos, como o que vimos nos anos 1970 quando os Estados Unidos deixaram o Vietnã e depois a desconfiança nos governos pós-Watergate. Veremos muito disso nas nossas histórias e ao colocar para fora como estamos reagindo à situação com os nossos governos federais e locais.

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Acho que veremos também muito body horror (sub-gênero que mostra violações ao corpo humano) porque é o lugar seguro para explorar todo este medo que cultivamos a respeito da nossa saúde e da nossa segurança. Não acredito que as pessoas queiram ver drama parecido semelhante, porque experimentamos tudo isto na carne....

Haverá muitos filmes sobre casas assombradas, aquele tipo de filmes de monstro em casa. Não duvido nada. Mas acho que também veremos muitos filmes que exploram situações como: O que vou fazer se tiver uma coisa crescendo dentro de mim? Ou o que eu vou fazer se uma parte do meu corpo for transformada em robô? Acho que iremos pôr para fora coisas muito estranhas deste gênero. Porque iremos mostrar o que fazer com um vírus que me ataca e não consigo vê-lo. 

Só estamos explorando: o que significa viver situações que estão além do nosso controle? E como processamos tudo isto? Veremos muitas histórias como o filme Intriga Internacional, sujeitos absolutamente comuns jogados em uma situação que está além do seu controle. Vamos querer ver personagens enfrentando isto e agarrar o que estiver ao seu alcance para superar a situação.

- Será preciso tranquilizar as crianças e convencê-las de que não estão sozinhos com sua ansiedade

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Zack Stentz - roteirista de 'Até o Limite', 'X-Men: Primeira Classe' e 'Thor'

Neste exato momento, estou fazendo a revisão do meu filme, e, embora não contenha ameaças virais, o meu roteiro fala fundamentalmente de adolescentes que se reúnem depois de uma longa separação forçada, tentando entender se continuam amigos depois do tempo em que estiveram separados. 

Estou estudando a cultura, mas o mais importante é que estou observando como meus próprios filhos estão enfrentando a covid-19, e procurando transformar suas lutas em drama. Partindo das dificuldades do meu filho mais novo com as aulas remotas e longe dos amigos, um dos protagonistas do filme enfrenta medos assustadores e ansiedade ao deixar sua zona de conforto. Outro personagem jovem, ao mesmo tempo, lida com o desafio de tentar reatar com amigos dos quais esteve separado fisicamente e imaginando se ainda terão algo em comum, temor que vi surgir nos meus próprios filhos.

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Minha esperança é que os espectadores, principalmente os mais jovens, ao perceberem seus próprio embates emocionais refletidos nos personagens se deem conta de que não estão sozinhos, e que os seus sentimentos e dificuldades são reais e importantes, mas também coisas que podem ser superadas ou com as quais poderão conviver, sejam eles causados por um vírus invisível ou por aliens ameaçadores.

'Em um momento em que o mundo está mudando de maneira dramática de um instante para outro, a velha maneira de fazer as coisas parece inativa e indigesta', pondera Aisha Tyler. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

- Outsiders passarão a ser insiders

Aisha Tyler - estrela de 'Archer', 'Criminal Minds'e '24 horas'

Fazer cinema e televisão é algo fundamentalmente íntimo:centenas de pessoas trabalham em lugares fechados por longas horas para produzir os espetáculos e filmes que não cansamos de ver e amamos. A pandemia de covid-19 acabou com este paradigma: imaginem fazer uma comédia romântica em que não se possa beijar, ou um filme de horror em que o assassino fica a um metro e meio de distância da vítima. Em uma cidade que acredita saber tudo a respeito de tudo, você sempre acaba pisando em território inexplorado.

Agora, mais do que nunca, precisamos de diversidade ao contar uma história e de honestidade inabalável nos nossos roteiristas. Esta pausa global está proporcionando uma oportunidade para os artistas criarem projetos que sejam total e singularmente seus, fora do sistema tradicional, e levá-los diretamente aos espectadores sem o longo processo de desenvolvimento que costumam sofrer. E desse modo, sem a típica triagem econômica que filtra as vozes novas, minha esperança fervorosa é que um exército de vozes muito pouco representadas, com novas visões e perspectivas, abra caminho.

Enquanto procuramos continuar contando histórias que falam à emoção com as restrições do romance, assumimos novos riscos, estamos usando ferramentas incomuns para contar histórias que não chamariam a atenção da cultura focada nos sucessos de bilheteria da Hollywood anterior à covid.

Para mim, pessoalmente, isto significou projetos em iPhones com equipes técnicas reduzidas a um pequeno grupo de pessoas, trabalhando rapidamente e deixando que momentos inesperados dominem o trabalho. Durante o fechamento, filmei muitos projetos digitais em uma fração do tempo que eles costumam tomar (empregando as melhores medidas de prevenção) - alguns em uma única tarde. E estou desenvolvendo vários projetos mais longos que mergulham profundamente nas questões de raça, gênero e identidade em um contexto mais enxuto. Nada de explosões, nada de barulhentas sequências de ação ou monstros gerados por computador - apenas ideias emocionalmente ricas, apresentadas por personagens fortes em ambientes simples, contidos.

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Tem sido uma experiência estimulante e libertadora. Em um momento em que o mundo está mudando de maneira dramática de um instante para outro, a velha maneira de fazer as coisas parece inativa e indigesta.

Sempre amaremos os nossos filmes de super-heróis. Por outro lado, não há como fazer um filme do Homem de Ferro com um iPhone. Mas durante este longa pausa, artistas empreendedores, focados, estão realizando exatamente os projetos que querem fazer, exatamente da maneira como querem, e esta é a evolução mais perturbadora.

'Podemos encontrar empatia no que parece ser socialmente distante. Por isso podemos criar empatia com personagens em histórias ambientadas durante este tempo', analisa Adam Pally. Foto: Aaron Richter/The New York Times

- Os públicos terão uma nova experiência em comum 

Adam Pally - astro de 'Indebted', 'O Mandaloriano', 'Finais Felizes' 

Meu instinto é reconhecer a pandemia nos meus roteiros e na minha comédia, sem contudo focá-la demais. Acho que, quando o mundo passa por algo semelhante a tudo isto ao mesmo tempo, torna, de início, a dramaturgia um pouco mais universal. Podemos encontrar empatia no que parece ser socialmente distante. Por isso podemos criar empatiacom personagens em histórias ambientadas durante este tempo. Isto cria condições de igualdade de uma maneira em que haverá mais pessoas compartilhando de perspectivas semelhantes, o que significa que uma boa piada realmente tocará mais pessoas.

Dito isto, o que é engraçado para alguns é ofensivo para outros e triste para outros mais. É isto que torna a comédia tão divertida: a ideia de que alguém possa ultrapassar o limite, dizer algo, que você estava pensando, ou cristalizar um pensamento que você não teve. A capacidade de evoluir é o motivo pelo qual a comédia se adaptará a este tempo mais rapidamente do que outras formas. É o caso de Saturday Night Live: o que eles estão fazendo com as limitações que todos nós temos é inspirador.

O seu trabalho me deu a esperança de poder fazer as pessoas rir não importa o que esteja acontecendo no mundo - todos nós faremos isto. Não importa como a situação ficará sinistra ou estranha, as piadas estarão sempre ali.

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'Os atores estabelecidos estão voltado às suas raízes e aprendendo novas habilidades - eu inclusive', revela Paul Scheer. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

- A cultura pop se tornará esquisita - e isto é ótimo

Paul Scheer - astro de 'A Liga Extraordinária', 'Black Monday', 'The Good Place' e 'Big Mouth'

Todos os nossos programas favoritos passarão no Zoom! Tom Cruise usará uma máscara facial no próximo Missão Impossível! A única vez em que veremos um show é observando um grupo de Tiktokers um lado ao lado do outro!

Tem havido muita negatividade em todas as minhas conversas com pessoas sobre “as mudanças” que irão acontecer em Hollywood. Mas como alguém que rotineiramente foi forçado a trabalhar com limitações enormes em matéria de tempo e orçamento em projeto atrás do outro, posso afirmar que a restrição é a mãe da criatividade. Por isso, acho que o entretenimento pós-covid se sentirá livre e não estruturado e experimental. Algumas coisas serão terríveis - e alguns filmes e programas de TV serão mais excitantes do que tudo o que vimos nos últimos dez anos, porque todo mundo estará trabalhando fora de sua zona de conforto.

Olhem para todas aquelas pessoas que disseram: “Nada de esperar! Vamos fazer alguma coisa: Quem liga que nós só temos uma luz e um microfone iPhone? Nós vamos chegar lá”. E funciona. De Howard Stern a Will Smith, as pessoas estão sendo obrigadas a criar e carregar um peso maior do que carregaram há anos porque sabem como é importante 'estar lá’ para os seus fãs.

Estas soluções serão perfeitas? Não. Serão melhores do que o que costumávamos esperar do ponto de vista de uma produção? Absolutamente não. Mas, de certo modo, ver as costuras em um show ou em um filme poderá fazer com que as pessoas gostem mais. Os atores estabelecidos estão voltado às suas raízes e aprendendo novas habilidades - eu inclusive.

Desde o início da pandemia, apresentei eventos no Instagram Live e YouTube, improvisei ao vivo online e comecei um clube do livro pelo Skype. Até tenho um contato que as pessoas podem usar para me pedir uma recomendação para um filme à noite. E editei um novo programa que produzi antes do coronavírus completamente online enquanto ainda fazia dois podcasts por semana. Não poderia ter feito nada disso se não fosse pelas pessoas falarem: “SIM! Como podemos ajudar?”

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No passado, grandes nomes e grandes orçamentos dominavam nosso panorama do entretenimento. Mas talvez agora os novos espetáculos e filmes que recebem a luz verde favorecerão os que podem funcionar com uma equipe de 5 a 10 pessoas. Pessoas que são multitarefa. Os atores que podem fazer a própria maquiagem ou não precisar usá-la. Estou realmente animado por trabalhar com pessoas que veem este tipo de coisa um desafio que querem aceitar, enfrentar, em lugar do fim do mundo da sua profissão.

Tradução de Anna Capovilla

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