Ao longo de sua história, o cinema criou várias representações do feminino, valendo-se de diferentes atrizes, ou estrelas, para estabelecer diferentes modelos de mulher – Greta Garbo, a esfinge; Marlene Dietrich, a vamp; Katharine Hepburn, a independente; Barbara Stanwyck, a autoritária; Marilyn, por sua sensualidade exacerbada, mas também fragilidade, a mulher-mulher; Jane Fonda, a engajada. Na França, nos anos 1950, Brigitte Bardot encarnou um outro tipo – a mulher-criança.
Desde suas primeiras aparições, ainda em pequenos papéis, dava para ver que ela possuía o algo mais, mas foi com seu então marido, Roger Vadim, em 1956, ao interpretar ...E Deus Criou a Mulher, que nasceu o mito. Vadim filmou a jovem Brigitte dançando. Puro instinto, puro movimento. O efeito sobre os homens é imediato, mas ela – a personagem – nem se dá conta. Possui uma inocência natural. Não assume compromissos, nem tem consciência do tsunami que provoca. Foi assim que Brigitte irrompeu no cinema mundial e, rapidamente, converteu-se em estrela. Foi, num período, o produto de exportação mais rentável da França.
Continuou filmando com Vadim mesmo após se haver separado dele. Vingança de Mulher, O Repouso do Guerreiro, Se Don Juan Fosse Mulher. Em 1960, fez com Henri-Georges Clouzot, um mestre da perversidade que os críticos, de forma um tanto discutível, chamavam de 'Hitchcock francês', seu filme preferido – o drama de tribunal A Verdade. Na sequência, filmou com Louis Malle, precursor da nouvelle vague, e com Jean-Luc Godard, o grande arauto do movimento. E filmou muito – muito! - com os diretores da ancienne vague. Será O Desprezo, livremente adaptado de Alberto Moravia, o maior Godard? Muito provavelmente. O mais clássico, com certeza, até pela presença de Fritz Lang que, no filme dentro do filme, tenta fazer uma versão da Odisseia, de Homero, com estátuas.
Brigitte como Penélope? Impossível, mas se é verdade que não se pode imaginá-la esperando seu homem por uma década inteira, a contrapartida, Godard também mostrava, é que Michel Piccoli, como representação do homem moderno, estava longe de ser um Ulisses. No primeiro Malle, Vida Privada, o foco era outro. Brigitte, de certa forma, fazia o próprio papel. Uma estrela sem direito a privacidade, perseguida por fotógrafos e jornalistas, hostilizada, por seu comportamento libertário (inconsequente?), por setores do público. Brigitte tinha 27 anos quando fez Vida Privada – nasceu em Paris, em 28 de setembro de 1934. Contracenava com Marcello Mastroianni, que tinha dez anos mais – 37. Ele também nasceu em 28 de setembro, mas de 1924, em Fontana Liri. Neste sábado, a eterna BB comemora 85 anos. Se vivo fosse, Mastroianni estareia com 95, uma idade bem razoável. Com Malle ela ainda fez Viva Maria!, contracenando com Jeanne Moreau, e o episódio de Histórias Extraordinárias, adaptado de Edgar Allan Poe (William Wilson). Uma Brigitte diferente, morena. A vida toda foi 'a' loira. No começo dos anos 1970, cansada de guerra, assume que o cinema não é, nunca foi, a coisa mais importante em sua vida e se retira para sua casa em Saint Tropez, La Madrague. Decepcionada com as pessoas – os homens, mas é a primeira a reconhecer que nunca foi uma boa mãe para o filho que teve com Jacques Charrier, Nicolas –, torna-se defensora dos animais. A "velha" Brigitte não é menos escandalosa, nem provocadora, que a jovem. Adere à direita, insulta imigrantes. Mas envelhece sem mágoa pela beleza perdida. Sem botox, sem plástica, sem maquiagem. Lembrança de sua passagem pelo Brasil, quando teve um affair com o marroquino-brasileiro Bob Zagury nos anos 1960, Brigitte, imortalizada como estátua de bronze, olha eternamente para o mar, em Búzios.
Leia mais sobre a atriz no Acervo Estadão.