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IMS resgata Seijun Suzuki, um mestre transgressor do Japão

Começa a retrospectiva dedicada ao ídolo de Jim Jarmusch e Quentin Tarantino

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Faz dois anos que Seijun Suzuki morreu. Era considerado mestre por cineastas como Jim Jarmusch e Quentin Tarantino. Nasceu em 1923, morreu em 2017. Viveu mais de 90 anos – 94 – e ao longo de 50 e tantos de carreira construiu a fama de transgressor. Apesar de sua indiscutível importância, no Dicionário de Cinema, Jean Tulard chega a dizer que não vale a pena transcrever a lista completa dos filmes de Suzuki porque a maioria, ele afirma, não chegaria jamais ao Ocidente. Graças ao IMS, o cinéfilo pode agora conhecer um pouco mais esse autor tão celebrado. Começa nesta terça, 21, uma retrospectiva que deve mostrar, não a obra completa, mas 17 filmes, a maioria (15) em cópias de 35 mm e os dois restantes em DCP restaurado.

'Tóquio Violenta'. Trama noir de 1966 sobre a yakuza abre a programação especial dedicada ao grande autor japonês Foto: NIKKATSU

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Um dos marcos da programação é Tudo Vai Mal, de 1960. Produzido na Nikkatsu, e o estúdio se notabilizava, na época, por seus filmes de gênero de baixo orçamento – e também por abrigar novos talentos –, conta a história de uma gangue de adolescentes que rouba carros. No catálogo da retrospectiva, o crítico Ruy Gardnier compara a audácia de Suzuki, filmando jovens despojados que vivem de vadiagem nas ruas, à de Jean-Luc Godard que, no mesmo ano, fez Acossado, com Jean-Paul Belmondo como Michel Poiccard, que rouba um carro, mata um policial e inicia com a garota – a Patriciá de Jean Seberg – um caminho sem volta. De À Bout de Souffle, título original, os críticos diziam que era um musical sem canto nem dança, um western urbano, um filme de gângsteres subversivo dos códigos do gênero. Godard borrava os gêneros, e foi o que Suzuki sempre fez.

Os filmes do autor japonês são produções B de inspiração noir que misturam sexo e violência. Estabeleceram sua reputação, mas Suzuki, transgressor por natureza – é ainda Jean Tulard quem observa –, passou dos limites, carregando no humor por meio de gags no limite do surrealismo. O público e os críticos ficavam desconcertados com suas provocações, mas são elas que fazem a cabeça de tietes como Jarmusch e Tarantino. Outro destaque da programação é A Marca do Assassino, de 1967, que conta a história de um matador profissional que quer subir na hierarquia do crime, mesmo que para isso tenha de matar todos os seus superiores. Tratado como incompreensível na Nikkatsu, levou ao rompimento do contrato do estúdio com o diretor, mas virou cult e hoje é apontado como obra-prima de modernidade. Ao depurar o gênero, Suzuki criou uma obra abstrata e intemporal, oferecendo a seu ator fetiche, Joe Shishido, um papel fora de série.

O mais interessante é que A Marca do Assassino foi tratado como ‘grindhouse’ pela empresa produtora, que o vendeu como paródia de gênero e lançou em programa duplo com Burning Nature/Natureza em Chamas, de Shogoro Nishimura. Vale lembrar que Tarantino sempre gostou tanto da ideia dos ‘grindhouse’ movies que realizou sua versão, em parceria com Roberto Rodriguez, em 2007. Com o rompimento de seu contrato pela Nikkatsu, Suzuki ficou sem amparo no cinema japonês dos anos 1960. Foi uma época em que mesmo os grandes mestres – Akira Kurosawa, Masaki Kobayashi – enfrentavam problemas com produtores e estúdios, e também em que surgia uma nova geração influenciada pela nouvelle vague francesa. Por mais de dez anos Suzuki ficou inativo.

Voltou com um filme grave, Hishu Monogatari/História de Melancolia e Tristeza, que foi um grande fracasso. Longe de paralisá-lo, isso o levou a iniciar nova fase como autor independente, com autonomia para desenvolver os próprios projetos. Com Zigeunerweisen, de 1980, iniciou uma trilogia – de Taisho – que se passa no Japão dos anos 1910 e 20, e é marcada pelo onirismo. Foi o maior sucesso de crítica do cineasta, tendo recebido os prêmios de melhor filme e direção da Academia Japonesa de Cinema no ano seguinte.

A seleção traz os últimos filmes que ele realizou – Pistol Opera, de 2001, é uma retomada de A Marca do Assassino, ainda mais abstrata. Quatro anos mais tarde, e já octogenário – com 82 anos –, despediu-se com o mais fantástico de seus filmes. Princesa Guaxinim é sobre príncipe que se apaixona por guaxinim, à espera de uma revelação – será uma princesa? Muitos críticos veem nessa obra aparentemente anômala uma reflexão de Suzuki sobre o próprio trabalho. Durante toda a vida, ao questionar a linguagem, e os gêneros, ele não estaria fazendo justamente isso – testando os limites do cinema como instrumento para refletir/espelhar a realidade? 

Pelos próprios títulos dos filmes, Portal da Carne, Mire na Viatura, Fera Adormecida, Detetive Bureau 2-3 (com Shishido), Nosso Sangue Não Perdoa, A Juventude da Besta, Abaixo os Vândalos, Histórias de Melancolia e Tristeza, Tóquio Violenta, etc., o cinema de Suzuki é um cinema de clima, povoado por homens violentos e mulheres fatais. Em vários de seus filmes, o autor, sempre na contracorrente da tradição japonesa – com suas gueixas e esposas abnegadas – gostava de mostrar as mulheres armadas, e perigosas. Sem dúvida que isso remonta à origem do filme noir hollywoodiano, mas por estar enraizado em outra cultura, com outros valores, Suzuki e suas mulheres estavam subvertendo a ordem do mundo. Isso e o seu humor peculiar fizeram dele um autor tão fora dos padrões que os filmes, por menos que tenham circulado fora do Japão, deram origem a um culto.

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ENTREVISTA COM PROGRAMADORA DO IMSBarbara Rangel

‘O público pediu e estamos atendendo’

Como surgiu a retrospectiva? Foi um desejo nosso que veio ao encontro do desejo do público. Quando fizemos a retrospectiva de Kenji Mizoguchi, a Fundação Japão, que já era parceira, distribuiu um formulário sobre o que o público gostaria de ver e houve uma alta incidência de pedidos por Suzuki.Como chegaram a esses 17 títulos? Suzuki filmou muito, e descobrimos que muita coisa está perdida. Queríamos obras expressivas do seu estilo e, principalmente os filmes da fase final não constavam do catálogo da Fundação Japão, mas procuramos e localizamos os que aí estão. Tudo isso somou tempo. Foram dois anos para a retrospectiva de Mizoguchi e um ano e tanto, eu diria um ano e meio, para o Suzuki.Por que Suzuki é essa referência para tanta gente? Por tudo, pelo humor peculiar, pelo foco subversivo na abordagem dos gêneros, mas também pela modernidade. Suzuki tende ao abstrato. As histórias são reduzidas ao essencial, nunca são o mais importante. É intrigante.

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