Mark Cousins investiga as reverberações fascistas no cinema e nos dias de hoje

‘Marcha sobre Roma’, que está na 46ª Mostra de Cinema de São Paulo, analisa filmes durante a ascensão de Benito Mussolini

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Mark Cousins estava ocupadíssimo – tanto que, só nesta 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ele tem três filmes, Marcha sobre Roma, Meu Nome É Alfred Hitchcock e As Tempestades de Jeremy Thomas. Mas não resistiu ao convite do produtor italiano Andrea Romeo de fazer um documentário sobre política de extrema direita e cinema. “Eu topei na hora”, disse Cousins em entrevista ao Estadão, durante o último Festival de Veneza, onde Marcha sobre Roma participou da seção paralela Venice Days. O diretor já tinha feito Another Journey by Train (1993), sobre a negação do Holocausto e neonazistas. “Então eu já estava interessado no assunto. E eu via o que estava acontecendo no Brasil, na Hungria, na Polônia, na Rússia, na Índia e em muitos outros lugares. Parecia oportuno também.”

Marcha sobre Roma, que tem exibições nesta quarta, 26, quinta, 27, e sábado, 29, parte da pesquisa feita por Antonio Saccucci e foca no documentário A Noi, de Umberto Paradisi, um filme de propaganda sobre a caminhada dos camisas-negras fascistas à capital da Itália, em 28 de outubro de 1922, atendendo a pedido de Benito Mussolini. “Ou o governo nos é dado, ou vamos tomá-lo marchando sobre Roma”, disse ele. Três dias depois da marcha, ele se tornaria o primeiro-ministro.

Mark Cousins durante o 74º Festival de Cannes, em 2021. Foto: Gonzalo Fuentes/Reuters

O filme de Cousins passou em Veneza menos de um mês antes das eleições vencidas pelo partido Irmãos da Itália, liderado por Giorgia Meloni, uma política de extrema-direita que elogiou Mussolini e um de seus ministros, conhecido por suas visões racistas. Meloni acaba de fazer seu primeiro discurso como primeira-ministra do país, quase exatamente 100 anos após a Marcha sobre Roma e a ascensão de Mussolini.

Onda de extrema-direita

Para Cousins, a onda de extrema-direita que varre o mundo pode ser explicada pela mudança. “Onde moro, na Irlanda e na Escócia, temos mais direitos para as pessoas LGBT, tivemos o movimento #MeToo. Tem sido ótimo. Mas algumas pessoas se sentem ameaçadas por isso”, disse o diretor. “Para essas pessoas, aquela época era mais simples. E era, pelo menos para alguns. Era horrível se você era gay, ou uma mulher solteira, ou indígena. Mas muitos têm uma nostalgia de um tempo antes da mudança. E os fascistas e pessoas da extrema-direita dizem que podem lhes devolver isso: ‘Vocês querem esse passado, nós podemos trazer isso de volta. Quando homens eram homens e mulheres eram mulheres.’ Só que, na verdade, nessa época, muitos estavam sofrendo.”

Benito Mussolini em cena de 'Marcha Sobre Roma' Foto: Palomar

Com o filme, Cousins não pretende fazer propaganda, mas trazer algumas informações sobre as semelhanças de discursos do passado com certos discursos do presente. “Coisas como: ‘Você é uma vítima, e esse grupo aqui fez de você uma vítima. Eles são o inimigo’. Ou: ‘Você está dentro da Cidadela, eles estão fora e tentando entrar’. Ou: ‘Manhã nos Estados Unidos, o slogan de Ronald Reagan’. São frases mitológicas, que se espalham rapidamente. Só que muitas pessoas se machucam ou morrem como resultado dessa linguagem.”

Mesmo assim, o cineasta se diz otimista, acreditando na frase de Martin Luther King de que o “arco moral do universo é longo, mas se inclina para a justiça”.

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