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‘Uma Família Feliz’, thriller com Grazi e Gianecchini, expõe a hipocrisia e a ‘vida de aparência’

Filme de Raphael Montes com direção de José Eduardo Belmonte conta história de casal às voltas com misteriosos hematomas que aparecem em seus filhos; leia entrevistas

Foto do author Matheus Mans
Por Matheus Mans

O escritor Raphael Montes e o diretor José Eduardo Belmonte estavam participando de uma sala de roteiro, em 2015, quando se esbarraram no almoço. Conversa vai, conversa vem, Montes mostrou para o cineasta uma das várias ideias que mantinha em uma lista – ela ainda existe e tem mais de 15 tópicos. Não deu outra: Belmonte gostou do projeto e, nove anos depois, chega aos cinemas como Uma Família Feliz.

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O filme que estreia nesta quinta-feira, 4, traz a essência do autor de Dias Perfeitos, Suicidas e Jantar Secreto. Ele começa com uma família perfeita, daquelas de comercial de margarina, celebrando a chegada do terceiro filho.

No entanto, as coisas logo começam a ficar estranhas quando as crianças aparecem machucadas. As suspeitas recaem em Eva (Grazi Massafera), que está em puerpério, mas sobra para todos. Será que o pai (Reynaldo Gianecchini) não tem culpa?

“O filme tem essa questão de rever conceitos de famílias padrões a partir de ideias autoritárias que foram colocadas nos últimos anos”, avalia Belmonte ao ser questionado sobre o que tanto o atraiu na história. “A hipocrisia sempre foi algo cultural no Brasil e ficou pior com a rede social. O mundo das aparências ficou ainda maior. A história é essa, um grande tema brasileiro. Com o tempo, o filme ficou até mais contemporâneo. Há um mal-estar com isso.”

Reynaldo Gianecchini e Grazi Massafera estrelam 'Uma Família Feliz' / Divulgação Foto: Globo Filmes

No set, emoções à flor da pele

Segundo Belmonte, o elenco surgiu de forma bastante natural. Ele e Montes já pensavam em Grazi para o papel, colocando a atriz no projeto desde o início – vale lembrar que ela já havia trabalhado com Belmonte em Billi Pig (2011). Mas eram outros tempos, e outro estilo de filme.

Já Gianecchini surgiu pelo trabalho que havia feito em outro conteúdo audiovisual de Montes, Bom dia, Verônica (2020), e também pelo tipo físico. “A aparência dos personagens era algo que realmente contava na escolha”, diz o diretor. “Precisava ser padrão normativo”.

O ator conta que, apesar da experiência que teve com o material de Montes com a série da Netflix, foi desafiador encarar um personagem que nunca deixa clara suas ideias e intenções – desconfiamos dele do início ao fim. “Foi um processo criativo diferente. Precisávamos mostrar aquilo que escondemos, não o que mostramos. Em novelas, é o contrário disso - sempre algo expositivo. Belmonte queria que escondêssemos muita coisa e, ao mesmo tempo, mostrássemos aquilo que escondemos.” Gianecchini completa: “E era um mundo em ebulição, mas precisava parecer que estava tudo bem”.

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Assim, Belmonte e Raphael Montes, que trabalhou como assistente de direção, buscaram retratar a estranheza do cotidiano. Em Uma Família Feliz, não há nada de extraordinário acontecendo de verdade – é uma família, num processo complicado após o nascimento do terceiro filho, que precisa entender como as crianças estão ficando com fortes hematomas.

A estranheza e a desconfiança precisam recair em cada gesto, atitude e vazio do dia a dia. “Teve um dia no set que o Belmonte pediu para eu gravar as cenas que são vistas a partir das câmeras de segurança da casa”, conta Montes. “O Gianecchini sai pro hall e pedi para ele ficar ali parado, olhando pro nada, por 10 segundos. É uma cena normal, que pode acontecer comigo ou com você, mas que aqui causa estranheza e dá novas sensações.”

“Para mim, a dificuldade foi de me colocar em suspeita, porque venho de personagens com características bem delineadas”, diz Grazi. “Ainda tem toda a questão do puerpério da mulher, que a deixa em um estado-limite de desequilíbrio hormonal. É uma criança chegando, e será que Eva a queria? Será que ela estava projetando uma família feliz?”, completa.

Um novo momento para o ‘cinema de gênero’

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Com a chegada de Uma Família Feliz aos cinemas, buscando transportar o sucesso de Raphael Montes dos livros para as telas, fica a sensação de que o chamado “cinema de gênero”, que inclui terror, ação e suspense, está em um novo momento no Brasil. No ano passado, já houve um investimento forte no bom O Sequestro do Voo 375 e, agora, tem esse suspense que chega com potencial de criar um novo público para o cinema nacional.

“Acredito que faltam mais produções, mais gente fazendo, mais alcance”, diz Montes. “Mas também o público é visceral. Durante muito tempo, o Brasil fez muito cinema voltado para o próprio umbigo, de autor, hermético, pouco narrativo. Criou um preconceito entre o público. É um jogo duplo: precisamos de mais pessoas contando essas histórias com viradas, com boas histórias e produzindo enquanto o público vai ao cinema e comece a perder esse preconceito. Não é só questão de qualidade, mas também o que o público quer”, completa o autor.

Uma família feliz, de Raphael Montes Foto: Companhia das Letras/Divulgação

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Livro nasceu durante as gravações do filme

Não é só o filme Uma Família Feliz que está sendo lançado. O projeto, na verdade, chega como uma ideia mais complexa, multimídia: um livro homônimo, que traz a mesma história escrita durante as gravações, acaba de ser lançado pela Companhia das Letras.

“Eu nunca defino se minhas ideias serão séries, livros, filmes. Não sei bem qual caminho elas vão tomar”, explica Raphael Montes. Uma Família Feliz tem ideia original de Montes e roteiro escrito junto de Ilana Casoy e Gustavo Bragança. O filme avançou e Montes acabou trabalhando no set como assistente de direção – uma nova forma de experimentar seu trabalho no audiovisual.

O escritor estava no Paraná, gravando o filme, quando chegou no hotel e teve um desejo: contar a história daquele longa-metragem, que tinha sido escrito por ele, como literatura.

“Tive vontade de escrever o final da história e acabei escrevendo tudo em primeira pessoa. E fiz o livro. Mas só faço um livro quando entendo a história como sendo literária. Encontrei a vontade de contar a história da cabeça da Eva. Foi uma chave interessante para explorar coisas e acontecimentos que não estão no filme. Filme e livro se complementam”, explica o escritor.

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