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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

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Kipling era um estoico? Sem dúvida, em especial pela ideia de serenidade interior, indiferente ao mundo

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Houve um autor chamado Rudyard Kipling (1865-1936). Menos conhecido hoje, foi muito aclamado no seu tempo. Nascido na Índia dominada pelos ingleses, foi uma espécie de “profeta do imperialismo”. Seu poema O Fardo do Homem Branco (White Man’s Burden) é sempre citado como exemplo de racismo e de culturalismo colonial.

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Em outro livro dele, surge a personagem Mowgli (The Jungle Book). O menino-lobo virou desenho animado, filme e inspira o escotismo. Recebeu em 1907 o Prêmio Nobel de Literatura – o primeiro dado a um escritor de língua inglesa. Ao lado de nomes como Charles Dickens, repousa no Poet’s Corner (da Abadia de Westminster), em Londres.

Meu contato inicial com Kipling foi o poema If (Se). O poema está no livro Rewards and Fairies, com histórias mágicas da região de Sussex. O poema estabelece uma ideia recorrente condicional: “Se consegues manter a calma, se consegues esperar sem desesperar, se és capaz de sonhar sem fazer do sonho seu mestre, se consegues continuar mesmo quando todos estiverem exaustos, etc., etc… tu herdarás toda a Terra e serás um homem de verdade”. Conheci-o pela tradução de Guilherme de Almeida. Depois, encontrei-o em inglês, em um livro sobre verbos irregulares.

Como quase tudo de Kipling, traduz certa noção do estoicismo desejado pela elite britânica. O súdito fleumático era um modelo. Alguns poetas o amaram (como Guilherme de Almeida). Houve detratores, como Pablo Neruda, que destacou a sabedoria pedestre e moral hipócrita de Kipling. José Paulo Paes (Kipling Revisitado) brinca com a abundância de Se/Se/Se e conclui: “Você será um teorema, meu filho”.

Rudyard Kipling morreu em 1936; 'Se' é um de seus poemas mais conhecidos Foto: Wikipedia/Creative Commons

Estoico? Sem dúvida, especialmente pela ideia de serenidade interior indiferente ao mundo. Poderia, também, ser uma maneira inglesa de traduzir o Bhagavad Gita (fonte sagrada do Hinduísmo, conhecido pelo autor) que trata sobre aceitação de uma missão pessoal. Kipling fez um curto manual vitoriano de sabedoria de bolso.

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Ter lido Kipling (ou Khalil Gibran, ou Herman Hesse) parece ser um sinal de idade. Os versos finais ecoam na minha memória (ainda a tradução de Guilherme de Almeida): “Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes / E, entre reis, não perder a naturalidade / E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes / Se a todos podes ser de alguma utilidade / E se és capaz de dar, segundo por segundo / Ao minuto fatal todo o valor e brilho / Tua é a terra com tudo o que existe no mundo / E o que mais – tu serás um homem, ó meu filho!” Pergunta esperançosa: alguém aqui ainda lê Kipling?

Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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