Leonardo Padura: Havana é quase outro personagem dos meus romances

Em novo romance, escritor cubano mostra efeitos danosos da pandemia e da política externa de Donald Trump

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Por EFE

INÉS ESCARIO (EFE) - O escritor cubano Leonardo Padura acaba de publicar o que é para ele seu romance “com mais cara de Havana”, intitulado “Gente decente”, no qual a capital da ilha é “quase mais um personagem” que deixa de ser uma entidade passiva para se tornar ativa, através da olhar crítico e desencantado do autor.

“Os poetas, em geral, pertencem a uma língua, a uma cultura, mas os romancistas têm uma relação muito mais íntima com os espaços, e a cidade é a preferida”, diz Padura em entrevista à Efe durante viagem à Espanha para divulgar sua novidade literária.

Leonardo Padura durante sua passagem por São Paulo em 2016. Hélvio Romero/Estadão Foto: HÉLVIO ROMERO

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Enquanto escreve, aproveita para refletir se aquela cidade lhe pertence ou “às vezes” o rejeita, embora admita que se sente muito enraizado: “Cuba me alimenta como escritor, com seus conflitos, com seus problemas, com suas contradições: é o meu lugar”, diz.

“Talvez se eu sair de Cuba, eu tenha algumas vantagens materiais, mas não teria esse contexto denso e fechado que é a realidade cubana”, esclarece. Num contexto de crise migratória, o narrador encontra-se entre “essa raríssima espécie de pessoas que vivem na mesma casa em que nasceram”.

Mais uma vez, o Prêmio Princesa de Astúrias de Letras de 2015 utilizou a figura de seu famoso personagem, o detetive Mario Conde, para “ser capaz de interpretar e refletir a realidade cubana”, em um livro que situa em 2016, um momento de “euforia, espírito de mudança e esperança” que é conhecido como o “Cuban Thaw”, no calor da visita do então presidente dos EUA, Barack Obama, do show dos Rolling Stones e do desfile da Chanel.

“Há um processo contemporâneo muito importante quando se anunciou que Cuba e os Estados Unidos estavam começando a conversar para restabelecer as relações diplomáticas, que foram retomadas em 2015 e tiveram um momento muito importante com a visita de Obama um ano depois. Muitas coisas poderiam acontecer, mas se não tivessem ocorrido os acontecimentos históricos que se seguiram e se se mantivesse a política de Obama em relação a Cuba, muitas coisas possivelmente teriam mudado”, relata ele sobre a mudança de rumo que a ilha experimentou com a chegada de Donald Trump à Casa Branca e os efeitos da pandemia em um país altamente dependente do turismo.

O resultado é “a situação atual de escassez, escassez, falta de praticamente tudo, somada a um processo de inflação brutal”, diz o escritor sobre a situação atual de seu país.

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O escritor Leonardo Padura em foto de 7 de junho de 2021. EFE Foto: Juan González

Padura desenvolve o nono livro da saga de Mario Conde com uma trama que se entrelaça com outra investigação criminal no início do século 20, nos anos posteriores à independência, quando a capital cubana experimentou grande crescimento - foi então que se construiu o emblemático Malecón - e aspirava a ser “a Nice da América”.

Sua intenção era fazer um romance “o mais abrangente possível”. “Eu queria ver como um momento histórico e um presente poderiam se ver no espelho e refletir certas semelhanças, apesar de todas as mudanças que a passagem do tempo traz, é claro”, acrescenta. Mas ‘Gente Decente’ é também para ele, sem deixar de lado a vertente social, o seu romance policial mais intenso, no qual quebra a sua tendência de resolver enredos “com apenas um morto”, embora, como sempre, com o investigador Mario Conde envolvido. Trata-se de uma personagem que, ao longo da sua vida literária, tem sido “uma pessoa decente”, como defende o seu criador, apesar de também habitar “um mundo onde há uma perda crescente dos valores éticos e do respeito pelos direitos dos outros”.

“Temos visto na Espanha, em Cuba e em metade do mundo níveis surpreendentes de corrupção, abuso de poder, tráfico de influências. Vivemos em um mundo em que os malandros, os indecentes, liquidam com o respeito. Mas acredito que ainda existem pessoas decentes como Mario Conde”, conclui esperançoso.

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