Chéreau era tão versátil que, além de tantas funções, também se notabilizou como ator. Trabalhou em filmes famosos como Danton - o Processo da Revolução, do polonês Andrzej Wajda, O Último dos Moicanos, do norte-americano Michael Mann, e O Tempo do Lobo, do alemão, radicado na Áustria, Michael Haneke.
Para o cinema trouxe toda a informação e a sensibilidade acumuladas na ópera e no teatro. Quer dizer, o senso do drama, a razão cênica, o valor dramático dos figurinos e das cores, a importância do texto, a função da música. Margot, sua melhor obra, tem tudo isso. Quer dizer, uma combinação feliz de elementos, que redunda em espetáculo de grande impacto estético e emocional.
Uma Isabelle Adjani fora de qualquer padrão "normal" de interpretação faz Margot, na história francesa chamada de a "rainha devassa". A italiana Virna Lisi é Catarina de Médicis, mãe de Margot e "chefe" de um clã masculino em luta sem tréguas pelo poder. Vincent Perez vive La Môle, amante de Margot, e Daniel Auteuil faz o rei de Navarra, marido da rainha e o futuro rei de França, com o nome de Henrique 4º.
O interessante é como Chéreau, imerso nas contraditórias paixões humanas, não negligencia o pano de fundo histórico, vital em uma época de guerra de religiões que culmina na Noite de São Bartolomeu, o massacre dos protestantes pelos católicos. Os fatos sangrentos aconteceram nos dias 23 e 24 de agosto de 1572 e a violência espalhou-se pelo interior do país nos dias seguintes. As crônicas registram mais de 3 mil protestantes assassinados apenas em Paris.
O filme, de 1994, ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes e rendeu a Virna Lisi a Palma de melhor atriz. A marca de Chéreau está em cada fotograma. Sua paixão operística imprime tensão incomum a uma história de violência e paixão. Os atores e atrizes, em especial a Margot de Adjani, mas também seus irmãos, e a matriarca Catarina, vivida por Virna Lisi, são possuídos por uma estranha força. O vigor decorre também do registro fotográfico, com o vermelho do sangue e da pompa eclesiástica como cor dominante.
Mas esse registro muda para o negro e os tons escuros na imagem de Catarina de Médicis, caracterizada como uma figura do Mal, embora não destituída de matizes. Apesar da emoção, Margot tenta dosar emoção humana e a razão política. Ao lado de uma história cruenta e folhetinesca, busca uma reflexão sobre o poder e, sobretudo, sobre os perigos da intolerância religiosa, o que revive aquele longínquo episódio histórico para a compreensão da atualidade.
Menos conhecidos do público são outros filmes de Chéreau, como Perseguição, Quem me Amar Irá de Trem e Gabrielle. A obra cinematográfica do diretor acabou se ressentindo da rarefeita divulgação do cinema de francês em nosso circuito exibidor. Talvez tenha sido considerado, nas obras posteriores a Margot, como autor difícil e portanto de limitada comunicação com o público.
Intimidade, no entanto, foi outro filme que teve circulação, com sua história do casal que se encontra para fazer sexo sem que um não saiba o nome nem a história do outro. Mais uma vez, a questão do paroxismo amoroso e sexual, tema caro ao diretor desaparecido.