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Opinião|Alice Ferraz: A dengue do meu marido

A minha semana foi intensa de trabalho e segui a rotina, dando ainda mais impulso para, talvez, contrabalançar o estado em que ele estava. E foi aí, a cada novo dia, que me deparei com a falta

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Foto do author Alice Ferraz

Existem vários tipos de casamento, eu sei. Tem quem tenha muitos filhos e o casal é feliz se unindo em volta da prole. Tem quem mesmo com um filho só vive a relação em equilíbrio nesse tripé. Tem casais que têm nos amigos uma fonte de satisfação e a turma é como uma família que forma uma comunidade onde existe apoio, troca e crescimento. Entre tantos modelos de relação conjugal, existe também uma que apelidei de casal “dupla”, sem filhos, sem turma. Cada um cresce, amadurece e se nutre a partir dessa relação que é sempre desafiadora em qualquer modelo.

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Esta semana minha dupla de 19 anos teve dengue e, pela primeira vez neste ano, o vi fisicamente abatido por algo. Fernando deitou no domingo à noite e passou a semana nesse estado de completo isolamento, em uma bolha de cansaço, dor e sono constante. A minha semana foi intensa de trabalho e segui a rotina, dando ainda mais impulso para, talvez, contrabalançar o estado em que ele estava. E foi aí, a cada novo dia, que me deparei com a falta.

Sabia já que na balança dessa relação em todos esses anos fomos dividindo a vida, repartindo a área em que cada um era mais apto para a tarefa. O que não sabia, ou talvez não percebesse, é que mesmo nas tarefas em que eu tenho maior habilidade, vinha dele uma força de sustentação, um platô de segurança cuja existência me faz ter coragem de ir além. Não pensem que estou falando do abraço no final do dia, do colo, do incentivo, e aí que está meu espanto. Claro que isso fez falta, mas sem a conversa, às vezes a discussão, sem o conselho, o ponto de vista contrário, a semana foi se tornando, no mínimo, confusa e, no final, insuportável.

Sou intensa e rápida, Fernando é mais frio e pensa muito antes de agir. Juntos, dividindo o dia a dia e compartilhando decisões, somos opostos complementares. Não concordamos, mas respeitamos a inteligência de cada um, o que nos leva a ouvir e pensar sobre o ponto de vista proposto, mesmo quando dizemos abertamente que não é isso que faremos.

Nos primeiros dias da semana, tomei todas as decisões sozinha, me sentindo capacitada para cada novo desafio. Aos poucos, fui claramente postergando. Na falta do olhar da minha dupla, achei melhor esperar. Minha rapidez na tomada de decisões me parecia arriscada sem o olhar cauteloso dele. Até que, no sábado, exausta, pedi abertamente para ele me ouvir, ao que me vi derramando sobre seus ombros questões das mais banais até as que realmente ele podia ajudar.

Enquanto falava, percebi a força de preencher espaços que essa relação me trazia. Agradeci internamente seu afeto na forma de presença atuante e sua resiliente decisão diária de estar casado comigo – e, claro, agradeci imensamente o fim da dengue!

Opinião por Alice Ferraz

É especialista em marketing de influência e escritora, autora de 'Moda à Brasileira'

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