Ex-Morphine vem ao Brasil e lembra morte trágica de cantor no palco: ‘Ainda sinto e tento lidar’

Saxofonista que fundou a cultuada banda de rock dos anos 1990 se apresenta em São Paulo na sexta, 14, com o projeto Vapors of Morphine; ao ‘Estadão’, ele falou sobre o vocalista Mark Sandman, vítima de infarto durante apresentação em 1999

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Foto: Edgardo Kevorkian/Vapors of Morphine via website
Entrevista comDana ColleyMúsico

Na mitologia grega, Morfeu era o Deus dos Sonhos. Não por acaso, a figura inspirou o nome da droga morfina, que provoca sonolência e alucinações, e o nome da banda Morphine, cuja trajetória foi tão fugaz e intensa quanto um devaneio da madrugada.

O power trio criado em Massachusetts (EUA) em 1989 se distinguiu pela improvável união de um baixo com apenas duas cordas (Mark Sandman, vocalista e compositor), bateria (Jerome Deupree e, depois, Billy Conway) e saxofone barítono (Dana Colley) – sem nenhuma guitarra, diga-se, o que proporcionava uma sonoridade densa e misteriosa, com elementos de jazz e blues embebidos à poesia sombria de Sandman.

Mesmo alheio ao fenômeno do grunge – gênero que dominava as rádios da época com Nirvana, Pearl Jam ou Alice In Chains – o grupo foi cultuado por causa de álbuns como Cure For Pain (1993) e Yes (1995), até que tudo foi interrompido em 1999, quando Sandman teve um infarto fulminante no palco, durante um show na Itália, e morreu com apenas 46 anos, perante a um olhar petrificado de 5 mil espectadores.

Após o fim trágico da banda, Dana Colley seguiu perpetuando a memória do conjunto no projeto Vapors of Morphine, que retorna ao Brasil neste mês para shows em São Paulo e Porto Alegre. Na capital paulista, a apresentação será em 14 de fevereiro no Cine Joia.

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Em entrevista ao Estadão, por videoconferência, o saxofonista de 63 anos falou sobre o retorno ao País após oito anos, suas influências e a relação com o falecido cantor, entre outros temas.

Mark Sandman (à esquerda), líder do Morphine, morreu em 1999 após infarto no palco Foto: Reprodução/Morphine via Spotify

Do que você mais se orgulha no projeto Vapors of Morphine e o que os fãs podem esperar desses shows no Brasil?

Bem, vamos tocar algumas músicas antigas do Morphine e as pessoas vão ouvir Jeremy Lyons tocar o baixo deslizante de duas cordas, que é um instrumento original criado pelo Mark [Sandman], vão me ouvir tocando meu saxofone barítono, e ouvir Tom Arey na bateria. Vamos tocar algumas músicas que têm origens africanas, algumas que são da área do o sul dos EUA e algumas que não tocamos há algum tempo. Então, estamos ansiosos para passar um tempo divertido.

Como você se atraiu pelo saxofone?

Crescendo nos anos 70, foi a guitarra que me atraiu no começo e a maior parte das minhas influências eram guitarristas. O saxofone tem um propósito e sempre esteve no rock ‘n’ roll desde os anos 50. Meio que evoluiu do jazz para o rock. E na época, muitos saxofonistas de jazz torciam o nariz para a ideia do saxofone no rock, porque é muito mais simples e talvez utilize os aspectos mais carnais do instrumento e não tanto da virtuosidade que você poderia encontrar em um arranjo de bebop ou de Charlie Parker. Nos anos 80, os saxofonistas famosos como Kenny G e David Sanborn tocavam em tons altos, e eu quis ir para baixo (risos).

Quando vocês perceberam que era possível criar um som de rock poderoso sem uma guitarra?

Acho que isso meio que evoluiu essencialmente porque Mark e eu nos juntamos e tocamos como você faria em uma sala apenas com um amigo. Nós gostamos do som e ele estava sempre trabalhando em algumas músicas. E percebemos que com um baterista poderíamos levar essas músicas para o palco, mas não precisava ser um palco grande. Começou em um bar muito pequeno e apenas vimos o que acontecia. E as pessoas gostaram. Fiquei surpreso que as pessoas realmente curtiram. Eu sentia que ainda havia muito mais desenvolvimento a ser feito, mas havia pessoas que eram muito encorajadoras. Então, meio que continuamos. Era o clima da época em que todo mundo estava tocando em uma banda e você só queria fazer isso também.

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O que mais te impressionou nos seus primeiros contatos com Mark Sandman?

A criatividade dele. Mark era alguém que se sentia muito à vontade e confortável em inventar coisas, na hora, improvisação. Nós apenas começamos a tocar e as coisas simplesmente surgiam. Havia química. Ele tinha suas ideias e depois transformava em performance improvisacional, de modo que qualquer coisa pudesse ser qualquer coisa.

A música do Morphine apareceu em algumas séries e filmes ao longo dos anos, como em ‘Família Soprano’ e ‘Beavis and Butt-Head’. Qual a sua sensação ao ver as canções da banda valorizadas dessa maneira?

No caso de Família Soprano, a televisão a cabo naquela época era uma novidade e a série estava rompendo com o modelo das redes tradicionais em que tínhamos três emissoras: NBC, ABC e CBS. Todas essas emissoras tinham censuras. Você não podia falar palavrões, mostrar nudez, nem violência, esse tipo de coisa. A TV a cabo, especialmente a HBO, começou a ter mais liberdade nisso. E ninguém sabia quem eram os Sopranos naquela época. Ninguém havia visto o programa. Era a 1ª temporada e tínhamos músicas que estavam prontas e eram facilmente introduzíveis em um filme. Tínhamos um assessor que era realmente bom em colocar nossa música nas mãos certas. Foi assim que isso aconteceu. Era uma maneira de divulgarmos nossa música. Sempre ficamos felizes quando alguém achava nossa música era boa o suficiente para estar em seu projeto. A primeira vez que isso aconteceu de forma marcante, por assim dizer, foi com o filme A Mão do Desejo (1994).

Como tem sido para você lidar com a morte de Mark ao longo dos últimos 25 anos?

É uma coisa diária, algo que penso e sinto sempre. Sempre estou vendo o rosto dele, sua foto, ouvindo sua voz. Ele é uma parte tão grande de quem eu sou. Era meu irmão, colega de banda. Tanto ele quanto Billy Conway [morto em 2021] eram duas das pessoas mais incríveis que você poderia imaginar para se ter por perto. Tive a chance de conviver com esses caras por cerca de 10 anos ou mais. Então, me sinto muito abençoado e grato por ter tido esse tempo com o Mark. [A tragédia] Parece que está sempre lá, mas você continua se movendo e tentando lidar com isso diariamente. Me fez ter noção do privilégio que é a vida.

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A morte prematura dele o elevou a um status mítico, como aconteceu com Kurt Cobain ou Jim Morrison? E como essas tragédias famosas tendem a impactar a sociedade?

Como com qualquer pessoa que morre, nós tendemos a romantizá-las de uma maneira que pode não caracterizar completamente quem elas são no dia a dia, como seres humanos normais. Então, se você deixa um legado de trabalho para trás que as pessoas reconhecem, então sim, acho que há um potencial para essa pessoa ser canonizada ou idolatrada. E também sou culpado disso porque, de certa forma, eu perpetuo essa mitologia. Mas para mim, a música é uma mitologia e as histórias que contamos vêm dos nossos ancestrais. Então, estamos todos mitologizando o tempo todo.

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Vapors of Morphine

  • Quando: 14 de fevereiro de 2025
  • Onde: Cine Joia (Praça Carlos Gomes, 82 - Liberdade)
  • Ingressos: fastix.com.br
  • Preços: R$ 160 a R$ 460 (3º lote)
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