Morre cantor e compositor Carlos Lyra, aos 90 anos, ícone da bossa nova

Artista estava internado na UTI do Hospital Unimed Barra, no Rio; um dos seus principais parceiros foi Vinícius de Moraes

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Foto do author Gabriela Piva
Foto do author Danilo Casaletti
Por Gabriela Piva e Danilo Casaletti
Atualização:

O cantor e compositor Carlos Lyra, ícone da bossa nova, morreu aos 90 anos, neste sábado, 16. Internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Unimed Barra, no Rio de Janeiro, ele morreu devido a uma septicemia.

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“É com imensa tristeza que comunicamos a passagem do compositor Carlos Lyra, nessa madrugada, de forma inesperada. A todos, agradecemos o carinho”, diz comunicado nas redes sociais do artista.

Ao longo de mais de 70 anos de carreira, Lyra foi parceiro de Vinícius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Geraldo Vandré e outros grandes nomes da arte brasileira. Sua primeira música foi Quando Chegares, de 1954.

O compositor também é dono de Maria Ninguém, Lobo Bobo e Saudade fez um Samba. Tom Jobim costumava dizer que “Carlinhos era o maior melodista da bossa nova”.

Lyra foi parceiro de Vinícius de Moraes e outros grandes nomes da música brasileira Foto: Uanderson Fernandes/Estadão

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Após o golpe militar de 1964, ele relatava ter optado pelo autoexílio, no México. Lá, ele conheceu intelectuais como Gabriel García Marquez, Octávio Paz e Luiz Buñuel, e também se casou. Voltou ao Brasil em 1971, mas teve várias músicas censuradas pela ditadura. Entre 1974 e 1976, ele então se mudou com a família para Los Angeles (EUA).

No Brasil, também foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, onde conheceu Cartola, Nelson Cavaquinho e outros nomes da música popular. Além disso, Lyra tem no currículo uma série de composições para o teatro e o cinema.

Aliás, o artista carioca contava que a sétima arte era sua verdadeira paixão. “Não paro para ouvir música, mas paro para ver filmes. Anos 40, Woody Allen, Almodóvar, adoro”, disse ao Estadão em 2010.

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Aos 82 anos, realizou uma série de shows em Nova York após 50 anos sem se apresentar nos EUA. Ele se tocou com o amigo Marcos Valle, que o convidou para oito shows no Birdland, o renomado clube de jazz de Manhattan.

A apresentação anterior nos EUA, ainda nos anos 1960, havia sido com Stan Getz – o saxofonista que ajudou a espraiar a bossa pelo mundo –, numa série de shows no festival de jazz de Newport, no Estado de Rhode Island. “Ao abrir o show, brinquei: ‘Estou fazendo aniversário de 50 anos que não venho aqui!’ Fui sem esperar muito, e aí o prazer é triplo: você trabalha porque gosta, recebe por isso e ainda tem gente para assistir”, contou Lyra ao Estadão na época.

Em 2019, ele lançou Além Da Bossa, seu primeiro disco autoral em 25 anos. O projeto contou com músicas escritas ao longo de vários anos, algumas nunca gravadas. Marcos Valle, que se tornaria seu padrinho de casamento, faz os arranjos e a orquestração de Além da Bossa, a canção.

E, na opinião de Lyra, o o Brasil sempre teve dificuldade em capitalizar em cima do gênero musical que o projetou. “Qualquer outro país já teria bairros reservados para a bossa nova”, afirmou em entrevista ao Estadão.

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Para comemorar o aniversário do artista, que completou os 90 anos em maio, o Selo Sesc lançou o trabalho Afeto, disco lançado em 1º de dezembro de 2023. Os shows de lançamento ocorreram no Sesc Pompeia nos dias 2 e 3 de dezembro com as participações de Gilberto Gil, Joyce Moreno, Mônica Salmaso e Wanda Sá.

Artistas e autoridades lamentam morte

Roberto Menescal, músico

“Era injusto a gente ficar torcendo para que ele ficasse mais. Ele estava em uma situação difícil, que não era uma coisa cômoda. Então, partir foi a melhor solução, sendo que ele vai encontrar o melhor da música brasileira e os melhores dos amigos que ele teve. Estão todos lá esperando por ele. Carlinhos é um grande compositor, um dos maiores que eu conheço. Não é porque ele partiu, não. A gente foi muito junto, quase que a vida inteira.

A história mais antiga, que me veio a cabeça logo, quando eu tinha 18 anos e eu achava que ele tinha também. A gente estava no mesmo colégio. Eu fui servir o exército e fui estudar à noite. No meu primeiro dia de aula, me apresentaram ele. Ele falou: ‘Pô, que bacana! Você toca também? Já ouvi falar que você toca. Vamos fazer uma coisa? Eu moro a um quarteirão daqui. Vamos matar aula? Vamos lá pra casa?’. Quer dizer, a gente matou o primeiro dia de aula. Você imagina o que aconteceu até o final do ano.

Tanto que eu fui fazer a prova oral e o professor olhou para mim e falou: ‘Você é dessa turma?’. O professor nem me reconheceu. A gente matou aula o tempo todo. A nossa coisa daí em diante foi música. Com música, a gente começou a compor e começaram a gravar nossas músicas. Éramos muito garotos ainda. Fomos assim até o final.

Estive na casa dele há menos de um mês com Leila Pinheiro. Fomos visitá-lo. Com essa notícia, eu tenho certeza que foi a melhor coisa ele partir. Já fez o que ele fez aqui. Pouca gente fez na vida o que ele fez. O Tom Jobim uma vez me telefonou e falou assim: ‘Estou ouvindo aqui e vou te falar uma coisa: o Carlinhos é o maior melodista do Brasil!’. Eu falei: ‘Mais que você, Tom?’ e ele: ‘Muito mais’. Com um elogio desse, ele pode partir feliz.”.

Claudette Soares, cantora

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“A gente quando perde grandes amigos, grandes músicos, grandes compositores e artistas... Ele era de uma sensibilidade tão linda. Ele era um homem chique, educado, um músico maravilhoso, um compositor espetacular. Muito melodista como dizia o Tom Jobim. A gente vai ficando órfão, né? Cada dia mais órfão. Eu fico muito triste, mas como questionar Deus? Temos nossa hora, nosso momento. Eu só tenho uma grande felicidade de ter convivido muito com ele, de ter gravado e cantado muita coisa linda dele.”.

Gilberto Gil, músico

Marcos Valle, músico

Djavan, músico

Cláudio Castro, governador do Rio

Eduardo Paes, prefeito do Rio

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Toquinho, músico

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