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Por que ‘Dark Side of the Moon’ segue forte aos 50 anos - não só para quem viveu a era do Pink Floyd

Álbum serviu como signo sonoro do descontentamento de uma geração; entenda contexto da época e força permanente das músicas no século 21

Por Ty Burr

Você desce a agulha do toca-discos e o LP começa. O crepitar do vinil é silenciado por um longo batimento cardíaco que vai desaparecendo. Aí vem um turbilhão de som que serve como abertura para a obra de (des)paixão que está por vir.

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Talvez o toca-discos seja iluminado pela luz da lâmpada de lava que sua irmã lhe deu quando foi para a faculdade. Talvez os pôsteres de Snoopy e R. Crumb na parede estejam embaçados pelas nuvens da fumaça do bong aninhado no colo do seu melhor amigo.

O turbilhão se constrói e gira feito o Aleph naquele conto de Borges que seu professor de inglês mandou ler para a aula e, então, a paisagem sonora do álbum se amplia em 3D de Technicolor CinemaScope e uma voz meio divina e cansada chega para lembrar: “Respire... Respire no ar”.

É 1973. Você tem 15 anos e está ouvindo The Dark Side of the Moon.

PASCAL6 S1 PASCOA CADERNO2 OE CAPA DO CD DE "PINK FLOYD". FOTO REPRODUCAO Foto: REPRODUCAO

Um monólito do Classic Rock

Bem, talvez você não estivesse lá, mas eu estava e todo mundo da minha idade também – todo um bando geracional de adolescentes suburbanos, principalmente homens, principalmente brancos, para quem o álbum do Pink Floyd serviu como um signo sônico de nosso descontentamento. Este ano marca o 50º aniversário do lançamento de The Dark Side of the Moon – se o disco não envelheceu, nós também não – e este mês testemunha a chegada aos cinemas de Have You Got It Yet? The Story of Syd Barrett and Pink Floyd.

Trata-se de um documentário que passou muito tempo em produção, dirigido por Roddy Bogawa e pelo falecido designer gráfico Storm Thorgerson, cuja arte da capa de Dark Side – um prisma explodindo de cores na noite – é tão enigmática quanto qualquer coisa nos grooves do próprio álbum.

Esses marcos são pretextos convenientes para celebrar uma obra da cultura popular que teimosamente se recusa a desaparecer. Com seus despertadores barulhentos e canções fúnebres majestosas, seus banshees e sua felicidade, The Dark Side of the Moon é um monólito do Classic Rock, gênero que nossos filhos e netos chamam de Rock de Tiozão, algo que eles ouvem de passagem na Sirius Radio ou escutam com a estudiosa curiosidade adolescente – do jeito que eu ouvia os discos de Sinatra da minha mãe.

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Mas aqui está o problema: adolescentes do século 21 não precisam da rádio ou da playlist do pai para descobrir Dark Side. Descobrem o disco por conta própria, bem na época em que seu desencanto com o mundo adulto se cristaliza em exaustão.

Toquei muita música quando meus filhos estavam crescendo na virada do milênio, mas não muito Floyd. E, no entanto, num certo ponto de suas respectivas individuações adolescentes, lá estava The Dark Side of the Moon, apresentado por amigos como (e possivelmente com) um baseado de maconha no ensino médio.

Fenômeno de vendas

É um enigma intrigante. Existem muitos outros monólitos do Rock Tiozão do início dos anos 70 – Who’s Next, Led Zeppelin IV, Layla, Eat a Peach ou qualquer outra coisa que você queira lembrar aqui – então por que esse disco teve essa cauda tão insanamente longa? Dark Side é o quarto álbum mais vendido de todos os tempos, começando com uma corrida ininterrupta de catorze anos na Billboard 200 e aparições regulares até 2023, um total de 981 semanas nas paradas.

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Não é como se o planeta estivesse esperando um novo álbum do Pink Floyd meio século atrás. The Dark Side of the Moon pegou todo mundo de surpresa, musical e comercialmente, sobretudo nos Estados Unidos, onde o art-rock experimental da banda britânica era ignorado em favor de exploradores sônicos nacionais, como o Grateful Dead.

Dark Side representou o ponto culminante da luta do grupo para se livrar da longa sombra do líder original, Syd Barrett – caso clássico de um roqueiro dos anos 1960 que fez uma viagem química e nunca mais voltou. Como o novo documentário deixa claro, The Pink Floyd (como eram chamados originalmente, fundindo os nomes de Pink Anderson e Floyd Council, músicos de blues favoritos de Barrett) foi produto do capricho visionário de Barrett, com o baixista Roger Waters, o tecladista Rick Wright e o baterista Nick Mason apoiando o cantor, compositor e guitarrista.

Da esquerda para a direita, Roger Waters, Rick Wright, Syd Barrett e Nick Mason nos estúdios Abbey Road, em 1967 Foto: REPRODUCAO

A magia durou até os primeiros singles ecléticos do grupo, mas, já na turnê do álbum de estreia, The Piper at the Gates of Dawn (1967), um Barrett viciado em LSD e com problemas de saúde mental olhava para o nada e só tocava uma nota ou outra. Ele mal esteve presente na sequência, A Saucerful of Secrets (1968), e foi dispensado da banda logo em seguida, com o guitarrista David Gilmour já convocado para ocupar o lugar. O músico John Etheridge tempos depois se lembraria de pensar: Gilmour deve “aproveitar enquanto dura, porque sem Syd essa banda não vai a lugar nenhum” – uma das grandes apostas equivocadas na história da música popular.

Mas com certeza era o que parecia depois do noise rock de Ummagumma (1969), embora os dois primeiros lados daquele álbum duplo transmitissem toda a potência da banda ao vivo. Em Atom Heart Mother, de 1970, dava para ouvir Waters, Wright e Gilmour recuando da inventividade hiperativa que Barrett tinha deixado para eles e começando a montar um som que agora reconhecemos como floydiano.

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O subestimado Meddle (1971), com sua pequena obra-prima Echoes, preparou o palco para a majestosa coesão auditiva de Dark Side. Echoes era rock, era uma viagem, mas de alguma forma também era pop. Tudo o que faltava era que floydiano significasse alguma coisa. Com The Dark Side of the Moon, eles começaram a significar algo – e de um jeito que muitos jovens americanos entenderam intuitivamente em 1973.

Qual a relação de Watergate e Pink Floyd

O escândalo Watergate foi uma mancha que se espalhou até a porta do Salão Oval. O envolvimento militar dos Estados Unidos no Vietnã tinha cessado em janeiro, mas o bombardeio do Camboja continuou por meses. As salas de cinema eram dominadas por parábolas sobre corrupção (O Poderoso Chefão ganhou o Oscar de melhor filme no mesmo mês em que Dark Side foi lançado) e possessão demoníaca (O Exorcista saiu no final do ano). Seus pais assistiam The Waltons na TV e se perguntavam o que tinha acontecido com o país.

Em 1970, o presidente dos EUA, Richard Nixon, visita as tropas americanas no Vietnã Foto: STF

Se você era adolescente, não participava das marchas de protesto com os irmãos mais velhos. Você perdeu a revolução e Woodstock, mas, enfim, o que os protestos trouxeram, além da vitória esmagadora de Nixon? Em vez disso, você saía com os amigos para aquele novo lugar chamado shopping center ou simplesmente ficava no quarto e chapava. “Eu adoraria mudar o mundo”, cantava a banda britânica Ten Years After, “Mas não sei o que fazer / Então vou deixar isso com você”. Muitos de nós sentíamos exatamente a mesma coisa.

E, ao que parece, o Pink Floyd também. The Dark Side of the Moon foi a tentativa do letrista Roger Waters de catalogar as tensões e enervações da vida do roqueiro e, ao fazê-lo, solenizou e romantizou o sentimento de derrota de uma geração. A chatice de um trabalho depois da escola: “Cave aquele buraco, esqueça o sol / E quando finalmente terminar / Não descanse, está hora de cavar outro”. O gotejamento mortífero da existência adolescente: “Chutando o chão na sua cidade natal / Esperando que alguém ou alguma coisa mostre o caminho”.

A sensação de que o futuro era mais do mesmo: “Para cima (para cima... para cima... para cima...) e para baixo (para baixo... para baixo... para baixo...) / Mas, no final, é só voltas e voltas”. A batida constante das canções, as guitarras melancólicas de Gilmour e as nuvens empilhadas de sintetizadores de Wright deixavam o ouvinte confortavelmente entorpecido, despreparado para a paranoia de ‘On the Run’, os lamentos de desespero da cantora Clare Torry em ‘The Great Gig in the Sky’ ou o rosnado 7/4 de ‘Money’.

Entre outras coisas, The Dark Side of the Moon mostrou que o Pink Floyd desistiu de exorcizar o fantasma vivo de Barrett e começou a mitificá-lo na penúltima faixa do álbum, Brain Damage (e em Shine On, You Crazy Diamond, do álbum seguinte da banda, Wish You Were Here, de 1975). “O lunático está na minha cabeça”, cantava Waters em Brain Damage. Muitos de nós sentíamos a mesma coisa.

A Tribute to Pink Floyd - Return To The Dark Side Of The Moon  Foto: REPRODUCAO / AMAZON

Trilha sonora de uma era

Tais eram as emoções e pretensões do existencialismo adolescente de classe média nos subúrbios da América de meados da década de 1970. The Dark Side of the Moon deu a eles uma trilha sonora e, se você morasse perto de uma cidade com planetário, um show de laser para iluminar o lado escuro do seu cérebro.

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Três anos depois, o punk iria aparecer para obliterar a gloriosa autopiedade de Dark Side e insistir que não havia futuro além daquele que você fazia para si mesmo. Naquela época, muitos de nós estávamos seguindo em frente e encontrando um propósito ou deixando um propósito nos encontrar. O Pink Floyd ficou rico e ambicioso, estilhaçou-se em amargor.

Syd Barrett morreu de câncer pancreático em 2006, depois de ter se retirado da vida pública para a casa de sua mãe com a eterna mística do garoto perdido mais desconhecido do Classic Rock. Mas The Dark Side of the Moon continua sendo um rito de passagem adolescente por excelência. É uma playlist transmitida como um aperto de mão secreto, um CD no carro numa viagem à meia-noite, um batimento cardíaco conectando uma geração de garotos hesitantes à próxima.

Ty Burr é autor da newsletter de recomendação de filmes Ty Burr’s Watch List em tyburrswatchlist.substack.com.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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