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Sons da Costa do Marfim e da Armênia chegam na mesma noite ao Sesc Jazz

A cantora Dobet Gnahoré, na comedoria, e a pianista Macha Gharibian, no teatro, nesta quarta, 19, mostram a força das ancestralidades mesmo quando se olha para o futuro

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Macha Gharibian, filha do guitarrista e tocador de bouzouki, Dan Gharibian, da banda klezmer Bratsch, é uma pianista da Armênia que vive em Nova York há mais de dez anos. Dobet Gnahoré, cantora e percussionista da Costa do Marfim, é filha do cantor Boni Gnahoré e neta de uma avó que cantava para os mortos enquanto trabalhava nos campos de arroz.

Macha Gharibian  Foto: richard schroeder / undefined

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Macha e Dobet nunca se viram e não cantaram juntas, mas seus relatos de origem e o resultado musical de suas vidas podem resumir bem algumas características do que seria esse neo jazz dos anos 2020, cada vez mais distante das obrigatoriedades por soarem masculinizados e dentro das bases norte-americanas. A dobradinha que farão em seus shows nesta quarta, 19, no Sesc Jazz – Macha se apresenta às 20h, no teatro do Pompeia, e Dobet, às 21h30, na comedoria – é uma chance para ouvir duas belas vozes desses mundos.

Macha atingiu sua melhor linguagem em 2020, quando lançou o álbum Joy Ascencion, depois de inspirar-se nas tradições do Cáucaso para fazer Mars, em 2013, e expandir seus horizontes com experimentalismos em 2016, com Trans Extended. Sua voz é cheia de corpo, quente e grave, e seu piano cria climas intensos com poucas notas. Georgian Mood, por exemplo, é um tema de aderência rápida, quase pop, enquanto Sari Siroun Yar encontra as tradições armênias, russas, gregas e sérvias.

Dobet Gnahoré, percussionista marfinense Foto: Sesc Jazz

Dobet reconfigurou levemente seu som em 2021, quando lançou Couleur. Mais urbano do que seus outros quatro álbuns, ele traz uma pressão maior conseguida com recursos eletrônicos. Mas Dobet deve basear sua apresentação em temas que se tornaram mais sólidos no repertório, como os de Na Afriki, o álbum de 2007, que a fez conhecida com Palea, e cantar até Pearls, que gravou com India Arie e a fez ganhar um Grammy de Melhor Performance em 2010.

A África de Dobet não é a percussiva – e eis a primeira diluição narrativa de uma África que sempre esperamos ouvir. Ao contrário de seu pai, Boni, ela quer as cordas e as melodias, com percussões ganhando espaço no momento certo. “Gosto muito de música acústica, sem percussão, e gosto quando posso surpreender e trazer o ouvinte para o meu universo.” E qual seria o universo musical da Costa do Marfim? “Muitas coisas típicas, como bolooui, temater e aloukou, mas também música urbana e moderna, como o cut shift e o zouglou.” Boas surpresas para quem pensa que pode conhecer o planeta pelo Spotify.

De onde estaria vindo o jazz mais vibrante? Alguns dizem Leste Europeu, outros falam de uma nova geração de africanos. Macha Gharibiam diz: “O melhor jazz vem de onde os músicos ouvem o que está acontecendo e, juntos, tentam criar algo pessoal. É a música do instante, não importa de onde vem. Quando as pessoas se conectam com o som, não há mentiras.” Sua resposta poderia ser também “da ancestralidade”, já que Macha, Dobet e sobretudo toda a nova geração diz da necessidade de conectar-se ao passado para criar algo original. “Passei por todo um processo de encontrar minha própria voz para fazer Joy Ascencion. Ir às minhas raízes armênias foi um processo que me fez mergulhar em algo muito profundo. Quanto mais mergulho nele, mais sinto que estou no meu próprio lugar.”

Ninguém no mundo do jazz se livra do peso da tradição. “Eu cresci no centro-oeste da Costa do Marfim e fui cuidada até os cinco anos pela minha avó, que cantava para os mortos e cultivava arroz”, diz Dobet. Boni Gnahoré, o pai, a levou para uma aldeia de ideais pan-africanos chamada KI YI M’bock, em Abidjan, na capital econômica dos marfinenses. Ali, em uma experiência que a América Latina nunca teve, africanos de todo o continente se reuniam para criar e praticar dança, teatro e música, traçando os destinos de seus projetos pela África. Ray Lema, Youssou N’Dour, Salif Keita e Lokua Kanza foram alguns ilustres frequentadores. “Era treino todos os dias, das 5h da manhã à meia-noite. Minha infância foi assim”, diz Dobet. Esse é seu jazz: “Jazz é evolução e travessia, a música que a minha alma ama.” l

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