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Sting: ‘Tem gente que toca minhas músicas em casamento, tem gente que toca em velório. Fico feliz’

O cantor celebra que suas composições tenham uma ‘função’ - e ela é, agora, contar, em ‘Message in a Bottle’, espetáculo inédito no Brasil, a história de uma família de refugiados. ‘As pessoas naqueles barcos somos nós’, diz Sting; veja vídeo

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Por Javier C. Hernández (The New York Times)
Foto: Lila Barth/The New York Times
Entrevista comSting, Kate Prince e Alex LacamoireMúsico, coreógrafa e compositor e arranjador

NOVA YORK - Quando a coreógrafa Kate Prince se propôs, vários anos atrás, a criar um espetáculo de dança a partir da obra de Sting, ela não sabia ao certo que história poderia contar usando um repertório tão vasto.

Foi então que ela viu fotos de jovens refugiados sírios correndo riscos inimagináveis para chegar à segurança na Europa e teve uma ideia. Ela usaria algumas das músicas mais tocantes de Sting e do Police, como Desert Rose e Every Breath You Take, para contar a história de uma família fugindo da guerra.

O resultado é Message in a Bottle, que estreou em Londres em 2020 e chega ao New York City Center, em Manhattan, para uma curta temporada. No espetáculo [inédito no Brasil] de quase duas horas com a ZooNation, companhia de dança de Prince, ela usa freestyle, salsa, Lindy Hop, dança de rua e outros estilos para dar vida a 27 músicas.

“Tem gente que toca minhas músicas em casamentos, tem gente que toca minhas músicas em velórios”, disse Sting. “Sempre fico feliz ao ver que as músicas têm uma função. E, aqui, a função é contar uma história importante, digna e maravilhosa”.

Em uma entrevista semanas atrás no City Center, Prince, Sting e o compositor e arranjador Alex Lacamoire falaram sobre a crise de refugiados, o desafio de coreografar canções de Sting e o papel da arte em tempos de conflito. Aqui estão alguns trechos editados da conversa.

‘Message in a Bottle’ fala de três irmãos que são expulsos de casa por causa da guerra. O que levou vocês a contar essa história?

PRINCE: Vi uma foto do Alan Kurdi, o menininho sírio que tinha se afogado, aquela foto do corpo dele na praia. Não conseguia deixar de ver a foto, não conseguia deixar de pensar no que seria necessário para que eu e meu marido tirássemos nossa filha do berço e entrássemos com ela num barco para cruzar o mar aberto. O que nos forçaria a fugir daquele jeito? Era uma história que eu tinha que contar. Quase não era uma escolha.

STING: É a história dos nossos tempos. Ninguém pode escapar dela. As pessoas naqueles barcos somos nós. Pode ser que um dia nos vejamos no lugar dessas pessoas. Então não podemos simplesmente dizer que os refugiados são uma espécie diferente da nossa. Somos seres humanos, todos nós, e fazemos parte desse problema. O espetáculo coloca você no lugar dessas pessoas. É uma família como a nossa. Tem as mesmas necessidades e os mesmos direitos que nós.

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Sting, a coreógrafa Kate Prince e o compositor e arranjador Alex Lacamoire. (Lila Barth/The New York Times) Foto: Lila Barth/The New York Times

Como começou a produção?

PRINCE: Faz muito tempo sou muito fã de Sting e do Police. Minha primeira experiência em show foi ver o Sting no estádio de Wembley. Walking on the Moon fez parte da cerimônia do meu casamento. Na lua de mel, eu estava ouvindo Sting e comecei a pensar: “Sempre quis fazer uma coreografia com essas músicas. Será que alguém já fez isso?”. Escrevi para meu chefe no Sadler’s Wells, um teatro de dança em Londres, e consegui uma reunião com Sting, e ele me deu permissão para fazer um workshop.

STING: Eu me lembro do workshop, de ver o palco vazio, só com os dançarinos, sem luzes, sem cenário. E me lembro de estar lá, só vendo, chorando. Fiquei profundamente comovido, de uma forma totalmente inesperada.

Como vocês trabalharam a coreografia e a música?

PRINCE: Assim que ouço a música, o ritmo me diz o que fazer. Então, em Shadows in the Rain, os bailarinos fazem uns passos de Lindy Hop. Em Message in a Bottle, eles dançam break. Fields of Gold traz um dueto bem contemporâneo. E em Englishman in New York, começo fazendo uns movimentos isolados, meio robóticos. É a música que me diz o que fazer.

LACAMOIRE: Foi divertido trabalhar com meu lado mais teatral. Quando Kate precisava de uma transição ou queria que uma música funcionasse de um jeito diferente, nós usávamos motivos diferentes. Mesmo que o público não perceba que estamos entrelaçando músicas e melodias, subconscientemente eles percebem que tudo está unificado, porque tudo vem de uma só voz e de um só compositor.

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STING: Acho que as músicas nunca ficam prontas de verdade. Não acho que a versão gravada seja uma coisa fixa que nunca pode ser desfeita. Elas são trabalhos em andamento. Por isso, sempre fico feliz ao ver as ideias das outras pessoas.

Como você vê a conexão entre essas músicas, que abrangem muitos anos, temas e estilos?

STING: Sempre tive consciência social, e ela sempre esteve presente no meu trabalho. Não necessariamente de forma direta, mas sempre esteve presente como uma corrente subterrânea. A ideia de que o mundo pode ser melhor, de que devemos tratar uns aos outros como queremos ser tratados. É um apelo que está presente em todo o meu trabalho, e eles exploraram isso de um jeito muito interessante.

LACAMOIRE: Uma das músicas que usamos é Invisible Sun. A versão original é meio sombria e sinistra. Mas o verso que queríamos destacar era: “Tem que haver um sol invisível, que nos dê esperança quando o dia acabar”. E isso realmente virou o mantra da nossa versão. Então, em vez daqueles tons cinzas e sombrios, de repente criamos luzes, brilhos em amarelo e laranja. Parecia o nascer do sol. Adoro que Sting tenha sido gentil a ponto de nos permitir brincar com as músicas de forma que pudéssemos usá-las numa outra história.

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Sting, Kate Prince e Alex Lacamoire colaboraram em 'Message in a Bottle', show de dança em cartaz no New York City Center que conta história de família de refugiados. Foto: Lila Barth/The New York Times

Como tem sido ver essas músicas ganharem vida de novas maneiras?

LACAMOIRE: Adoro a atemporalidade das músicas. Algumas dessas canções foram compostas décadas atrás. E elas ainda têm significado e poder.

STING: Adoro quando outros artistas pegam meu trabalho e o expandem ou o traduzem de um jeito diferente. Sempre fico surpreso. Sempre fico empolgado. Às vezes, ouço e vejo coisas que não tinha previsto. Por isso, nunca discuto com as pessoas quando elas dizem que têm uma interpretação diferente da minha.

As músicas são pedras de toque emocionais. Quando outras pessoas dizem que têm as minhas músicas como referência emocional, sinto que estou fazendo um bom trabalho.

O mundo de hoje tem muita dor, conflito e cinismo, e a crise de refugiados está fora de controle. Vocês acham que a arte pode fazer a diferença?

PRINCE: Não faço política. Não estou tentando fazer política. Mas estou tentando colocar no trabalho um pouco de mim e de como me sinto. Espero que isso estimule a compaixão por outras pessoas.

STING: A arte não vai resolver o problema da noite para o dia. Na verdade, não temos soluções. Mas estamos dizendo: “Essas pessoas são seres humanos, essas pessoas também somos nós. Ouça a história delas”. E acho que os seres humanos evoluem por meio da narrativa. Nós evoluímos contando histórias uns aos outros – ouvindo, escutando. Não conheço outra maneira. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Veja vídeos de Message in a Bottle

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