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Berlim acolhe os Fabelmans

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
 

Rodrigo Fonseca Com uma bilheteria estimada em US$ 30 milhões, o encantador "Os Fablemans" ainda não virou o fenômeno que merecia ser, o que não significa não ter um prestígio tamanho GG, a julgar pela expectativa em torno de sua projeção na 73. Berlinale, nesta terça. Lacrimoso na mais precisa medida, o novo e mais pessoal filme de Steven Spielberg vai ser exibido na cerimônia de homenagem ao cineasta, que receberá o Urso de Ouro Honorário, pelo conjunto de sua obra. Há uma série e filmes dele em exibição, entre eles "A Lista de Schindler" (1993), pelo qual ele ganhou seu primeiro Oscar de Melhor Direção. Protagonizado por Liam Neeson, o longa completa 30 anos em 2023. Embora não seja o recordista de indicações aos Oscars (posto ocupado pelo fabular "Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo"), o doce "Os Fabelmans" zarpa firme em direção à Eternidade, no imaginário cinéfilo. Cada cena dele transpira Spielberg. É mais do que a presença de seu nome. É a sua história pessoal que está ali, mascarada com um outro sobrenome e amparada na luxuosa participação de David Lynch como ator, no papel do mítico cineasta John Ford, realizador de "Rastros de Ódio" (1956). O que vem fazendo multidões se renderem a um tão tocante ensaio sobre a entrada do cinema na vida de um aspirante a artista é a maneira generosa como o titã por trás de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977) e "O Resgate do Soldado Ryan" (1998) - entre muitas outras pérolas - se doa para a plateia ao abrir seu baú - menos o das memórias factuais e mais o de suas emoções. Hoje debruçado sobre uma releitura do thriller "Bullitt", de Peter Yates, de 1968, Spielberg foi chamuscado pela indiferença popular depois de lançar sua revisão personalíssima de "West Side Story" (1961). Muitos filmes recentes dele foram escanteados (caso de "O Bom Gigante Amigo"). Daí a importância de olhar pra dentro de si mesmo, repensar sua gênese e refazer a estrada de sua formação: disso é feito "The Fablemans". Seu novo longa é "Cinema Paradiso" para as novas gerações, com direito ao encantamento de um menino diante de uma projeção. Steven apenas troca o sobrenome de Spielberg pra Fabelman e elege Gabriel LaBelle para ser seu alter ego de juventude. Michelle Williams dá um contorno de excentricidade à jovem matriarca de uma família judaica oprimida em seu lugar de controle de uma casa e de um clã. Mas é Paul Dano quem mais e melhor brilha no esforço de contenção ao criar um pai submisso a deveres e a um projeto de família feliz. Projeto que se alinha ao espectro de um american way of life em ruínas. É de seus escombros que nasceu o projeto de cinema revisionista do cineasta, a partir de "O Encurralado" (1971). Leveza é a chave da música composta por John Williams para o longa, que se apoia nas cores esmaecidas da fotografia de Janusz Kaminsk. Outro acerto é a figura de um tio apaixonado pela arte, Boris (Judd Hirsch, em genial participação), que ajuda o efebo Fabelman a moldar seu discurso cinematográfico. Vai ter Berlinale até o dia 26 de fevereiro, e o thriller pernambucano "Propriedade" anda fazendo barulho por lá, com sua excelência técnica e seu agudo debate sobre reforma agrária.

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