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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Hollywood canta: 'I will always love you', Whitney Houston - sua biopic brilha!

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Naomi Ackie resvala na excelência ao interpretar Whitney Houston sob a direção afetuosa (e autoral) de Kasi Lemmons  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Bastam cinco (dançantes) minutos de "I Wanna Dance with Somebody" para perceber que a atriz Naomi Ackie tá em cena, nesse filmaço sobre Whiney Houston (1963-2012), pra imortalizar seu nome e seu ferramental dramático vasto, numa recriação doída, mas vívida, de um ícone pop. Ícone esse de inquestionável relevância na ocupação dos media por pilares de resiliência da população negra americana, entre os anos 1980 e 90. Esta noite, na Califórnia, quando Eddie Murphy receber o troféu Cecil B. DeMille, na festa do Globo de Ouro, pelo conjunto de sua carreira, a premiação terá um sentido simbólico similar ao desse belo longa-metragem da Sony. Whitney e Murphy são frutos de um mesmo torvelinho da História, que nos deu ainda Spike Lee - mas só lá em 1989, com "Faça a Coisa Certa". Whitney ocupou 1º lugar na parada de sucessos e abocanhou Discos de Diamante numa época em que artistas brancos tinham hegemonia. Murphy, destaque do programa humorístico "Saturday Night Live" de 1980 a 84, e astro de shows de stand-up, assumiu o papel de Axel Foley, no policial "Um Tira da Pesada", ocupando uma vaga originalmente oferecida a Sylvester Stallone. O eterno Rocky Balboa seria, a princípio, a estrela de "Beverly Hills Cop" (1984). A recusa de Rambo, que não curtiu o papel, foi o precedente pra entrada de um comediante que, em 1982, teve destaque no ambiente da ação com "48 Horas" - fazendo rir, mas também bancando o durão. Ali alvoreceu um novo horizonte para atrizes e atores como Angela Bassett, Wesley Snipes, Will Smith. Whitney estava ali também, vide sua participação em "O Guarda-Costas" (1992) e suas parcerias com Forest Whitaker (que a dirigiu em "Falando de Amor") e Denzel Washington (seu colega de cena em "Um Anjo Em Minha Vida"). Porém, antes de tudo, ela estava soltando sua voz. A Voz, como explica o belo filme sobre sua trajetória pessoal e profissional com estreia marcada para esta quinta-feira. Filme que atesta, antes de tudo, a evolução da cineasta Kasi Lemmons como realizadora. Conhecer a fundo a trajetória de uma luta de afirmação cultural - num contingente de histórico racista e homofóbico - ganha outro (e inclusivo) sentido quando se percebe que este é narrado sob a ótica de uma diretora negra. Uma diretora de tônus autoral, que sempre brigou contra a intolerância.

Atriz de formação, Kasi se destacou na realização cinematográfica ao filmar o drama "Amores Divididos" ("Eve's Bayou", 1997), hoje disponível na Amazon Prime. Era sua estreia na tarefa de comandar longas. Ela escalou Samuel L. Jackson no papel de um médico talentoso, mas infiel, cujo comportamento adúltero abala as estruturas de sua casa. De cara, deixou impressa uma série de marcas que acompanhariam toda a sua trajetória por trás das câmeras. Seus filmes sempre demonstram o pleno domínio sobre o uso de cores fortes em cena; carregam com constância o desejo de desconstruir homens opressores; e têm uma predileção por figuras de percursos heroicos sempre fraturadas pela ausência de algo (talvez um sentido, talvez uma paz interior) na travessia que aceitam percorrer. Foi assim no seriado Marvel "Luke Cage" (2018). Foi assim na minissérie "A Vida e a História de Madam C.J. Walker" (2020). Foi assim no cinema, com o western "Harriet" (2019) - uma joia. E é o que se vê agora em "Whitney Houston: I Wanna Dance with Somebody". O diferencial, em plano técnico, nesse trabalho mais recente, é a habilidade surpreendente que Kasi tem em lidar com elipses e saltar no tempo com extremo vigor.

O produtor Clive Davis (Stanley Tucci) e Whitney  Foto: Estadão

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Vemos Whitney de 1983, quando ainda cantava em cultos e acompanhava sua mãe, Cissy Houston (Tamara Tunie, de "O Advogado do Diabo"), até 2012, quando fenece afogada na banheira de um hotel, em decorrência do uso de drogas. O miolo traz tudo o que a gente vê de melhor nas biopics (termo técnico para o gênero cinebiográfico) de ídolos da canção. Não por acaso, sua biografia pras telonas tem como roteiristas um mago da boa escrita, o neozelandês Anthony McCarten, que tornou o cinema melhor (e mais rico) com "Bohemian Rhapsody", há cinco anos. Todas as manhas que ele empregou na história de Freddie Mercury - com especial destaque para um estudo dos chamados in-between moments, os períodos de hiato criativo, nos quais a ave canora do Queen imergia em excessos - estão em "I Wanna Dance With Somebody". Logo, a antagonista mais vilã de La Houston não é seu pai machistóide (Clarke Peters), nem o marido tóxico, o cantor Bobby Brown (bem interpretado por Ashton Sanders, de "Moonlight"). Sua maior inimiga é sua incompatibilidade com o pertencimento, o que a leva a querer "férias" em forma de narcóticos. Nos diálogos, há momentos primorosos, como a aula de solfejo dada por Cissy: "Toda canção conta uma história". Temos ainda um Stanley Tucci que esbanja candura no papel do produtor Clive Davis, um dos eixos afetivos de Whitney, calçando-a com profissionalismo e um amor paterno sem diapasões que não o do benquerer. O mais bonito é ver esse bom roteiro ganhar cinemática na força narrativa de Kasi e na fina fotografia de Barry Acroyd (de "Guerra ao Terror", que jamais se excede. Ah... Kevin Costner só aparece em imagem de arquivo. Mas a gente escuta "I Will Always Love You", machucando o coração.

p.s.: A Sony merece mil parabéns pela eficiência com que conduziu a pré de "I Wanna Dance With Somebody - A História de Whitney Houston" no Rio, no Cine Odeon, na noite de segunda, oferecendo desde show de performers de street dance e pop music até uma canja de Leilah Moreno. Foi um evento como há muito o Rio de Janeiro não via. Tudo funcionou com esplendor.

p.s.2:Com texto de Cecília Ripoll e direção de René Guerra, o espetáculo "Memórias de uma Manicure", que faz uma reflexão sobre sororidade e empreendedorismo feminino, estreia, dia 19 de janeiro, no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia. A peça do grupo Bonecas Quebradas Teatro se inspirou em uma história verídica ocorrida em 1958. A manicure Zulmira, vítima de ameaças constantes, mata o ex-companheiro dentro de uma delegacia. A partir daí, a autora criou uma trama sobre amizade.

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