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'Tinnitus': A sinestesia da invenção na Mostra

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Joana de Verona brilha em "Tinnitus", que saiu de Gramado com Kikitos de Melhor Fotografia e Montagem Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Gramado deu um selo de brasilidade à sinestesia de "Tinnitus", um devastador estudo sobre perdas passageiras, reinvenções e mistério que arranha a linha do chamado "extra-ordinário". É assim que se chama, hoje, a corrente de filmes nos quais situações fantásticas extrapolam as constituições da Física, da Química e da Biologia sem apresentarem uma justificativa seja na ficção científica seja no sobrenatural. É o que se dá com o ruído que dá título ao longa pilotado por Gregório Graziosi, laureado com dois Kikitos na Serra Gaúcha. Apresentado ao mundo nas telas do Festival de Karlovy Vary, na República Tcheca, e exibida na competição de Biarritz, na França, a produção ganhou em terras gramadenses os troféus de Melhor Fotografia, dado a Rui Poças (laureado por um trabalho estonteante), e a de Melhor Montagem, confiado a Eduardo Serrano. Vai ter sessão dessa joia na Mostra de São Paulo nesta sexta, dia 28, às 19h20, no Reserva Cultural, e nesta terça, dia 1º, às 18h10, no Instituto Moreira Salles Paulista. Realizador de "Saba" (2007), "Mira" (2009) e "Obra" (2014), Graziosi agora evoca mitologias aquáticas. No enredo, Marina Lenk (vivida por Joana de Verona) é uma experiente atleta de Saltos Ornamentais. Aterrorizada por uma súbita crise de Tinnitus, um zumbido insuportável, ela despenca da plataforma mergulhando nas profundezas de seu próprio corpo. Afastada do esporte que ama, ela troca a perigosa e desafiadora plataforma de saltos por uma pacata vida no aquário, onde trabalha fantasiada de sereia. Mas será que é possível escapar da loucura, quando o medo se esconde dentro de seus ouvidos? Um dos destaques do elenco é Antonio Pitanga.

O titã baiano Antonio Pitanga e a "sereia" do salto ornamental encarnada pela talentosa atriz portuguesa  Foto: Estadão

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Qual é a dimensão do feminino que o mito da sereia representa? Gregório Graziosi: MARINA, minha protagonista, interpretada pela Joana de Verona, é uma atleta de saltos ornamentais. Ela troca o desafio de saltar no ar, a dez metros de distância da água, observada por um estádio lotado, para prender sua respiração embaixo d'água e se apresentar para poucas crianças, dentro de um tanque. É uma realidade asfixiante para uma atleta. Queria que o sereísmo fosse importante para outras duas funcionárias do aquário, interpretadas pela Mawusi Tulani e pela atleta paraolímpica Jessica Messali. Existe algo mágico em ver a performance delas dentro da água, procurando alternativas para a falta de público, inspiradas por uma sereia parisiense. Essa atividade, apesar de sedutora, está longe das aspirações pessoais de Marina. Pessoas de personalidade forte como a nossa protagonista, longe dos próprios sonhos e aspirações, nunca vão se sentir realizadas, completas. Mas para isso acontecer, temos um desafio nesse filme. Marina precisa encarar seu TINNITUS, a aterrorizante doença que a afastou do esporte.Seu filme tem uma engenharia sonora arrebatadora. O que essa produção de sons sugere em relação a um mundo polifônico em que vivemos? O que o zumbido expressa como signo melódico de quietude e de alerta? Gregório Graziosi: Parece-me assustadora a ideia de que o terror pode se esconder dentro de você, como algo de que não se pode escapar. O zumbido é o contrário do silêncio. É uma forma de surdez, que se manifesta através de ruídos de diferentes frequências e volumes. Para alguns pacientes em crise, pode atingir níveis altíssimos. É impressionante como São Paulo é uma cidade barulhenta, vivemos aqui habituados a uma sonoridade perturbadora. Milhares de pessoas sofrem com Tinnitus não diagnosticado ou algum grau de perda auditiva por aqui. Nesse filme, tive a sorte de contar com a orientação da Dra. Tanit Ganz Sanchez, uma das maiores especialistas na doença. O desenho de som do colaborador Fábio Baldo, começou a ser pensado ainda na escrita do roteiro, depois seguiu intercalado as sessões de edição com o pernambucano Eduardo Serrano. Na fase final, a trilha sonora composta pelo inglês David Boulter, fundador da banda Tindersticks, trouxe a última camada de estranheza para criar a sonoridade necessária para a narrativa do filme.Qual é a dimensão mítica que um ator como Antonio Pitanga traz a um filme que me parece tão feminino, mesmo em sua pluralidade? Gregório Graziosi: Antônio Pitanga é parte indissociável do cinema brasileiro, um ator lendário e pessoa incrível. É inspirador escutá-lo falando com gerações mais jovens e comovente ver a generosidade como se entrega a novos papéis. Em "Tinnitus", num registro minimalista, ele interpreta INÁCIO, um curador que desenvolve Tinnitus após o falecimento da esposa japonesa, companheira de uma vida. Perturbado com os sons que o confundem, ele acredita que a doença se esconde nos dutos do ar-condicionado do museu onde trabalha, resultando numa das cenas mais bonitas do filme. Marina o procura entre os quadros, com o Museu já vazio. Lá, as pinturas são cúmplices da estranha sonoridade que assusta Inácio. Será que, nesse caso, o Tinnitus existe fora dele? Queria que a doença derrubasse também um homem forte, o guia emocional de Marina, para acentuar a gravidade que tem a crise de Tinnitus, que quando acontece, não poupa ninguém que sofre com essa condição.

Anthony Hopkins em "Armageddon Time" Foto: Estadão

Iniciada no dia 20, a 46ª Mostra de São Paulo segue até o dia 2 de novembro. Na reta final do evento, a pedida imperdível é prestigiar "ARMAGEDDON TIME", de James Gray. Produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, este drama geracional evoca "Os Incompreendidos" (1959), de François Truffaut, ao enveredar por angústias de jovens rebeldes. O aborrescente em questão, Paul Graff (Banks Repeta) é um jovem judeu de família rica que vai testemunhar a exclusão racial de seu melhor amigo na Nova York dos anos 1980, em suas áreas mais intolerantes. Anthony Hopkins vive o avô batuta do rapaz. E Jeremy Strong tem uma atuação furiosa no papel do pai de Graff. Tem sessão no dia 1º (às 21h10) e no Feriado de Finados (às 16h), no Espaço Itaú Frei Caneca.

p.s.: O drama "Onde está Liz dos Santos?" faz duas apresentações no Teatro Firjan SESI Caxias nesta quinta e nesta sexta-feira (27 e 28/10). A peça reflete sobre as relações de poder nas sociedades autoritárias e a memória e força das vítimas nas narrativas históricas. Com texto de Beatriz Malcher e direção de Tatiana Tiburcio, o espetáculo acompanha o desaparecimento de uma artista engajada politicamente numa cidade dominada por milicianos. A obra foi escrita durante a 6ª turma do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI, com coordenação de Diogo Liberano.

p.s.2: Eros e Thanatos, deuses mitológicos que na psicanálise correspondem ao desejo erótico e ao fascínio pela destruição, vivem simultaneamente em todo ser humano. É a partir desse entendimento de coexistência entre as pulsões de vida e de morte que se desenrola "Tráfico", monólogo do franco-uruguaio Sergio Blanco que estreia, dia 3 de novembro, no Teatro Poeirinha. Com direção de Victor Garcia Peralta, o espetáculo foi idealizado pelo ator Robson Torinni, que entra em cena como um garoto de programa que acaba se tornando um matador de aluguel diante da falta de oportunidades na vida. A montagem repete a bem-sucedida parceria entre autor, diretor e ator, depois de "Tebas Land" (2018), que fez temporadas premiadas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

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