Novela ‘Todas as Flores’ fala sobre mães e filhos, deficiência visual e o universo da perfumaria

Folhetim que estreia no Globoplay terá 45 capítulos exibidos até dezembro; segunda parte está prevista para o período entre abril e junho de 2023

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Por Danilo Casaletti

Criador de Carminha (Avenida Brasil) e Flora (A Favorita), João Emanuel Carneiro está de volta aos folhetins com suas vilãs maquiavélicas e suas mocinhas de personalidade dúbia. Agora, em um novo formato. Uma novela com cerca de 80 capítulos, com estreia exclusiva no streaming.

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Todas as Flores, que chega ao Globoplay no dia 19 de outubro, contará a história de Maíra, uma menina cega, criada em Pirenópolis, Goiás, que é procurada pela mãe, a perversa Zoé (Regina Casé) com o intuito de que ela doe a medula para a irmã, a egoísta Vanessa (Leticia Colin), que sofre de leucemia. Só quem sabe das verdadeiras intenções de Zoé é Judite (Mariana Nunes), moradora do bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, madrinha da Maíra.

A história dessas mulheres é interligada por Humberto (Fábio Assunção), amante de Zoé e pai de Pablo (Caio Castro), filho de Judite e amante de Vanessa, e Rafael (Humberto Carrão), noivo de Vanessa que se apaixona por Maíra. Ou seja, o melhor estilo de novelão. A direção artística é de Carlos Araújo.

Todas as Flores terá blocos de cinco capítulos liberados semanalmente até 14 de dezembro, totalizando 45 episódios. A segunda parte está prevista para entrar no Globoplay de abril a junho de 2023, quando estará disponível também para o mercado internacional. A plataforma irá publicar ainda minidocumentários sobre deficiência visual, com histórias reais.

O primeiro capítulo da novela será transmitido em uma live na plataforma, aberta para não assinantes, nesta quarta, 19, às 20h. A transmissão da novela será feita por dois sinais diferentes, o primeiro com áudio original e o segundo com o recurso de audiodescrição. Os demais quatro capítulos do primeiro bloco ficarão disponíveis na sequência e toda obra entrará no catálogo com e sem audiodescrição.

Sophie Charlotte, Mariana Nunes, Regina Casé e Letícia Colin, no elenco da novela de João Emanuel Carneiro. Foto Estevam Avellar/Globo Foto: Estevam Avellar / Globo

O Estadão conversou com as quatros protagonistas femininas da trama. Todas encantadas e curiosas com o rumo que Carneiro estão dando a suas personagens. E, assim como em outras novelas do autor, a expectativa é a de que o telespectador se surpreenda com as reviravoltas da história.

Leticia Colin, a Vanessa

A Vanessa começa a novela com câncer. E, ao contrário do que acontece em momentos decisivos como esses, ela não revê seus valores. A vilania dela só cresce. Como você pegou essas informações para dar vida a essa personagem?

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A Vanessa não se conecta com nada que não tenha a ver com seu umbigo. Ela é autocentrada desde criança para viver em um mundo de poder, usar roupas caras, fazer um bom casamento. Ela usa o fantasma do câncer como uma moeda de troca. É interessante porque, a princípio, a gente não pensa na vilã com essa vulnerabilidade (a doença). Isso é uma jogada de mestre do João. Com essa vida voltada para as armações e para o desejo de ter, ela está sempre exausta, no limite. Com a mãe, ela tem uma cumplicidade de manipulação e muita competição. Algo bem paranoico. E isso gera, muitas vezes, situações de humor. Beira ao cômico.

Você e a Sophie Charlotte gravaram juntas As Rosas Não Falam, de Cartola, que será o tema de abertura da novela. Pode estar na letra da canção a chave para entender a relação dessas irmãs?

Tem, sim. O Carlos (Araújo, diretor artístico) sempre trouxe para nós a imagem da riqueza das flores. Cada uma dessas mulheres dentro das variações que elas têm. Algumas são mais espinhosas, outras mais acolhedoras, outras mais carnívoras. Nós brincamos dentro desses arquétipos. A letra dessa canção traz coisas que não são ditas, não são percebidas. E a novela tem muitas armações que só são descobertas mais para frente. As flores (as personagens) estão sentindo, pulsando, mas não estão necessariamente dizendo.

Mariana Nunes, a Judite

A Judite vai ser a grande antagonista da Zoé. O que mais você pode contar sobre a personalidade dela?

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Ela é uma mulher solar, magnética. Com uma ética forte e retidão em seu comportamento. O grande barato do texto do João é colocar essas personagens à prova. Até quando ela sustenta isso? Será que isso servirá para todas as situações da vida? Conforme os capítulos estão chegando, vejo que a Judite não é perfeita. Ela guarda um segredo a sete chaves que é a paternidade de seu filho. Até antes de Maíra chegar, apenas os dois moram juntos. Judite, mais do que trazer a Maíra para o lado dela, faz de tudo para protegê-la da Zoé. Isso tem a ver com questões do passado que nem nós atores sabemos ao certo ainda.

É uma característica do texto do João Emanuel. Como vocês lidam com isso?

É um quebra cabeça. É como se ele me desse autonomia na criação. Porque quando me falta uma informação, eu, como atriz, tenho que arrumar, intuir e criar um caminho para a personagem. É um exercício maravilhoso.

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E a relação dela com o filho, Pablo, um sujeito de caráter duvidoso, como se dá?

Nisso há uma falha da Judite que a humaniza. Ela vacilou em não contar para o filho quem é o pai dele. Ela não teve condição de dividir isso com ele, o que é grave. Pablo diz a ela “eu sou desse jeito porque você não soube me criar”.

Regina Casé, Zoé

Quem é essa mulher e, sobretudo, quem é essa mãe?

Ela ainda é um mistério. Me surpreende todos os dias. O João Emanuel fez questão de não me dar a sinopse da novela. A Zoé é uma pessoa muito complexa, muda a cada cena. Não é uma personagem linear. No primeiro capítulo ela faz barbaridades. Nos seguintes, conquista a Maíra, faz bolo para ela. É uma mulher que você pode subir junto em um elevador e não perceber a maldade dela. O diretor me pediu uma vilã leve, engraçada. É assim que eu faço, mas, de repente, tem um acontecimento que o telespectador vai cair duro.

E, de fato, é sua primeira vilã na televisão, não?

Sim, minha primeira vilã, primeira loura, primeira rica, primeira carioca. Olha que loucura! Nunca havia feito ninguém nem de classe média. E isso tem um significado muito profundo para mim. É quase como se eu, depois de tantos anos de carreira, estivesse estreando como atriz. É como se não fosse algo autoral. Nos outros personagens que fiz, havia uma concordância com o meu discurso, minha trajetória, com o que eu vi nos últimos trinta anos viajando o Brasil inteiro. A dona Lourdes (Amor de Mãe) era uma nordestina pobre. A Tina Pepper (Cambalacho), uma menina da periferia de São Paulo. Já a Zoé faz coisas que eu jamais faria, mora em um lugar que eu jamais moraria - um condomínio na Barra da Tijuca. Sim, eu moro na zona sul do Rio, mas as pessoas que eu conheço e converso são como os cortadores de cana (sua personagem no filme Eu, Tu Eles).

Na novela, você está loura (Regina usa uma peruca). Por que escolheram essa caracterização?

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Acho que não existe uma mulher como a Zoé que não seja loura. Eu, no começo, estranhei. Mas outro dia fui gravar uma externa em um prédio corporativo na Barra. Quando entrei no elevador, havia quatro mulheres com o mesmo cabelo da Zoé. Todas tinham peitos e bundas enormes. Tudo era artificial. Eu estava até naturalzinha perto delas...

Sophie Charlotte, a Maíra

A Maíra é uma personagem cega. Como você a desenvolveu, com essa diferença no olhar e certamente fugindo de qualquer caricatura?

Se eu tivesse que fazer um paralelo com outro trabalho meu, seria a personagem que fiz em (na série) Passaporte para a Liberdade, no qual eu atuava em inglês e, por conta disso, eu precisei colorir cada palavra com memórias e vivências, pois elas tinham sentido, mas não emoção. A descoberta do corpo da Maíra passou por um processo parecido. Nós, pessoas videntes, entendemos e absorvemos o mundo de uma forma até mesmo mais limitante que uma pessoa cega. Foi forte. É um estar em cena diferente. É uma projeção, claro, mas se pretende colocar em situação e servir como uma possibilidade de questionamento da luta anticapacitista (a novela terá audiodescrição).

Há um ponto muito interessante no qual a Maíra vai trabalhar em uma fábrica de perfumes, com o olfato, onde ela se encontra com o Rafael (Humberto Carrão), por quem se apaixona...

Essa ligação com a perfumaria veio do pai, o Rivaldo, que era perfumista. Tem muita memória envolvida, um ofício passado de pai para filha. A beleza desse encontro com o Rafael é no prazer do ofício. Há uma troca, um encanto. O diálogo intelectual entre eles é muito interessante. A perfumaria tem uma língua própria que é onde eles se encontram. Esse é justamente o universo do qual a Vanessa não participa.

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