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Tradutor escreve sobre o drama de refugiados poloneses

Em ‘The Stone World’, de Joel Agee, um menino tenta dar sentido à vida

Por Joan Frank
Atualização:

Fãs do romancista, memorialista, ensaísta e tradutor Joel Agee, regozijem-se. (E aqueles que não o conhecem, apertem os cintos). Depois de seu último e admirado livro de memóriasIn the House of My Fear, vem aí um novo romance extremamente belo, The Stone World.

Agee é formalmente conhecido como o filho do falecido James Agee, vencedor do prêmio Pulitzer por A Death in the Family. Mas o calibre e o alcance da obra do Agee mais jovem o destacam há muito tempo. Embora seu trabalho de tradução tenha ganhado muitos prêmios, ele ainda pode ser mais conhecido por seu impressionante primeiro livro de memórias, Twelve Years: An American Boyhood in East Germany, um relato da infância tardia (1948-1960) com sua mãe americana, padrasto alemão e irmão mais novo depois que a família migrou do México para a Alemanha OrientalTwelve Years continua sendo um clássico entre os leitores – tão profundo, intenso e puro, o autor Jim Lardner me disse certa vez, “que você não consegue parar de comprar seguidas edições”.

Na instalação de Yoko Ono, no Mori Art Museum, questiona a condição dos refugiados com cores frias e um barco tombado Foto: Mori Art Museum

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Stone World talvez seja uma espécie de prequel ficcional de Twelve Years. Ele começa numa cidade mexicana sem nome da década de 1940, onde Peter, um menino quieto e sensível de cerca de 6 anos, vive com sua mãe americana, Martha, violinista, e seu padrasto alemão, Bruno, escritor comunista exilado: “Quando [Bruno] entrava no seu estúdio para escrever, ele dizia que tinha de trabalhar. O espaço onde trabalhava estava sempre cheio de fumaça, e ele sempre parecia preocupado quando escrevia (...). Numa parede perto da sua mesa havia uma foto vermelha brilhante de um braço de homem fechando um punho em riste em cima de algumas palavras alemãs”.

Os amigos de Peter falam espanhol e pronunciam seu nome “Pira”, o que o agrada por soar “até mais mexicano do que Pedro (...). Não era bom ser gringo, palavra que sempre soava meio mal (...). Às vezes, Pira rezava para ter permissão para ser mexicano”. A empregada doméstica, Zita, uma presença calorosa e animada, cuida de Pira com ternura, assim como seu namorado, Federico, cujas lutas como operário em outra cidade chamam a atenção da família de Pira, sempre preocupada com a justiça. No pano de fundo do enredo vemos o pai biológico de Pira, David, que mora em Nova York e raramente vê o filho, mas escreve para ele. “Um dia você vai encontrar [David] de novo”, Martha lhe assegura, “e você verá que ele te ama”.

Esses adultos formam um círculo de proteção ao redor da criança. Eles não o excluem nem o protegem demais; Pira os ama incansavelmente. Certa vez, David assina uma carta dizendo “Com todo meu amor”:

“Pira nunca tinha ouvido essas quatro palavras juntas assim. E as ficou repetindo na cabeça (...). O ‘todo’ era uma coisa tão grande (...). Quanto amor seria isso? Era quase assustador”.

Bruno pertence a um grupo de emigrantes do Leste Europeu que fugiram dos nazistas e fascistas para o México. Muitos anseiam por retornar às suas terras de origem, mas temem o que os espera lá. Eles conversam muito sobre isso. Esse foco premente aumenta uma tensão sutil sob a superfície da história, pois The Stone World acompanha a absorção cuidadosa e muitas vezes dolorosa de Pira do mundo desconcertante que está ao seu redor – e dos mundos desconhecidos que estão por vir.

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Quadro 'Los Rivales', de Diego Rivera Foto: Christie's via AP

O que diferencia este romance – o que marca seu poder de fascinação – é uma voz e uma perspectiva (contadas numa terceira pessoa muito próxima) que são apenas da criança. A percepção adulta nunca assume o controle, exceto quando relatada por Pira. Não consigo me lembrar de nada parecido. De imediato, essa dinâmica puxa o leitor para as profundezas de sua própria infância – por meio de uma prosa tão simples e direta que quase desaparece. “Claro feito a luz” foi minha primeira anotação.

Não estamos apenas ao lado da criança: estamos dentro da cabeça da criança.

É um feito magistral. Depois que Zita conta ao menino sobre sua fé na oração, e a mãe de Pira tenta explicar a ideia de graça religiosa (“é um pouco como a sorte”), Pira pensa que a graça “parecia ser coisa de mulher, e ele ia ser homem. Se rezasse, rezaria para El Señor Jesus, o deus do amor (...). Mas [Jesus] foi pregado numa cruz (...). Ele mesmo precisou de ajuda. Então, quando Pira rezou, ele orou a Deus (...), o pai de El Señor Jesus. Ele sabia tudo e podia fazer qualquer coisa, então fazia mais sentido rezar para ele”.

A mente de Pira, como a da maioria das crianças, é uma espécie de filme que registra tudo – micro a macro – na dimensão mais vibrante: a catedral e o mercado da cidade, a pobreza e a riqueza, a ética e a guerra, a embriaguez, o racismo, a amizade, o medo, o mistério da morte e, de fato, uma certa graça recorrente. Pira pergunta Bruno sobre o dia em que tiveram de sacrificar um animal de estimação muito amado, mas acometido pela raiva:

“Você chorou?”

“Sim”.

“Pobre Tonta”.

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“Sim, pobre Tonta”.

“Aí se fez um grande silêncio (...) maior do que a sala onde eles estavam”.

Tais momentos – como tantos outros, maravilhosos por sua simplicidade e profundidade – se perpetuam como pequenos milagres. Os leitores habitam tanto o adulto que entende a situação e quanto a criança que tenta desesperadamente entendê-la. Uma grande ternura infunde esta narrativa, sem nunca se desviar para a preciosismo. O escopo exuberante do enredo – da vida de sonho profundo de Pira e da paisagem do poderoso vulcão cujas antigas histórias ele memorizou até crises variadas, entre elas a picada quase fatal de um escorpião – revela o despertar gentil e indefeso do menino para suas próprias falhas e as dos outros. Requintada meditação sobre a linguagem, o significado, o anseio humano e a própria consciência, Stone World deixará os leitores em estado de levitação.

The Stone World

Joel Agee

Melville House - 240 páginas - US $27.99

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O mais novo romance de Joan Frank é The Outlook for Earthlings. Sua próxima coleção de ensaios, Late Work: A Literary Autobiography of Love, Loss, and What I Was Reading, será publicada em novembro de 2022.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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