Trecho de "Uma História da Cidade da Bahia"

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Por Agencia Estado
Atualização:

Ocorre que já o nosso século 17 assistira ao encontro entre uma linguagem internacional ? o barroco ? e a contextura eco-sócio-antropológica da Cidade da Bahia e seu Recôncavo. E com frutos originais, se comparados aos da matriz européia. Sim. Se, em matéria de arquitetura, o barroco baiano não primou exatamente pela originalidade, é também verdade que a invenção fez folia nos campos da estética verbal, com a poesia barroco-popular de Gregório de Mattos. Do mesmo modo, o sermonário vieiriano, em sua dimensão antropológica, floresceu na encruzilhada baiana do barroco e do trópico. Para que Gregório de Mattos existisse, foi preciso que antes existissem tupinambás, que portugueses e africanos tivessem feito a travessia atlântica e que a estética barroca (cosmopolita, nucleada nas penínsulas Ibérica e Itálica) chegasse e logo se imiscuísse em nossos trópicos. Por isso mesmo é que Araripe Júnior pôde escrever que Gregório ?foi a floração da mais híbrida sociedade que tem havido no mundo?. Linguagem internacional da produção estética seiscentista, o barroco cruzou o mar oceano para se deparar com as realidades e linguagens múltiplas das Américas. (...) Mas vejamos essas relações onde o parentesco é mais direto ? e se dá no âmbito da mencionada dialética do cosmopolita e do antropológico. Do barroco do sincretismo ao neobarroco sincrético, portanto. A uni-los, a consciência da arte como linguagem, a postura lúdica diante dessa mesma linguagem, o tripé distintivo da polissemia, da prática sígnica intratextual e da intertextualidade. É o que vamos encontrar, em graus variáveis, em obras de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Glauber Rocha, João Ubaldo Ribeiro. Do barroco ao neobarroco, uma linguagem se exibe em sua transtemporalidade, modos operandi sígnico atravessando dinamicamente os séculos. Nossos traços africanos já não são somente os do período de Vieira e Gregório, graças à poderosa intervenção da cultura nagô-iorubá, na virada do século 18 para o 19. Mas continuamos afrolatinos.

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