RIO - Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, passou quatro horas depondo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na região central do Rio, onde apresentou sua perspectiva sobre a sistemática de operações e os desdobramentos que levaram a varejista ao rombo contábil de R$ 20 bilhões, informado em janeiro.
O executivo chegou de carro, perto das 9h, para ser ouvido pela Superintendência de Processos Sancionadores, acompanhado de advogado. Subiu ao quinto andar do prédio, aparentando tranquilidade, para realizar o cadastro e, depois, avançar para o 26º andar. Saiu por volta de 12h40.
De acordo com interlocutores, ele trouxe a narrativa de que um problema financeiro foi transformado em problema contábil.
Morador do Rio de Janeiro, Gutierrez é o maior acionista individual da companhia depois dos três acionistas de referência. Ele deixou a Americanas em dezembro.
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Também nesta semana, a reguladora do mercado de capitais brasileiro ouviu Marcio Cruz, que já presidiu a B2W e foi CEO da Americanas digital. O executivo foi afastado no mês passado. A reguladora não informa quem serão os próximos depoentes.
A Americanas está no centro das atenções desde a revelação, em 11 de janeiro, das inconsistências contábeis. A divulgação foi feita por Sergio Rial, sucessor de Miguel Gutierrez no cargo de CEO da Americanas e consultor da companhia nos quatro meses anteriores a seu início na liderança da varejista.
Rial, porém, ficou apenas nove dias no cargo de CEO, indicando a descoberta das “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões como a razão de sua saída. Então, foi detalhado que os débitos se referiam a contratos de forfait (risco sacado). Na modalidade, a companhia toma crédito junto aos bancos, que recebem direto dos fornecedor.
O uso de forfait pela Americanas seria de conhecimento geral, tendo passado pelo crivo não só de contadores, mas também do jurídico e do compliance. A adoção da modalidade estava descrita no balanço. Também esteve na mira de auditores e advogados, especialmente quando da fusão com a B2W, em abril de 2021.
Atuação da reguladora
Desde a eclosão do escândalo, em 11 de janeiro, o órgão regulador instaurou uma força-tarefa para investigar, apurar e identificar irregularidades envolvendo a varejista. Fazem parte do grupo sete superintendências: de Relações com Empresas, de Relações com o Mercado e Intermediários, de Normas Contábeis e Auditoria, de Processos Sancionadores, de Proteção e Orientação aos Investidores, de Registro de Valores Mobiliários e de Securitização.
Ainda em janeiro, no dia 27, foram instaurados dois inquéritos administrativos. Um deles investiga o possível uso de informação privilegiada (insider trading). Este procedimento deriva de processo administrativo aberto já em 12 de janeiro pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários para apurar eventuais irregularidades nas negociações com ativos de emissão da Americanas.
O outro inquérito administrativo foi instaurado para apurar irregularidades relacionadas às inconsistências contábeis. É desdobramento de processo administrativo aberto pela Superintendência de Relações com Empresas para apurar eventuais irregularidades envolvendo informações contábeis.
Além disso, tem dez processos administrativos em andamento. Quatro deles foram abertos pela Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores para apurar queixas e denúncias recebidas pelos canais de atendimento da autarquia.
Um processo administrativo, aberto em 12 de janeiro, dia seguinte à divulgação do rombo de R$ 20 bilhões, pela Superintendência de Relações com Empresas apura eventuais irregularidades na divulgação de notícias, fatos relevantes e comunicados. Outro, instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas, analisa a conduta da companhia, acionistas de referência e administradores nas informações contidas no pedido de tutela cautelar antecedente em comparação com o fato relevante do dia 11 e no pedido de recuperação judicial.
O processo instaurado pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários trata da atuação de intermediários enquanto coordenadores líderes em ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários da Americanas.
A Superintendência de Supervisão de Securitização, por sua vez, está avaliando a atuação das agências de classificação de risco de crédito nas emissões da Americanas. E a Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria tem dois casos: um investiga a atuação da PwC e da KPMG, que auditaram os balanços da varejista.
A CVM informou ainda que o andamento dos procedimentos está sendo acompanhado internamente no âmbito do Comitê de Gestão de Riscos, nos termos da Resolução CVM 53, que estabelece o sistema integrado de gestão de riscos da Autarquia.
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