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Bairros nobres de São Paulo têm o maior crescimento nas vendas de imóveis; veja ranking

Especialistas afirmam que público de alta renda tende a se concentrar em poucos bairros por questões culturais, gerando segregação da população mais pobre, levada cada vez mais à periferia

Foto do author Lucas Agrela
Por Lucas Agrela

Os bairros mais nobres de São Paulo foram os que mais tiveram crescimento no número de vendas de imóveis na cidade entre junho e agosto de 2023. Vila Clementino, Itaim Bibi e Alto de Pinheiros compõem o topo do ranking de bairros com mais negócios no período, segundo estudo elaborado pela empresa de tecnologia imobiliária Loft.

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A Vila Clementino, cujo metro quadrado custa, em média, R$ 12.793, ficou em primeiro lugar no ranking, com aumento de 79% nas vendas. O bairro popular Cidade Tiradentes, localizado a 35 quilômetros do centro da capital paulista, foi o “intruso” no pódio, ficando em segundo lugar, com crescimento de 63%. Lá, o metro quadrado custo R$ 2.866. O terceiro lugar ficou com Itaim Bibi e quarta, Alto de Pinheiros (ver mapa).

O gerente de dados da Loft, Fábio Takahashi, afirma que o crescimento das regiões nobres se dá por fatores macroeconômicos do País. O crescimento dos negócios em regiões mais ricas e queda de transações em bairros mais periféricos reflete como tem se acentuado a disparidade de renda da população.

“Atribuímos a ampliação da diferença dos negócios fechados em bairros nobres em relação a bairros mais pobres à taxa de juros, que influencia no financiamento imobiliário”, diz Takahashi. Segundo ele, quem busca apartamento de alto padrão nos bairros mais valorizados tende a depender menos ou não precisar de financiamento, diferentemente do que acontece com quem busca imóvel em bairros mais desvalorizados. “O acesso ao financiamento está mais difícil agora, mesmo com a queda da Selic nos últimos meses. Quem pode comprar à vista aproveita as oportunidades que aparecem”, diz Takahashi.

Lançamento da Cyrela, em São Paulo Foto: DANIEL TEIXEIRA

Segundo estimativa da empresa, o tempo médio para a venda de um imóvel no Brasil é de 16 meses, em parte, devido à falta de dados de mercado para orientar os proprietários na hora de precificar uma residência para a venda.

A análise da Loft abrange apenas as transações de apartamentos, que correspondem à maioria dos negócios imobiliários na cidade de São Paulo. “O estudo tem como base o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), com dados coletados junto à Prefeitura. Não são transações da Loft ou parceiras. São todas as transações da cidade. São dados externos, e não só da própria empresa. Enriquecemos a base de dados com a inserção de bairros para fazer nossas análises, assim como fazemos os preços de anúncios por metro quadrado”, afirma Takahashi.

Segundo o levantamento, em números absolutos de negócios fechados, o destaque ficou com o bairro da Santa Cecília, que teve 160 transações, seguida pelo Itaim Bibi, com 149, e pela Vila Romana, com 126.

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O presidente da incorporadora Idea!Zarvos, Otávio Zarvos, afirma que o público de alta renda de São Paulo se concentra em poucos bairros, como Jardins, Pinheiros e Itaim Bibi, por motivos relacionados à cultura, ao status e à proximidade aos locais de trabalho.

“A classe super alta, no máximo, dá uma ‘beliscada’ em imóveis perto dos que já tem. Mas ela vai ficar ali e os terrenos ali estão acabando. Em alguns bairros, eles praticamente acabaram. Se você quiser fazer um prédio no Itaim, não tem, tem de demolir outro”, afirma Zarvos.

O diretor comercial da startup de crédito Creditú, Armando Botelho, afirma que houve aumento na procura por imóveis em regiões nobres da capital paulista devido a uma combinação de fatores, como o retorno ao trabalho presencial em muitas empresas. Porém, a taxa de juros em patamar elevado como esteve desde o ano passado ainda inibe as compras de residências em regiões mais afastadas do município, fora do centro expandido, o que tende a melhorar com uma retomada da economia.

“A queda do juro, quando de fato chegar ao financiamento imobiliário, pode fazer com que a parcela se encaixe melhor na renda do brasileiro. O mercado tem hoje algumas oportunidades, dado o momento de juro, inflação e plano diretor da cidade de São Paulo, fatores que impactam no preço dos imóveis”, diz Botelho.

Precisamos fazer a manutenção da diversidade no espaço urbano. Ela não acontece sozinha

Ligia Rocha, sócia diretora da JWurbana

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Já na visão da sócia diretora da JWurbana Arquitetura e Urbanismo, Ligia Rocha, a concentração do público de alta renda em poucos bairros já conhecidos por esse perfil de moradores tende a ampliar a desigualdade social e prejudicar a segurança pública na cidade. “Precisamos fazer a manutenção da diversidade no espaço urbano. Ela não acontece sozinha. O mercado age no mesmo território e deixa o público cada vez mais homogêneo, empurrando as classes mais baixas cada vez mais para a periferia”, afirma Ligia.

A especialista diz ainda que a cidade deveria ter um planejamento urbano voltado à criação de uma cidade funcional para todos, e não apenas para a parte da população mais rica. “O Plano Diretor de São Paulo precisava de um ajuste fino para dar certo a tentativa de levar o desenvolvimento imobiliário para mais bairros. Mas fizemos o oposto. O plano ampliou a capacidade do mercado de agir nos mesmos lugares de sempre. Deveríamos restringir a construção nas áreas mais consolidadas, até porque essas regiões não são infinitas”, diz.

Cidade Tiradentes e Aricanduva

O ranking da Loft mostra o crescimento no número de transações em dois bairros da Zona Leste da capital paulista que não estão entre os mais nobres da cidade: Cidade Tiradentes e Aricanduva.

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O preço do metro quadrado (m²) na Cidade Tiradentes é estimado em R$ 2.866, enquanto o valor do m² em Aricanduva é mais de duas vezes maior, sendo de R$ 6.190. Os preços são muito inferiores aos cobrados em bairros nobres, que variam entre R$ 10.714 em Higienópolis e R$ 16.190 no Jardim Europa.

Para Takahashi, em Aricanduva, quem tem dinheiro está comprando imóvel. “A possibilidade é de pessoas aproveitando oportunidades de preço, porque o bairro não está muito valorizado. É uma oportunidade com boa infraestrutura”, diz.

No extremo da Zona Leste, a Cidade Tiradentes ainda carece de opções de transporte. A estação do Monotrilho, por exemplo, que conectará a região à estação Vila Prudente da linha verde do Metrô, ainda não foi inaugurada e segue sem previsão de lançamento. Prevista inicialmente para 2022, a estação gera preocupação pela sobrecarga ao metrô que o bairro pode gerar.

A diretora de incorporação da Plano&Plano, Renée Silveira, focada em imóveis de interesse social, afirma que a Zona Leste ainda tem muitas oportunidades para o mercado imobiliário. Desde 2007, a empresa lançou 8 mil apartamentos em 54 empreendimentos, sendo que mais de 7.500 unidades lançadas no período foram vendidas.

“A Zona Leste tem um terço da população da cidade. Sendo a região mais populosa, a região tem a maior demanda de domicílios. Ainda há necessidade de 64 mil moradias novas apenas nessa área”, diz Silveira.

Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Valter Caldana, o aumento de vendas nos bairros da Zona Leste da capital paulista representa apenas as exceções que confirmam a regra de que o desenvolvimento imobiliário ainda está centrado nos bairros nobres.

“O estudo demonstra uma forte distorção entre a produção de unidades de apartamentos e a demanda, do ponto de vista da sociedade. Há um descasamento entre as necessidades da sociedade. A produção de apartamentos está focada em nichos de mercado. Essa distorção é o que tem sido muito grave em São Paulo, reflexo do modelo de produção segregador na cidade. Ele segrega fisicamente pessoas em segmentos sociais, etários, culturais e em modelos familiares”, afirma Caldana.

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Apartamentos pequenos e médios

Os apartamentos pequenos tiveram maior crescimento de vendas nos bairros do Ipiranga, Cachoeirinha, Vila Madalena, Butantã, Moema (Pássaros) e Itaim Bibi, reforçando a dominância das vendas nas regiões nobres da cidade. O ranking considera apartamentos de até 90 m², número que abrange não só a área privativa, mas também trechos de áreas comuns.

Já os apartamentos de médio porte tiveram vendas concentradas em Moema (Pássaros) e Vila Romana. Esses imóveis tinham até 139 m² de área construída.

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