O programa Minha Casa, Minha Vida parece ter acompanhado a desaceleração generalizada do mercado imobiliário, com menor ritmo de contratações no segmento econômico tornando mais urgente a adequação de valores e, em um cenário mais radical, a criação de metas para entregas de imóveis. Embora uma das metas do programa do governo federal seja contratar o maior volume de unidades para a população que ganha até 1.600 reais --a chamada faixa 1--, das cerca de 900 mil moradias contratadas na segunda fase do projeto, menos de um terço é destinado a essa faixa de renda. Além do antigo pleito do setor para que haja reajuste no valor teto para construção das moradias principalmente em grandes centros urbanos, contribuiu para o cenário a redução do ritmo de lançamentos em função do desaquecimento do setor e a saída de muitas empresas do programa. "Nitidamente, algumas construtoras cujo foco não era o Minha Casa, mas tentaram empreendimentos, não vão voltar a atuar no programa", afirmou o analista Wesley Bernabé, do BB Investimentos. "Demanda não é problema, mas sim a execução pelo preço dos terrenos e o limite de financiamento." Atualmente, permanecem atuando de forma mais expressiva no programa MRV Engenharia e Direcional Engenharia, dentre as companhias do setor listadas na Bovespa. "Hoje as empresas não querem ouvir falar de Minha Casa, Minha Vida", resumiu o professor titular do núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da USP, João da Rocha Lima Jr., em evento recente do setor. O governo elevou no fim de agosto o valor máximo para as contratações na faixa 1 do programa em cerca de 15,6 por cento. Esse recente aumento de teto para a faixa mais baixa de renda, segundo agentes do setor, tende a aliviar a situação para as empresas, principalmente as construtoras de menor porte, que concentram a maior parte do programa. "A atualização de valores deve destravar o programa e as contratações devem retomar", disse a economista e coordenadora de projetos da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ana Maria Castelo, ponderando que "os reflexos não virão este ano, mas em 2013". Ainda no sentido de ajustes, o governo vem discutindo junto à Caixa Econômica Federal, principal agente financeira do programa, a atualização de valores para as outras duas faixas do programa. Na segunda-feira, o presidente da Caixa, Jorge Hereda, afirmou que o governo está propondo reajustes tanto nos juros quanto nos limites de financiamento, o que deve acontecer "em breve". O limite de financiamento nas capitais é de 170 mil reais, o que tem feito com que a população que migrou para a classe média pelo aumento de renda não consiga participar do programa, em meio à alta nos preços dos imóveis. "É preciso que o governo realinhe os parâmetros de enquadramento", disse o diretor executivo de crédito imobiliário da MRV, José Adib Simão, citando o aumento dos preços de imóveis como consequência dos altos custos de construção, o que levou ao desenquadramento de compradores no programa. Até 31 de agosto, a segunda fase do programa --implementada há quase 20 meses-- contratou 900.842 unidades habitacionais nas três faixas de renda, da previsão de 2,4 milhões de contratações até 2014, de acordo com números do Ministério das Cidades. A maior parte do volume (529.096 moradias) foi voltada à faixa de renda mensal familiar de até 3.100 reais, enquanto a primeira faixa do programa teve 288.370 moradias contratadas, ante meta de 1,2 milhão de unidades até 2014. META DE ENTREGAS Do total de 1 milhão de unidades que foram contratadas na primeira fase do "Minha Casa, Minha Vida", quase metade ainda não foi entregue. Assim, a primeira etapa do programa, lançado em abril de 2009, será completamente concluída apenas no ano que vem. Para a fase que está em andamento, foram entregues até agora 315.847 moradias, com um número bastante baixo para a faixa 1, que teve apenas 7.360 unidades concluídas até agora. "Se considerarmos que o ciclo de construção de empreendimentos econômicos é menor, de 18 a 24 meses, as entregas da primeira fase deveriam ser concluídas no fim deste ano", assinalou Bernabé, do BB Investimentos, ressaltando que "faz todo sentido estabelecer uma meta para entregas também". As empresas, por sua vez, poderiam ser afugentadas pelo estabelecimento de uma meta para construção, segundo ele, mas o benefício ao comprador seria indiscutível. Simão, da MRV, discorda. "Para a MRV, uma meta de entregas não seria prejuízo, pois antecipamos a construção das obras... Seria importante para o cliente", disse. O ciclo de construção da MRV é de 14 a 15 meses para imóveis que se enquadram nas faixas 2 e 3. No caso de imóveis nos segmento de renda mais altos, o ciclo pode chegar a 36 meses. Também citando a ausência de uma meta para entregas, o presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-SP), José Augusto Viana Neto, destacou como um dos ajustes a serem incorporados ao programa a concessão dos mesmos benefícios a imóveis usados. "É mais que urgente frente ao atraso na entrega dos imóveis novos já contratados através do programa. Os imóveis usados podem ao menos minimizar o déficit habitacional prontamente", afirmou. "Já estão lá, nos bairros... rodeados pela infraestrutura necessária."