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Bastidores do mundo dos negócios

Seis meses após SAF, Galo reduz dívida e busca sócio para investir na base

Endividamento do clube mineiro caiu de R$ 2,1 bilhões para R$ 1,3 bilhão

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Por Cristiane Barbieri (Broadcast)
A Arena MRV é uma das principais entradas para recursos novos no time Foto: Pedro Souza/Atlético - 23/08/2023

Seis meses após ter vendido 75% de sua Sociedade Anônima de Futebol (SAF) a investidores, o Clube Atlético Mineiro (CAM) começa a ver os primeiros resultados da transformação do time numa empresa profissional, com direito ao primeiro título, a conquista do Campeonato Mineiro. Com dívidas de R$ 2,1 bilhões à época da formação da SAF, que lhe garantiu a bem menos charmosa taça de clube mais endividado do País, o Galo implantou processos, governança, renegociou e reduziu dívidas, e começa aos poucos a incrementar as fontes de receita.

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O primeiro balanço será divulgado no dia 30, mas o clube tem tentado tornar sua geração de caixa positiva, enquanto conversa com investidores interessados em criar uma nova estrutura de base. “Buscamos um modelo de negócios coerente para que o time fique competitivo de maneira mais perene”, diz Bruno Muzzi, presidente da SAF do Galo. “Estamos avançando aos poucos, mas sabemos que só conseguiremos destravar valor num patamar muito maior quando finalmente conseguirmos montar uma liga única de futebol.”

Tem sido um longo e trabalhoso processo, ainda muito distante de acabar. Engenheiro civil com mestrado em finanças nos EUA, Muzzi chegou ao Atlético, via MRV, em 2017, com a missão de construir a Arena MRV, o que incluiu a estruturação financeira do projeto. Montou Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) com base tanto em recursos a serem recebidos da Multiplan (que comprou uma fatia do shopping Diamond Mall, instalado na arena, por R$ 170 milhões) quanto nos direitos de camarotes, cadeiras cativas e outras propriedades da estrutura. Foram dois CRIs, que somaram R$ 470 milhões.

Executivo atuou na construção da Arena MRV

Em 2020, recebeu o primeiro convite para comandar a reestruturação financeira do Galo, mas achou que não era o momento. “A obra da arena estava iniciando e eu precisava estar ali”, diz ele. As licenças da construção foram aprovadas um dia antes do início do “lockdown” da pandemia, o que envolveu mais custos e a montagem de uma estrutura especial para que o trabalho fosse iniciado.

Dois anos depois, com a construção da arena praticamente finalizada, Muzzi resolveu aceitar o convite para comandar a associação do Atlético Mineiro. O time tinha chances efetivas de quebrar. Durante anos a fio, a dívida foi mal gerida e, com parte dela contraída com juros baixos, ficou inviável quando a taxa básica foi para 13% de maneira rápida. “Juro alto é o pior veneno para endividamento bancário”, diz.

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Mas havia mais: dívidas fiscais, trabalhistas, com financeiras, agentes, outros clubes, além de sanções da Federação Internacional de Futebol (Fifa), chamadas de “transfer ban”, e de outras entidades. A dívida era cerca de 15 vezes superior ao patrimônio líquido do clube e aproximadamente cinco vezes o faturamento anual.

Gestão estava praticamente impossível

“O clube estava praticamente ingerível, apesar de ter ganhado quase todos os campeonatos em 2021″, diz ele. Isso porque seu torcedor mais famoso no mundo corporativo, Rubens Menin, dono da construtora MRV, do banco Inter e da CNN Brasil, havia feito um aporte no clube para a compra de jogadores. Sem qualquer credibilidade no mercado, o clube também contava com o aval de Menin em todos os empréstimo ou negócios que fizesse.

“Minha primeira missão foi transformar o time numa SAF”, diz Muzzi. O modelo adotado, porém, foi um pouco diferente do existente até então. Em outros clubes, a SAF foi criada como uma estrutura totalmente independente da associação desportiva, que ficava com todas as dívidas. Assim, nascia uma companhia nova na qual eram colocados apenas os ativos ligados a futebol e que destinava 20% do faturamento bruto e uma parte dos resultados à associação, para que a entidade pudesse ir quitando as dívidas.

“A ideia da lei era criar uma UPI (Unidade Produtiva Isolada), figura que existe na recuperação judicial”, diz Carlos Lima, sócio da área empresarial do Pinheiro Neto Advogados. “Quem compra a SAF, não leva as dívidas.”

Time montou estrutura diferente

No caso do Atlético, porém, a situação foi diferente. Primeiro porque como uma recuperação judicial é quase certa para as associações – com o devido corte nas dívidas, na negociação com os credores – muitos estavam conseguindo na Justiça devolver os calotes para que a SAF pagasse. “Imagine o investidor, entrando numa SAF com um planejamento e, de repente, se tornar responsável por um monte de dívidas com que não contava”, afirma Muzzi. “É um risco enorme.”

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Outro ponto é que o principal credor e avalista do Galo é Menin, a quem não interessava deixar o próprio patrimônio no Galo. A SAF foi montada então com o endividamento incluído. Apesar de ser um modelo mais difícil de ser negociado, o Atlético, o BTG Pactual, a Ernst & Young e o escritório Azevedo Sette, que assessoravam o clube, partiram na busca de um comprador, num modelo tradicional de fusão e aquisição. De uma lista 180 possíveis interessados, principalmente estrangeiros, chegaram a 15 nomes, a quem o clube foi apresentado.

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Havia, porém, outro problema: números pouco confiáveis. “O Atlético já era auditado, mas resolvemos fazer uma nova auditoria, de ‘sell side’ (lado vendedor), para que numa eventual diligência do comprador não houvesse quebra de confiança”, afirma Muzzi. Sem controladoria, foram encontradas várias discrepâncias entre o balanço e a situação do clube.

Empresa teve fatia de 75% vendida

Finalmente, em 31 de outubro, a venda de 75% da SAF, que incluía o departamento de futebol, a Arena MRV e o centro de treinamento Cidade do Galo, foi fechada para a Galo Holding. O grupo comprador foi formado pela Família Menin (Rubens e Rafael Menin, que têm 67,9% do total); Ricardo Guimarães (10,27%); e dois fundos de investimento (FIGA e FIP, com 10,91% cada). Os 25% restantes da SAF pertencem à associação.

Do aporte de R$ 916 milhões, R$ 600 milhões entraram no caixa do time. Com a diferença de R$ 316 milhões foi feita uma conversão da dívida dos Menin que se transformou em participação na holding. Como determina a lei das SAFs, foi criado um conselho de administração independente, com sete membros indicados pela Galo Holding e dois pela associação. Muzzi tornou-se o presidente executivo.

Hoje, a dívida do clube soma R$ 1,3 bilhão. Além do aporte dos acionistas, R$ 300 milhões entraram numa negociação do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que alonga dívidas tributárias sobre as quais não incidem juros.

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Débitos foram renegociados

As dívidas bancárias também foram renegociadas. Maior credor do clube na área, o BTG ajudou a empacotar as pendências, conseguir prazos mais longos de pagamento e reduzir os juros. Se antes de se tornar SAF o Galo pagava CDI + 10%, agora as taxas baixaram para CDI + 2,55%. Entre os credores, estão bancos como Pine, Daycoval e Voiter. “Conseguimos alongar porque, como associação, o crédito só era concedido para o período do mandato da gestão em vigor”, diz Muzzi. “Agora, estamos trabalhando também na readequação dos CRIs da Arena MRV.”

Apesar de a situação do clube ainda não ser confortável, Muzzi diz que, agora, as perspectivas são “interessantes”. “Temos uma governança bem estabelecida, orçamento mais controlado e números muito mais fidedignos”, diz ele. “Agora, a trilha é outra. Todas as notas, pagamentos e faturamentos, estão no SAP (sistema de gestão)”, acrescenta.

Além disso, também foi implementado um sistema de power BI, ferramenta de gestão para gerenciamento de dados, que permite enxergar, em tempo real, custos orçados e realizados. “Temos metas bem definidas para cada diretoria e a gente sabe exatamente onde o custo impacta em cada uma das rubricas”, diz ele. “Por exemplo, se compro um jogador, tenho direito de transferência, luvas, salário, comissão de agentes de salário, comissão de agente de luva, comissão com agente do direito de transferências, cada uma com impactos diferentes no demonstrativo de resultados e no fluxo de caixa.”

Novas ferramentas dão mais clareza ao negócio

Com estas ferramentas, diz ele, a gestão consegue ter maior clareza se o departamento de futebol está estourando a projeção estabelecida para o fim do ano. “Isso facilita com que eu tome uma decisão se posso ou não trazer um jogador e se preciso vender algum atleta”, afirma.

Para ajudar as tomadas de decisão ligadas a futebol foi formado um comitê que conta, além de Muzzi, com Sérgio Coelho (presidente da associação), Victor Bagy (diretor de futebol), Ricardo Pentagna Guimarães, Renato Salvador e Rafael Menin (acionistas). Esse comitê responde diretamente ao conselho da SAF, e a questão orçamentária é uma prerrogativa. “O controle de custo do futebol faz com que o clube permaneça sustentável no longo prazo, o que faz com que as receitas sejam mais confiáveis”, diz ele. “Se há o equilíbrio maior longo prazo, deixa de existir a possibilidade de esse ano ter um time maravilhoso e, no ano que vem, um time péssimo.”

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O motivo para essa estratégia é ter receitas menos voláteis, conseguindo alcançar finais, semifinais e quartas de finais de maneira constante. Também ter maior poder de negociação junto a patrocinadores, bilheteria mais estável e maior entrada de sócios-torcedores, batizados de Galo na Veia. “Hoje estamos beirando os 80 mil sócios mas, no momento dos títulos de 2021 (Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Mineiro) eram 125 mil”, diz. “Está totalmente correlacionado ao desempenho do time e queremos manter os bons níveis.”

Fontes de receitas

Há ainda outras frentes de receitas acessórias, como as lojas de material esportivo da marca, mas a entrada maior de recursos novos virá de duas linhas: transmissão de partidas e Arena MRV. O Atlético Mineiro faz parte da Libra, a liga dos times de maior torcida que fechou os direitos de transmissão com a Globo em março, por R$ 6 bilhões, até 2029. Em 2023, o Galo havia recebido R$ 121 milhões e a projeção é, atendendo determinadas condições, alcançar R$ 138 milhões este ano.

Já os recursos trazidos pela Arena são totalmente novos. Nos dias de jogos, além da receita de bilheteria, entram na conta vendas de alimentos e bebidas, estacionamento, publicidade, tours e lojas. Haverá ainda um museu e eventos grandes e pequenos.

Desde que abriu as portas, em agosto, a Arena já recebeu shows de Paul McCartney, Maroon Five e Jota Quest, entre outros. De lá para cá, a arena gerou R$ 61 milhões em receitas e a expectativa é chegar a R$ 100 milhões anuais, quando estiver em funcionamento pleno.

“O desenho de gestão profissionalizada deve se transformar numa tendência, se os casos se mostrarem bem sucedidos”, afirma Carlos Lima, do Pinheiro Neto.

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Reforço da base

Todas essas fontes de recursos estão sendo destinadas aos fluxos de caixa ligados à operação, ao financiamento e aos investimentos. Assim, do mesmo modo que o aporte dos sócios foi para reduzir dívidas, os direitos de transmissão irão ao operacional. Já os investimentos em jogadores são pagos com as vendas de outros jogadores.

“Tornar o fluxo de caixa operacional positivo não é fácil, mas estamos no caminho e acredito, conseguiremos fazer ainda este ano”, diz ele. “São três pratos a serem equilibrados e, por isso, não consigo reduzir o endividamento de forma muito rápida, mas idealmente esse fluxo de caixa operacional positivo tem de ser suficiente para pagar parte do investimento.”

Para ele, uma das maneiras de mudar a situação é com mais vendas de jogadores do que aquisições. “É o que fazem Palmeiras, Athletico Paranaense e Flamengo: revelam bons talentos e vendem não muitos, mas jogadores que fazem a diferença”, diz. “Precisamos montar um ciclo parecido aqui, para revelar mais base.”

Conversas com investidores

Com um orçamento apertado, o Atlético-MG, porém, ainda não consegue aumentar os investimentos nessa área, na qual gasta de R$ 25 milhões a R$ 30 milhões por ano. São dez categorias de futebol, além do feminino, que requerem centro de treinamento, alimentação, acompanhamento físico, médico e psicológico.

A ideia é, com novos recursos, ter estruturas melhores, com critérios de passagem de cada categoria mais bem organizados e respeitando a estratégia de futebol. “A gente vem conversando com potenciais investidores que eventualmente possam nos ajudar”, afirma. “Somos um clube empresa que está fazendo investimentos de forma séria, organizada e com segurança para os investidores.”

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Este texto foi publicado no Broadcast no dia 22/04/24, às 15h23

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