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‘Entra um novo presidente, muda todo mundo. E quem paga o pato é o País’, diz Elie Horn

Para fundador da Cyrela, Brasil precisaria ter um ciclo mais longo nas políticas públicas, e não mudar tudo a cada mudança de governo

Foto do author Circe Bonatelli
Por Circe Bonatelli (Broadcast)
Atualização:
Entrevista comElie HornFundador da Cyrela

“A economia não deixa a gente sossegado. Entra um novo presidente, muda todo mundo”, diz o empresário Elie Horn, de 78 anos, com a experiência de quem comanda uma empresa de construção que completou 60 anos de existência e já atravessou períodos de crise e bonança em diferentes governos. Para o fundador e presidente do conselho da Cyrela Brazil Realty, é ruim que o País esteja passando por mais uma guinada. A falta de continuidade das políticas públicas, segundo ele, cria incertezas, espanta investidores e atrapalha os negócios.

Exemplo negativo dessas reviravoltas, segundo ele, está nas vendas de imóveis residenciais. Elas iam bem até o terceiro trimestre, mas encolheram pelo menos um terço nessa reta final do ano. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Programa Olhar de Líder, do Estadão/Broadcast.

Vendas de imóveis encolheram um terço no último trimestre, à espera das mudanças pós eleição Foto: Cyrela/Divulgação

Mesmo fora da presidência executiva, o senhor mantinha o hábito de ir diariamente à Cyrela. Esse hábito continua?

Desde a pandemia, não fui mais ao escritório. Faço tudo em casa pelo Zoom (aplicativo de videochamada). Eu faço meu trabalho de conselheiro, não de executivo. Eu gosto de ver terrenos nas regiões onde me interessa, gosto de estudar a viabilidade. Vejo as coisas que me interessam como acionista.

Como o sr. acompanha o dia a dia da empresa?

Eu participo do comitê de terrenos. Não tenho voto, mas opino. Acompanho as reuniões de conselho, olho como estão os estandes e os plantões de domingo. Um pouco de tudo.

A pandemia mudou os seus hábitos?

A pandemia mudou bastante os meus hábitos, porque tenho (Mal de) Parkinson. E covid com Parkinson deixa sequelas. Então, não saio de casa por mais de dois anos. Só vou em lugares com poucas pessoas. Se tem muita gente, se é um evento grande eu não vou. Acho que saí duas ou três vezes.

O sr. acredita que a pandemia deixou mudanças importantes no perfil dos imóveis que são procurados pelos consumidores, em termos de plantas e localização, por exemplo?

A pandemia fez algumas coisas acontecerem. Primeiro, os loteamentos de luxo subiram de preço de maneira brutal, porque muita gente começou a procurar uma residência fora de São Paulo. Ponto dois: os escritórios ficaram meio apreensivos por um momento porque veio o home office. Mas, aparentemente, o home office não vai pegar. Na Faria Lima, hoje, quase não tem mais espaços vagos. E ponto três: os imóveis de luxo também subiram muito o preço. Não sei se só por causa da escassez de terrenos ou se também porque o preço do material de construção subiu bastante.

Existem comentários de que São Paulo está com muita oferta de apartamentos pequenos, do tipo estúdios ou unidades de um dormitório. O sr. concorda?

Concordo. A lei obrigou a fazer apartamentos pequenos, com e sem garagem. Tenho a impressão de que a lei vai mudar logo. E como São Paulo é uma cidade grande, com muitos desquitados, viúvos, solteiros e solteiras, além de gente que quer morar sozinha, essa primeira leva (de apartamentos pequenos) vai ser totalmente usada. Pode ser que haja uma crise na segunda ou na terceira leva de estúdios, mas por enquanto esse problema não existe.

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Então não há um problema de excesso de oferta?

O que existe é um excesso de produtos em desenvolvimento. Mas como os prédios ainda não foram entregues, não dá para saber se eles serão aceitos ou não pelo mercado.

A Cyrela vai continuar fazendo projetos desse tipo?

A Cyrela tem vendido todos os seus estúdios de maneira satisfatória. Diminuímos um pouco o lucro e vendemos no atacado (a grandes investidores) para evitar de ter detalhes com o varejo. Temos conseguido fazer isso sim.

O sr. está animado com a economia brasileira?

Estou animado um pouco e desanimado bastante porque a política nem sempre é aquilo que deveria ser. Eu gostaria que o Brasil fosse um país mais robusto, menos inflacionário, com uma política mais linear, mais assistencial aos necessitados. Mas tudo isso não tem continuidade. Eu tenho ânimo porque sou otimista por natureza. A economia não deixa a gente sossegado. Em vez de ter uma economia e uma política como a dos países modernos, que continuam ao longo do tempo, aqui não, elas mudam. Entra um novo presidente, muda todo mundo. E quem paga o pato é o País e todos os cidadãos, infelizmente. Precisaria ter um pouco mais de sequência nas políticas pelos governos que vêm. Os problemas do País são os mesmos, então não se pode mudar tudo. Isso é péssimo e custa caro, gera uma destruição de valores terrível.

Agora está saindo o governo Bolsonaro e entrando o governo Lula….

Eu não falo de nomes, falo de ideias.

Vamos falar em outros termos então. Agora temos uma mudança de ideias. O que pode haver de impactante para quem investe em imóveis?

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Toda mudança é uma surpresa e afeta um pouco o mercado imobiliário. O setor depende de um ambiente linear e sólido para atrair investimentos de longo prazo. Quando tem mudanças políticas, o mercado para, como agora. O mercado ia muito bem até junho, julho e agosto, depois uma boa porcentagem dos negócios parou de lá para cá. Eu diria que se vende pelo menos um terço a menos.

Como estão as vendas neste fim de ano? O calendário ficou mais atribulado com eleições e Copa?

O ano terminou em novembro. As vendas no todo foram boas, tivemos um bom resultado, tanto em estoques quanto em lançamentos. Mas não por causa de dezembro, mas sim por conta dos números até o terceiro trimestre. Agora as coisas estão um pouco paradas, o movimento nos estandes diminuiu.

O que está pesando são as incertezas sobre os rumos do País?

Eu diria que sim. A incerteza afetou muito as vendas. Na dúvida, ninguém compra, poucos se aventuram.

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Eu espero. Não sabemos como vai se posicionar o novo governo. Se for pró-negócios, vai dar certo. Se for contra, vai dar problema. Mas estamos aqui há 60 anos. Já vimos altos e baixos, estamos acostumados a apanhar. Faz parte do negócio, não tem como evitar.

Como a Cyrela vai entrar em 2023 em termos de lançamentos? Planeja fazer mais ou menos?

Vamos lançando. Se não vender, não lança. Dando certo, fazemos outro. Estoque custa caro.

A Cyrela está muito estocada neste momento?

Não.

O sr. teve contato com o ministro Paulo Guedes depois das eleições? (Guedes e Horn foram sócios na gestora de recursos Bozano, hoje chamada Crescera, antes de Guedes assumir a pasta do governo).

Contato privado, nunca. Depois de eleito, nunca o vi pessoalmente, a sós. Eu o vi uma vez em Brasília, com o assistente dele. E depois com o presidente da República. Foram umas três vezes, no máximo.

E já teve contato com membros do governo eleito?

Eu conheci o Haddad (Fernando Haddad, nomeado ministro da Fazenda do governo Lula) quando era prefeito de São Paulo. Eu achei ele muito correto, muito honesto, eficiente. Acho que não conheço ninguém fora o Haddad.

O sr. acredita que Haddad será um bom ministro?

Ele foi muito bom prefeito, muito rápido, eficiente e correto. Acredito que vai ser muito bom na Fazenda.

Qual deveria ser a prioridade da agenda brasileira na área da economia?

Ter moeda forte, não ter inflação e permitir que se faça coisas de longo prazo, especialmente para os pobres. Melhorar a assistência social a todos que precisam. Se você tem uma pessoa rica e uma pobre, o rico tem a obrigação moral de ajudar a quem não tem. Se não ajudar, tem de ser penalizado.

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