Publicidade

‘Brasil está longe de recuperar o grau de investimento’, diz diretor do Goldman Sachs

Alberto Ramos afirma que País terá de se comprometer com metas fiscais mais ambiciosas do que as do arcabouço fiscal

Foto do author Cicero Cotrim
Por Cicero Cotrim (Broadcast)
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comAlberto RamosDiretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs

O Brasil ainda está longe de recuperar o grau de investimento e, para obter o selo de bom pagador, terá de se comprometer com metas fiscais ainda mais ambiciosas do que as propostas pelo novo arcabouço fiscal para estabilizar a relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto (PIB), afirma o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.

“Quanto mais distante ficarmos da meta fiscal necessária, mais distantes ficamos do grau de investimento, e não é a meta que o governo anunciou: a meta que o Brasil precisa alcançar é de superávits de 2% a 2,5% do PIB para estabilizar a dívida e colocá-la numa tendência levemente descendente”, diz o economista, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Ramos afirma considerar a reforma tributária aprovada pelo Senado como 'possivelmente positiva' Foto: Felipe Rau/Estadão

Ramos considera a reforma tributária aprovada pelo Senado na semana passada como “possivelmente positiva”, mas demonstra preocupação com o número de exceções no texto. O impacto da medida no PIB potencial do País, segundo o economista, ainda é incalculável, e o Brasil continuará preso a uma trajetória de crescimento modesto enquanto não fizer reformas que abram a economia.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Qual é a sua avaliação sobre a reforma tributária aprovada pelo Senado? Ela terá impacto sobre o PIB potencial do Brasil?

O sistema atual é péssimo, então a barra para melhorar não é muito alta. Infelizmente está saindo uma reforma com um número exagerado de regimes especiais, de isenções, mas muito disso vai ser determinado pela legislação que vem depois da PEC. Veio muito complexa desnecessariamente, tem um período de transição extraordinariamente longo e é uma reforma que vai sair muito cara ao governo federal, através dos novos fundos que foram criados. Ainda faltam muitos detalhes para avaliar, mas já se sabe que vai ter uma alíquota ordinária extraordinariamente alta, talvez a mais alta do planeta, acima de 27%. Vai melhorar o PIB potencial? Não sei, ninguém sabe, não ponho muita fé nesses estudos. Não me parece uma grande reforma, mas, dada a situação atual, é possivelmente positiva.

O Goldman Sachs espera crescimento de 3,1% para o PIB do Brasil em 2023 e de 1,6% em 2024. Esse é um ritmo apropriado para o País?

O apropriado seria crescer 5%, mas infelizmente esse é o factível no momento. Estamos voltando para uma trajetória de crescimento bem modesto, com um potencial entre 1,5% e 2%, ou talvez um pouco acima. O Brasil tem potencial humano e de empreendedorismo de entregar um crescimento muito mais robusto, inclusive pelas vantagens no setor agrícola e em outros setores. Seria muito importante abraçar uma agenda de reformas abrangente para aumentar a produtividade, abrir a economia e integrá-la às cadeias produtivas internacionais, melhorar a distribuição da carga tributária, ter um governo que gastasse menos, gastasse melhor e investisse mais.

Você espera inflação de 4,7% este ano e de 4,1% em 2024. Existe um cenário em que o IPCA pode convergir ao centro da meta, de 3%, nos próximos anos?

Sim. É possível que eu esteja sendo muito conservador na minha projeção de inflação e que o ano que vem venha a ser melhor. Eu diria que os últimos números têm sido alentadores. Nossa projeção tem muito a ver com a pressão da inflação de serviços, com o mercado de trabalho apertado, com uma visão relativamente bullish para commodities. Tudo isso nos leva a essa fase mais difícil de desinflacionar, mas é possível que o IPCA de 2024 fique mais próximo de 3,5%. Mas, no médio prazo, por que não temos um número alinhado com a meta? Porque há um sinal de que, se o governo tiver de fazer uma escolha entre inflação e crescimento, ele vai pelo lado do crescimento, embora essa seja uma escolha de curto prazo que tem custos de médio e longo prazo. É a ideia de que, na hora do vamos ver, o governo provavelmente tem uma tendência a acomodar a inflação em média um pouco acima do centro da meta.

Publicidade

Ministério da Fazenda defende meta de déficit zero em 2024, apesar de oposição de integrantes do PT e do próprio governo Foto: Andre Dusek/Estadão

Hoje, o Brasil está distante de recuperar o grau de investimento?

Ainda estamos a uma distância significativa de recuperar o grau de investimento. Duas coisas podem acelerar esse processo: caminhar a passos mais contundentes no caminho da consolidação fiscal e ter políticas que aumentem o potencial do crescimento. Mas eu não vejo uma agenda de reformas e vejo com alguma preocupação a agenda microeconômica, que provavelmente vai levar a alguma erosão da eficiência macro da economia. Quanto mais distante ficarmos da meta fiscal necessária, mais distantes ficamos do grau de investimento, e não é a meta que o governo anunciou: a meta que o Brasil precisa alcançar é de superávits de 2% a 2,5% do PIB para estabilizar a dívida e colocá-la numa tendência levemente descendente. Tem um caminho razoável pela frente.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.