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É preciso resolver o quanto antes a questão da meta da inflação, diz economista-chefe do Bradesco

Fernando Honorato afirma que debate é técnico e político e tem que ser feito ‘sem paixão’, levando em conta o ambiente internacional e o quadro da política econômica brasileira

Foto do author Thaís Barcellos
Por Thaís Barcellos (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, defende a necessidade de que a discussão sobre meta de inflação levantada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja resolvida o quanto antes, seja lá qual for o desfecho. O economista lembra que a regra que rege o sistema de metas não determina que a definição ocorra no Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, mas até essa data, e que o adiamento da decisão só traz ruídos e deixa as expectativas de inflação sem uma referência.

“É uma prerrogativa do CMN, que tem dois votos por acaso do presidente da República, tipicamente, definir a meta. Então defina a meta, o que geraria uma redução de ruído na condução da política monetária. Nossa avaliação é que ainda tem algum espaço para corte [da Selic] à medida que haja solução para esse tema da meta”, disse Honorato, que projeta Selic em 12,25% no fim de 2023 e em 9,50% no fim de 2024.

Para o economista, o debate da meta é técnico e político e tem que levar em conta o ambiente internacional e o quadro da política econômica brasileira. “A discussão tem que ser feita sem paixão”, defendeu. “É um debate que envolve uma discussão técnica e uma escolha política. É isso que eu estou um pouco incomodado. Não tem nada de errado nisso.”

Para economista-chefe do Bradesco, definição rápida da meta de inflação reduziria ruído na condução da política monetária Foto: Werther Santana/Estadão

Veja abaixo os principais trechos da entrevista, que contou com a participação da economista do banco Myriã Bast:

Qual é a expectativa para a política monetária no Brasil diante do debate sobre a meta de inflação?

Acho que a gente tem uma situação que, o quanto antes o debate da meta for equacionado, melhor. E é isso que vai importar para o Copom. É uma prerrogativa do CMN estabelecer a meta de inflação. Isso sempre foi assim no Brasil e continuou sendo assim com a autonomia do BC. É prerrogativa de quem estiver no governo quando achar apropriado. Tem esse ritual de estabelecimento da meta em junho para três anos à frente, agora para 2026, mas é um ritual que pode ser alterado pelo presidente da República ou pelo próprio CMN. Aliás, não está escrito em lugar algum que precisa ser junho a data para o CMN definir a meta, podem fazer na reunião no mês que vem. Agora, se o presidente quiser alterar a meta deste ano ou do próximo ano, tem que ser por decreto. Meu único ponto é que eu acho que, quanto antes a definição for tomada, melhor para o País. Qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada. Esse é um tema que estamos tratando internamente e estou bastante convencido, até pelos últimos episódios, que quanto antes essa decisão for feita, melhor.

Sem que esse tema seja definido, a condução da política monetária será mais complexa para o BC?

A minha impressão é que o que o Copom fez na quarta-feira foi dizer que, dada a meta estabelecida de 3% e o que se tem visto de desvio de expectativa e deterioração do risco fiscal, está diminuindo muito o espaço para a queda dos juros. Isso é quase que tautológico, não consigo ver muita provocação nessa afirmação. Tomou uma proporção grande justamente por conta da indefinição da meta. Portanto, supondo que o CMN de junho seja o que vai discutir a meta, até lá temos situação de manejo difícil para o BC caso as expectativas continuem piorando. O BC vai ter que repetir que o espaço diminuiu muito para corte e eventualmente encontre um espaço para aumentar a taxa de juros. Por isso que eu acho que o quanto antes a discussão for definida da meta é melhor para todo mundo, para o governo, para o BC. É uma prerrogativa do CMN, que tem dois votos por acaso do presidente da República, tipicamente, definir a meta. Então, defina a meta e geraria uma redução de ruído na condução da política monetária. Nossa avaliação é que ainda tem algum espaço para corte [da Selic] à medida que haja solução para esse tema da meta, que pode ser um aumento ou manutenção. Há resgate da ancoragem das expectativas ao redor da nova meta, seja qual for ela, e o câmbio pode apreciar.

Se for para mudar que não espere até junho então?

Myriã Bast: [Sim] Porque, enquanto não acontece [a decisão], a discussão do Focus, as expectativas ficam em função disso. Os outros fatores que afetam as expectativas ficam em segundo plano, porque tem um fator muito pesado, que sempre é um poder atrativo para as expectativas, que está indefinido.

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Quais são os outros fatores?

Eu vou traçar um cenário: Está definida uma meta, as expectativas se ancoraram ao redor dessa nova meta. Se nos próximos três meses os núcleos de inflação continuarem cedendo como temos visto, a atividade perde fôlego e, de repente, tenha uma apreciação cambial, talvez possamos discutir corte de juros ainda neste semestre. Essa é de certa forma a nossa provocação ou sugestão: no fim do dia, uma vez que se levantou hipótese de alvo não ser 3%, essa indefinição causa uma ambiguidade na decisão de política monetária.

Mas, dependendo de como for feito, em vez de o câmbio apreciar, pode depreciar, certo?

É exatamente por isso que a gente acha que a antecipação é pertinente. Porque o BC vai levar um tempo para ver onde essas variáveis vão se acomodar. Se o câmbio se acomodar para cima ou para baixo muda a projeção de inflação do Copom, da mesma forma as expectativas. É mais um argumento a favor para antecipar isso. Torna a decisão de política monetária mais célere. A indefinição, de certa forma, parece o caminho mais custoso.

Mas o senhor acredita que a mudança da meta seria positiva?

Acho que dá para fazer essa discussão de uma forma bastante menos apaixonada. Há componentes que indicam que, nos próximos 12 a 18 meses, a inflação vai ficar mais pressionada? Sim, um deles é a inflação global. Vi em Davos o [Larry] Summers [ex-secretário do Tesouro dos EUA] discutindo com outros economistas se a meta dos EUA não deveria mudar. Porque é um tema que está na economia global, a inflação está muito acima das metas. Tem um componente de inércia de inflação e tem um componente da política econômica. Qual é a política econômica necessária para levar a inflação para 3% ou para 4%?

Qual seria?

Suponha que o BC tenha a informação de que o arcabouço fiscal vai vir com tais ou tais regras que são significativamente fortes. Talvez se sinta mais confortável e nem mesmo o governo queira mudar a meta. Ou não... A política fiscal vai ser um pouco mais frouxa, provavelmente vai ser uma inflação média mais alta e isso convida a uma alteração da meta. Então acho que tem que tirar um pouco da paixão, colocar esses temas na mesa e ver o que acontece.

A meta atual de 3,0% é adequada para a realidade econômica brasileira?

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A questão é se o Brasil tem condições de ter uma meta de 3%? Teoricamente sim, vários países emergentes têm [essa meta de 3%]. Agora, requer um conjunto de escolhas que vão muito além do governo: o tamanho da abertura da economia, a eficiência da economia no setor público e privado, regras trabalhistas e tributárias. É um conjunto de escolhas que ainda não estão plenamente implementadas no Brasil. Na prática, o que temos nos próximos 12 a 18 meses é um ambiente que é mais provável a inflação ficar acima de 3% do que abaixo de 3%. Por isso, temos 4% [para 2024]. A discussão tem que ser feita sem paixão, olhando para esses componentes. É um debate que envolve uma discussão técnica e uma escolha política. É isso que eu estou um pouco incomodado. Não tem nada de errado nisso. É uma prerrogativa do CMN estabelecer a meta.

Mas tem implicações...

Óbvio, mudar a meta tem implicações, como já foi muito explorado. A discussão que me parece mais deslocada é mudar a meta para conseguir corte de juros. Isso nada indica. Não tem literatura no mundo que sugira isso. Agora ter a meta desconectada daquilo que você acha que vai ser a inflação pelo conjunto da política econômica também não ajuda, porque o BC vai ficar apertando, o governo afrouxando do outro lado. Vai ter uma política descoordenada. Isso também não faz sentido. O último ponto, que também é polêmico. Meus amigos que estudam sobre isso no mundo, no FMI, por exemplo, dizem que não há muita diferença, do ponto de vista de crescimento das economias, ter uma inflação de 3% ou 4%. Com uma inflação mais perto de 5% ou 6%, o país começa a ficar mais sujeito a choques. Mas entre 3% ou 4% é uma escolha que envolve componentes técnicos e políticos. Parece que dá para fazer uma discussão centrada, tanto do ponto de vista do BC quanto do governo ao redor desse tema, para que a gente possa ter o melhor dos mundos que é a política monetária voltar a ser previsível.

Essa discussão cabe tanto aqui quanto no cenário internacional, certo?

Olha o tamanho do choque da inflação no mundo. O Fed está em um estágio um pouco diferente do brasileiro, porque começaram a subir juro depois. Suponha que a taxa de inflação nos EUA se estabilize ao redor de 4% e isso leve ao mesmo debate que teve no Brasil de que para chegar à meta de 2% será preciso apertar mais 200, 300 pontos-base. Vai aparecer o debate se faz sentido ou não manter o 2% como meta. O que me parece inequívoco é que inflação baixa ajuda todo mundo. Agora, se é 2%, 3% ou 4%, tem uma gradação que cabe uma discussão tanto global quanto brasileira.

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