Gro Harlem Brundtland advogava pela necessidade de um crescimento econômico combinado com preservação ambiental quase quatro décadas antes de queimadas na Amazônia ou no Pantanal estamparem manchetes internacionais. Mas o mundo, avalia ela, demorou muito a agir. A diplomata e ex-primeira-ministra da Noruega se tornou liderança global no assunto em 1987, quando presidiu a elaboração do relatório “Nosso Futuro Comum”, na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, e cunhou o termo “desenvolvimento sustentável”. Em entrevista ao Estadão, Brundtland lamenta que a geopolítica esteja “tornando as coisas mais difíceis nos últimos anos”.
“A cooperação multilateral está sofrendo, embora seja mais necessária do que nunca”, afirma, em entrevista concedida por e-mail. “Não há tempo a perder”, afirma a especialista no assunto.
Além de diplomata e política, Brundtland é médica, especialista em saúde pública. Foi a primeira mulher a chefiar o governo da Noruega e ocupou o cargo três vezes. Também foi diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) e enviada especial da ONU para questões climáticas. Atualmente, é integrante do The Elders (os anciões, em inglês), grupo fundado por Nelson Mandela que reúne ex-estadistas preocupados com questões globais.
Leia abaixo a entrevista:
A sra. fala da necessidade de um desenvolvimento global sustentável desde 1987. As questões climáticas nunca foram tão discutidas, talvez porque os riscos a elas associados nunca estiveram tão presentes como hoje. Por que a sociedade demorou tanto para reconhecer o problema? A sra. acredita que agora existe finalmente uma convergência para trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável?
Sim, demorou muito! Uma das principais razões é que a humanidade não vive numa ‘sociedade’, mas em quase 200 países diferentes. Acredito que o mundo ainda está lutando para encontrar o melhor caminho a seguir. Receio que a geopolítica esteja tornando as coisas ainda mais difíceis nos últimos anos. A cooperação multilateral está sofrendo, embora seja mais necessária do que nunca.
Chegamos tarde demais?
Não há tempo a perder.
Há anos a sra. fala da ideia de medir o crescimento econômico utilizando instrumentos além do PIB, como indicadores ambientais e sociais. Ainda acredita que esta seria uma forma de mudar como as sociedades lidam com a preservação ambiental?
Sim, a humanidade depende da mudança dos padrões de desenvolvimento e da incorporação do cuidado com a natureza e das preocupações ambientais e sociais em todas as tomadas de decisão.
O que a sra. espera concretamente da próximo encontro do G-20, que será sediado no Brasil e terá a transição energética como um dos temas em debate?
Espero que o G-20 esteja à altura da ocasião, deixe a geopolítica de lado e se concentre no bem comum. A transição energética é certamente uma preocupação comum muito crítica.
O Brasil defende que os países desenvolvidos paguem ao governo brasileiro para ajudar na tarefa de preservação da Floresta Amazônica, algo que é de interesse global. A sra. defende que esse pagamento seja feito?
A Noruega faz parte desse tipo de política há décadas. É um exemplo de como a solidariedade para o bem comum é absolutamente crítica.
Como o Brasil pode contribuir para o debate global sobre desenvolvimento sustentável?
Como país importante e também anfitrião, é fundamental que o Brasil lidere em nome de todo o mundo e apoie o multilateralismo como o mecanismo chave para o sucesso.
Enfrentamos recentemente a pandemia da covid-19. Qual é a principal lição que aprendemos com isso? Há algo que a sra. acreditava que mudaria globalmente após a covid e que não aconteceu?
As lições da covid são, em primeiro lugar, que o mundo não escolheu a cooperação global e ilustram o quão longe estivemos do tipo de responsabilidade comum da qual depende o nosso futuro comum.
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