Com o Brasil registrando recordes diários de mortes e de novos casos de covid, levando vários Estados a adotarem o nível mais duro das medidas de restrição à mobilidade, a pressão política por ampliação do auxílio emergencial – no número de parcelas e no valor do benefício recém-aprovados pelo Congresso – pode levar a incerteza fiscal dos investidores ao ápice do estresse no curto prazo.
A impressão de muitos analistas é de que as próximas três ou quatro semanas serão decisivas para ver se o governo conseguirá resistir a essa pressão. Ou seja, se a trajetória do déficit fiscal e da dívida pública será muito pior ao que já está nas contas do mercado.
A chave dessa equação é: quando as curvas de mortes e de internações hospitalares vão começar a ceder a ponto de permitir uma retomada mais consistente da economia – se apenas com a imunidade de rebanho ou já com um avanço da vacinação no País cobrindo as faixas etárias de maior risco, acima dos 60 anos de idade?
O confinamento mais duro adotado em todas as regiões está agravando a fome, o desemprego e a falta de renda de uma parcela bem maior da população. Na semana passada, os preços dos ativos brasileiros – especialmente o câmbio – tiveram uma piora considerável com a dúvida crescente do mercado se o custo total da concessão do auxílio ficará mesmo limitado aos R$ 44 bilhões previstos na PEC emergencial.
Em carta aos presidentes da Câmara e do Senado, governadores de 16 Estados pediram que o Congresso aumente o valor do benefício para R$ 600 e não o estabelecido na medida provisória do governo (de R$ 175, R$ 250 e R$ 375), além de manter os critérios de acesso adotados nos oito desembolsos feitos em 20202.
Basta que a situação de calamidade pública seja declarada novamente, como permite a PEC emergencial, para se suprimir as restrições fiscais à autorização de gastos extras com socorro emergencial para além do já aprovado. Essa possibilidade gera desconforto ao mercado.
“Enquanto o número de mortes estiver alto e os hospitais com capacidade lotada, a incerteza sobre se a situação fiscal sairá do controle vai existir”, diz Alexandre Manoel, sócio e economista-chefe da MZK Investimentos. “Enquanto a pandemia estiver se alastrando, vamos ter de passar por uma travessia difícil, mesmo com arcabouço fiscal e monetário muito melhor do que o que tínhamos em dezembro, por exemplo.”
Para ele, se o governo conseguir resistir ao auge dos pedidos por mais auxílio nas próximas semanas, os dados sobre a eficácia da vacina contra covid nas hospitalizações e nos óbitos devem desanuviar essa pressão política e injetar uma dose de confiança nos investidores.
O caso mais ilustrativo é o do Amazonas, que sofreu com o colapso do sistema de saúde, inclusive com a falta de oxigênio. Cerca de 10% dos amazonenses já receberam a primeira dose da vacina contra a covid e o Estado começou a vacinar a população abaixo dos 60 anos de idade. Com isso, o número de internações hospitalares para as faixas etárias acima de 60 anos caiu drasticamente desde janeiro, quando começou a imunização.
“Conforme os demais Estados brasileiros alcançarem o ritmo do Amazonas, vacinando a população acima de 60 anos, haverá uma substancial queda nas hospitalizações e, consequentemente, de óbitos dessa faixa etária, desafogando a rede hospitalar em cerca de 55%, numa estimativa conservadora, considerando os dados de São Paulo”, explica Manoel. A expectativa dele é de que essa cobertura da faixa acima de 60 anos no País aconteça a partir de junho. E o auxílio será pago até julho.
“Se a vacinação avançar até maio para a faixa etária acima de 60 anos, ou imunizar até quem tem mais de 50 anos, atingindo 75% das pessoas entubadas, a necessidade de lockdown diminui muito e a economia volta”, diz Marco Mecchi, gestor e cofundador da MZK Investimentos. “Se, nas próximas três ou quatro semanas, a pressão no Congresso por mais auxílio não emplacar e a vacinação finalmente aumentar o ritmo, o mercado pode melhorar de imediato.”
Ou seja, ao menos para os investidores, não será preciso esperar a tão desejada imunidade de rebanho para mudar o humor. O problema é que os interesses políticos seguem outro cronograma.
*COLUNISTA DO BROADCAST