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Economia e políticas públicas

Opinião|Commodities, "doença holandesa" e política industrial

Bráulio Borges (LCA e IBRE-FGV) indica estudos recentes que apontam riscos econômicos e institucionais para produtores de commodities como o Brasil. Ele considera que política industrial "bem feita" é ferramenta importante para lidar com alguns desses riscos.

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Na discussão que se seguiu ao lançamento da nova política industrial do governo em janeiro, o economista Bráulio Borges sentiu falta do tema "maldição dos recursos naturais", que vem estudando e considera muito relevante no caso brasileiro.

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Borges, pesquisador associado do IBRE-FGV e economista sênior da consultoria LCA, ressalva de início que a simples abundância de recursos naturais não pode ser confundida com uma forte dependência de matérias-primas - e é esta segunda que tende a causar a tal "maldição".

Ele menciona o estudo "Recursos Naturais ajudam ou travamo desenvolvimento? Abundância de recursos, dependência, e o papel das instituições", de 2020, dos economistas Addisu Lashitew (Brookings Institution) e Eric Werker (Beedie School of Business, Vancouver).

O estudo, que aborda mais de 100 países durante e após o boom de commodities dos anos 70, indica que há efeitos econômicos diretos positivos para países exportadores de commodities em fases de grande alta de preços no mercado internacional, mas há efeitos indiretos institucionais negativos. Os primeiros, naturalmente, vêm em prazos mais curtos, e os segundos, mais longos.

No caso dos efeitos institucionais, a alta das commodities é uma fonte de recursos tão abundante e tão fácil que torna quem detém o poder excessivamente poderoso e estimula o patrimonialismo e a corrupção.

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Nesse contexto, entretanto, apenas a abundância dos recursos naturais não leva aos efeitos indiretos negativos, enquanto a dependência, sim.

Os autores exemplificam com Canadá e República do Congo, dois grandes produtores de matérias primas, que coincidem em gerar renda de commodities per capita anual em torno de US$ 1,3 mil (o número é de 2013). Mas enquanto os recursos naturais contribuem com 42,3% do PIB do Congo, esse mesmo indicador é de apenas 2,3% no Canadá. No Congo, onde tudo gira em torno dos recursos naturais, os efeitos institucionais negativos das matérias primas são muito maiores do que no Canadá, onde aquilo não ocorre.

Na visão de Borges, o Brasil, um país em que cerca de 70% das exportações são de commodities agrícolas, minerais e petróleo, tem um nível de dependência das matérias primas que recomenda cautela. O pesquisador costuma associar parcialmente alguns excessos fiscais e investimentos de má qualidade que estiveram entre as causas da crise brasileira de 2014-16 a certa deterioração institucional na esteira da euforia pela descoberta em 2006 e posterior exploração do petróleo do pré-sal (a chamada "presource curse").

Chile e Colômbia

Mas Borges chama a atenção também para dois trabalhos mais recentes sobre efeitos econômicos prejudiciais de booms de commodities para países produtores da nossa vizinhança latino-americana: Chile e Colômbia. Os dois trabalhos tratam da "doença holandesa", quadro econômico que bem simplificadamente pode ser descrito como de desindustrialização provocada pela valorização cambial na esteira de booms de commodities (que provocam forte ingressos de divisas). Ambos os estudos utilizam microdados no nível das empresas.

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O trabalho sobre o Chile é de Rodrigo Heresi (BID), e mostra que houve doença holandesa durante o boom de commodities dos anos 2000. Borges chama a atenção para o fato de que isso tenha ocorrido no Chile, o país com a melhor governança macroeconômica da América Latina, com política fiscal anticíclica e fundo soberano.

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E, de fato, as flutuações do câmbio real no Chile durante e após o boom de commodities existiram, mas foram bem menos pronunciadas que em países mais instáveis como Brasil e Colômbia, aponta Borges. Ainda assim, o trabalho de Heresi documenta que, no setor de bens negociáveis internacionalmente, as empresas chilenas que mais exportavam sofreram e perderam espaço para as que exportavam menos, em função da valorização cambial associada ao boom de commodities.

O economista da LCA gostou particularmente do trabalho sobre a Colômbia, pois este acompanhou os desdobramentos do boom de commodities depois que ele acabou, isto é, no período que veio depois de 2011-12. O trabalho, com o título criativo (mantenho o inglês aqui para preservar o jogo de palavras com o famoso álbum do Pink Floyd) de "The dark side of the boom: Dutch disease, competition with China, and technological upgrading in Colombian manufacturing", foi realizado pelos economistas Lee G. Branstetter (Carnegie Mellon University, nos EUA) e N. Ricardo Laverde-Cubillos (Insper, no Brasil).

Assim, durante o boom (a Colômbia entra aqui basicamente como produtora de petróleo), que aproximadamente coincidiu com a primeira década deste século, o câmbio real efetivo colombiano se valorizou, mudando a composição do PIB em favor das matérias primas e dos produtos não negociáveis internacionalmente (tipicamente serviços), e em detrimento dos produtos manufaturados negociáveis internacionalmente, tipicamente bens duráveis.

Mas o mais interessante (e preocupante), para Borges, é que depois que o boom acabou e o câmbio se desvalorizou, os efeitos sobre a composição do PIB não se reverteram. O câmbio depreciou mas não houve reindustrialização, e os efeitos deletérios sobre os manufaturados comercializáveis se mostraram persistentes. Uma década de valorização e perda de competitividade levou à redução de gastos em pesquisa e desatualização tecnológica, deixando cicatrizes que apenas um câmbio mais favorável não resolveu.

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Os autores do trabalho tiveram o cuidado de, usando técnicas econométricas, isolar o "choque da China", isto é, a extraordinária pressão competitiva que a expansão das exportações industriais chinesas representaram para todos os outros países na década passada. Borges nota que esse cuidado é especialmente relevante agora, quando a China com seus carros elétricos e outros avanços industriais, tenta quase desesperadamente acelerar sua economia pela via de uma nova onda de crescimento de exportações.

De qualquer forma, no estudo de Branstetter e Laverde-Cubillos, detecta-se que, mesmo se controlando para o choque da China, há uma perda industrial persistente na Colômbia pós-boom de commodities.

Brasil

Borges nota que o crescimento da produção industrial brasileira aproximadamente acompanhou o global até o final da primeira década deste século, a partir de quando ficou para trás. As explicações mais convencionais para isso apontam o choque da China e a crise de 2014-16 - para muitos causada fundamentalmente por erros de política econômica da nova matriz - que enfraqueceu a atividade como um todo. Borges, porém, vê o dedo aí também de provável doença holandesa causada pela apreciação cambial no boom de commodities da década de 2000.

Em função desse diagnóstico, ele considera necessária uma política industrial "bem feita", e que aborde a questão da diversificação produtiva. Não é o único item a ser receitado,frisa, já que a pauta sempre enfatizada de maior investimento em infraestrutura, melhoria do ambiente de negócios, redução do custo Brasil etc. também é necessária. Mas ele vê a política industrial como ferramenta indispensável.

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Uma última observação do economista é de que a reforma tributária, apesar de em tese ser uma reforma horizontal que beneficia toda a economia, teve um caráter "setorial" (nesse sentido, se aproximando de certa forma de políticas industriais), por reduzir a tributação indireta dos bens relativamente à dos serviços.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/3/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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