Na decisão a ser divulgada hoje pelo Copom, o mercado unanimemente prevê um corte de 0,5 ponto porcentual (pp) da Selic, de 11,25% para 10,75%, e o debate se moveu para como será o comunicado - e, semana que vem, a ata.
[a coluna foi publicada antes da decisão do Copom, que cortou a Selic em 0,5pp na quarta-feira, 20/3]
Talvez o principal tópico de discussão seja a fórmula, que vem sendo repetida na comunicação ao longo deste ciclo de afrouxamento monetário, de que os membro do Copom "anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões", o que se traduz como no mínimo mais dois cortes de 0,5pp.
Uma corrente do mercado considera que telegrafar mais dois cortes de 0,5pp a esta altura do campeonato é amarrar demais as mãos da política monetária, e que seria o momento de, pelo menos, reescrever aquela frase no singular. Isto é, mais um corte de 0,5pp "na próxima reunião".
[o Copom efetivamente mudou a expressão para o singular]
Mas há outra questão importante sobre a qual também é válido ficar atento em relação a eventuais mudanças na comunicação do BC, que é o fato de que as perspectivas da política monetária nos Estados Unidos recentemente se tornaram mais hawkish, isto é, mais duras. Evidentemente, essa questão e a sinalização de outros cortes de 0,5pp estão ligadas.
Um complicador adicional é que hoje o FOMC, comitê de política monetária dos EUA (do Federal Reserve, FED, BC norte-americano), também tomou hoje (20/3) decisão sobre os Fed Funds, taxa básica dos EUA, com a comunicação de praxe. A taxa básica foi mantida em 5,25-5,50%.
Nos Estados Unidos, há não muito tempo a visão da política monetária prospectiva era bastante benigna, com ideia de cinco ou seis cortes dos Fed Funds possivelmente a partir desta reunião demarço. Mas isso é passado. Como nota o economista Tony Volpon, ex-diretor do BC, recente piora detectada na tendência da inflação americana, junto com a economia e o mercado de trabalho bastante aquecidos, vêm fazendo o Fed sinalizar adiamentos dos planos de cortes dos Fed Funds. Agora se esperam menos reduções, e se iniciando mais à frente no tempo.
O que pode mudar, naturalmente, o cenário para a política monetária no Brasil. Não se sabe se e como o Copom vai comunicar, ainda que indiretamente, essa questão da política monetária americana na ata de hoje. Um gestor de recursos, fonte da coluna, pensa que o Copom pode aumentar o tom ao comentar os riscos no cenário externo, mas mencionando que não existe relação direta com decisões sobre a Selic aqui. O canal mais plausível de uma coisa afetar a outra é via taxa de câmbio.
Que, aliás, provavelmente já foi afetada pela mudança no cenário da política monetária norte-americana. Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP, observa que, recentemente, quando ainda se acalentava a ideia de um ciclo mais rápido e profundo de cortes dos Fed Funds, esse cenário vinha junto com a ideia de um câmbio se apreciando no Brasil, e não vindo para os R$ 5 de hoje.
Volpon inclusive pensa que o BC brasileiro perdeu uma janela de oportunidade de cortar mais velozmente a Selic naquele momento, em que tanto a perspectiva de política monetária nos Estados Unidos quanto os sinais da inflação no Brasil eram bem animadores. Agora, há dúvida também quanto a esse segundo quesito, com uma discussão no mercado se recente piora no núcleo da inflação de serviços é fortuito ou configura uma tendência atrelada ao mercado de trabalho aquecido.
Assim, apesar de o corte de 0,5pp da Selic na reunião de hoje parecer garantido, o mercado estará ávido por pistas no comunicado (e na ata, semana que vem) sobre como o Banco Central se reposiciona (ou não) diante de um cenário um pouco mais difícil no front da política monetária.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 20/3/2024, quarta-feira.