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Combate à corrupção 'engatinha' no setor empresarial

Estudo da Deloitte indica que empresas precisam avançar em práticas, como o compliance, para evitar irregularidades

Por Ian Chicharo Gastim
Atualização:

Os escândalos de corrupção na Petrobrás trouxeram à tona a necessidade do combate à corrupção, tanto no setor público quanto no privado. As práticas de compliance e gestão de riscos - vitais para evitar ilícitos -, porém, ainda “engatinham” no setor empresarial do País, aponta estudo da consultoria Deloitte feito com 124 companhias.

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Sócia do Centro de Governança Corporativa da Deloitte, Camila Araújo acredita que o grande desafio é mudar a cultura das empresas. “Se irregularidades continuam acontecendo, o mecanismo de tratamento ainda não está completo.”

O levantamento indicou que mais da metade das companhias (55%) já teve casos de corrupção. Segundo André Fonseca, sócio da área criminal do Veirano Advogados, a estatística está relacionada ao “jeitinho brasileiro”. “Eu não vejo como surpresa, levando em consideração que esse tipo de conduta já foi o ‘modus operandi’”, afirma.

Ainda que a Lei Anticorrupção tenha criado incentivos para que as companhias criem departamentos de compliance e gestão de riscos, para se precaver de fraudes, a pesquisa apontou que essas áreas ainda precisam avançar no País. O investimento anual em compliance, por exemplo, não passa de R$ 1 milhão por ano em 76% das empresas pesquisadas.

O valor pode ser considerado baixo para a manutenção de uma estrutura que envolva, por exemplo, práticas de treinamento, recursos tecnológicos, monitoramento e canais de denúncia, para evitar, assim, desvios e danos à imagem da companhia. Na visão da sócia da Deloitte, “ainda existe uma confusão conceitual” no mercado brasileiro sobre o compliance. “Ele significa aderência às normas e regulações e deve ser complementar a uma gestão de riscos, sinérgico a controles internos, e tem que ser validado e certificado pela auditoria interna”, defende.

Parte da função que o compliance tem em uma empresa, o treinamento para evitar casos de corrupção não é tão difundido nas empresas brasileiras. A pesquisa mostrou que 48% das companhias não possuem um programa de treinamento anticorrupção, o que dificulta o combate à prática de ilícitos, na visão de Camila Araújo. “O treinamento é um dos principais instrumentos de capacitação e aculturamento dentro das empresas. Muitas vezes a mensagem fica encapsulada na alta administração e não desce para a operação, ou está na operação e não na alta administração. Existe um conflito de comportamento”, afirma.

Se o compliance ainda não está tão difundido no País – 40% das empresas do estudo não têm um profissional dedicado à função –, a busca pela estruturação de processos para garantir o cumprimento às leis tem crescido nos últimos anos. André Fonseca, do Veirano Advogados, observa, porém, que há uma falta de profissionais especializados. “Hoje a gente acaba formando pessoas com o tempo, no dia a dia. É uma coisa para o médio prazo”, afirma.

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Criar um departamento de compliance, porém, não garante sua implementação efetiva. "É um trabalho de longo prazo, mas existem ações para garantir, como definir um código de ética", defende Camila. Na visão de André Fonseca, a Lei Anticorrupção vai ajudar para que práticas como o compliance não sejam "coisa de vitrine". "Se cair na peneira, vai ter que mostrar que não foi ‘para inglês ver’. A empresa terá que provar que fez tudo que estava ao seu alcance para evitar fraudes. Isso não é do dia para a noite, mas tendemos a crescer na concepção de que estamos lidando bem com o combate à corrupção."

Gestão de riscos. Como a nova legislação contra corrupção prevê punições para empresas mesmo por fraudes cometidas por outra organização, o monitoramento de fornecedores, terceiros e parceiros é cada vez mais relevante. De acordo com o Ronaldo Fragoso, sócio-líder da Deloitte em Gestão de Riscos, "nunca vai existir uma empresa 100% blindada", mas a companhia “deve ter mecanismos para mitigar riscos”. 

"A exposição que uma empresa pode ter por causa de problemas no cumprimento à legislação é enorme. Uma empresa pode perder 50% do valor de mercado por conta do dano de reputação, de imagem, e, às vezes, ela não recupera o valor. Há o risco de se destruir o valor e não recuperar", alerta Fragoso.

Na visão do especialista, sistemas de informação sofisticados proporcionam uma melhor implementação da gestão de riscos, em virtude da quantidade de informações que eles podem oferecer para auxiliar a tomada de decisão de uma empresa. “Baseado em um histórico, a gestão de riscos faz com que as decisões sejam mais acertivas. Seguradoras já tem uma melhor gestão, mas as empresas brasileiras, em geral, estão caminhando para melhorar essa questão”, afirma.

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Em tempos digitais, as redes sociais oferecem ainda mais um agravante em termos de riscos à reputação e à imagem da corporação. “Como você não pode blindar uma companhia, quanto mais rápido uma empresa tratar de uma crise, mais rápido ela irá reagir e preservar o valor da companhia, e as empresas brasileiras já perceberam isso. Prevenir uma crise custa infinitamente menor do que gerir uma crise depois de instalada”, defende Fragoso.

Lidar com o complexo ambiente regulatório brasileiro está entre os maiores desafios para a gestão de riscos nas empresas brasileiras. Professor-doutor de da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Cruz Bottini afirma que as empresas brasileiras, muitas vezes, têm dificuldades para operar no “emaranhado de normas” do País. “O compliance ajuda a companhia a conhecer e ficar atualizado sobre o complexo ambiente regulatório, além da interpretação da norma que a autoridade regulatória dá”, afirma.

Por conta disso, Bottini reforça a necessidade da implementação de um “canal de comunicação com o regulador”. “Esse intercâmbio é muito comum nos bancos, onde eles vão se adequando às novas demandas, expondo dúvidas e construindo uma relação”, afirma. “Isso é o que o compliance pode fazer que é aprimorar esse intecâmbio, além de implementar processos internos de adequação, fiscalizações internas, dentre outras práticas, para evitar infrações”.

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