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Saiba como fazer doações seguras para instituições públicas e do terceiro setor

Especialistas recomendam mínimo de formalidade no ato de doação e que empresas fiscalizem se recursos chegaram aos beneficiados

Por Luisa Laval
Atualização:

Diversas empresas têm se mobilizado para ajudar no combate ao novo coronavírus, seja pela doação de valores financeiros, seja pela doação de itens específicos, como álcool em gel e máscaras, ou pela prestação de serviços, como o conserto de ventiladores mecânicos. Mesmo havendo a boa intenção, é preciso tomar uma série de cuidados para que essas doações sejam feitas de forma legal e segura.

Emdoações ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou a outras instituições públicas,empresas devem se atentar para as regras de cada órgão e verificar a possibilidade de doar recursos para uma ação específica. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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Especialistas recomendam, por exemplo, que todo tipo de doação tenha algum registro contábil, para que se inclua em demonstrações financeiras dos negócios. Também é preciso monitorar as doações para verificar se foram entregues ao destinatário final e se não houve algum desvio ético no caminho.

“Todas as opções de doação têm alguma fragilidade. Mesmo que o donatário compre os itens que serão doados, pode haver corrupção ligada a ela. O caminho da doação feito pelas grandes empresas me parece um caminho seguro”, afirma o coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio, Michael Mohallem.

“A observância das normas de compliance em doações se traduz em segurança jurídica e no atingimento dos fins públicos colocados. Isso é bom para as empresas, porque elas cumprem com a sua função social, e é bom para a sociedade, porque há um reforço no combate a essa calamidade pública”, afirma o professor de Direito Administrativo da UFRJ e advogado do escritório Barbosa, Raimundo, Gontijo e Câmara Advogados, Bernardo Pedrete.

“Diante dessa situação em que todo mundo está correndo o mesmo risco, o sentimento da empatia e da solidariedade vieram à tona, mas isso tem de ser feito direito. É muito justo que a própria empresa use a sua relação com os seus colaboradores e com a sua rede de negócios, sejam fornecedores ou clientes, para promover algo assim, sempre com a maior transparência possível para não parecer que tem alguém se aproveitando dessa situação”, diz o presidente da MESA Corporate Governance, Luiz Marcatti.

Cuidados ao fazer doações a instituições privadas ou do terceiro setor

Verificar as regras da empresa quanto a doações: “No âmbito do compliance empresarial, as doações devem estar de acordo com as regras da própria empresa. Se a empresa não tiver uma regra interna que permita doação, não pode existir”, diz Mohallem. “A grande maioria das empresas não tem regras formais para tudo o que acontece dentro, então é necessário também estabelecer a comunicação entre donos e executivos da companhia”, complementa Marcatti. 

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Conferência de dados: Pedrete recomenda a checagem das informações da instituição com dados públicos disponíveis: “É importante fazer uma checagem do donatário, para saber se de fato tem fins institucionais. Essas entidades normalmente mantêm sites com as informações básicas para que seja efetuada a doação, então você pode fazer uma verificação dessas informações, para saber se o CNPJ bate, se aquela conta corrente é de fato daquela instituição, saber se há algum tipo de prestação de contas”.

Evitar situações de conflito de interesses: os gestores devem se preocupar se a doação pode favorecer algum indivíduo dentro da empresa. “Por exemplo, se uma instituição beneficiada pertence à filha do dono da empresa, mesmo sendo por uma boa causa, pode levantar dúvidas sobre o processo de escolha da destinação da doação. Pode até não ser ilegal, mas fere uma boa prática e pode estar contra o código de ética da própria empresa”, afirma o especialista da FGV.

Formalizar o ato de doação: “Tanto em doações para entidades privadas quanto para do terceiro setor se pode formalizar a doação, fazer um termo privado de doação, identificando doador, donatário, os bens ou valores que são doados, e deixando registrado assim o ato”, diz o professor da UFRJ. Dependendo do tipo de organização e da quantia doada, basta elaborar um termo simplificado. “É dar o mínimo de formalidade nesse processo. Não é criar burocracia para uma ação emergencial, mas também não é criar algo excessivamente sofisticado: é fazer uma comunicação estruturada entre sócios, executivos e colaboradores da empresa”, afirma o presidente da MESA.

Registrar o ato na contabilidade e informar à Receita Federal: “Do ponto de vista legal, o compromisso da empresa é informar a Receita (por meio da Declaração de Imposto de Renda para Pessoa Jurídica, IRPJ) e a contabilidade sobre a transação que foi feita. Caso a empresa queira adquirir produtos para depois doá-los, o processo é semelhante. A aquisição tem de ser justificada, pois aquela seria uma compra atípica, para que acionistas entendam que aquela compra foi validada pelo conselho da empresa”, diz Mohallem. Em caso de dedução de impostos, é necessário verificar a legislação municipal e estadual e informar os dados completos na IRPJ.

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Monitorar a destinação dos recursos: “É importante monitorar, pois se posteriormente há um desvio de recursos, se esse dinheiro não é encaminhado para o combate ao coronavírus, isso pode gerar um dano reputacional, um problema para a própria imagem da empresa”, diz Pedrete. “Existe uma série de prestação de contas com um nível de satisfação razoável para quem doou recursos. Você tem de saber como o recurso foi utilizado. É uma forma de evitar um uso sem ética de recursos”, afirma o professor da FGV.

Doações a instituições públicas

No caso de doações ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou a outras instituições públicas, além de tomar as mesmas precauções, empresas devem se atentar para as regras de cada órgão e verificar a possibilidade de doar recursos para uma ação específica.

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“Nos últimos anos, a legislação anticorrupção e de compliance se fortaleceu muito no Brasil, e os controles internos das empresas foram incorporando essa mudança de cultura que a legislação intentou promover. A preocupação é sempre checar se você está fazendo o aporte da doação para a conta correta daquela entidade, daquele programa de doação desejado, se não é uma fraude, se há meios de controle e se permite que haja um monitoramento dessas doações”, afirma Pedrete.

Outro receio de empresas pode ser a caracterização da doação como colaboração com campanhas ou políticos, especialmente neste ano, em que ocorrerá eleições municipais. De acordo com Michael Mohallem, é preciso ter cautela com a destinação e a maneira como a doação será interpretada.

“As empresas até podem doar para uma causa pública, em que um partido esteja envolvido. Por exemplo, uma campanha de conscientização que seja liderada por um partido, em que há uma questão política envolvida, mas não pode haver vínculo com as eleições. É claro que pode haver uma exploração política dessa doação. Por exemplo, se uma empresa faz uma doação de recursos para um hospital, um prefeito pode tentar se apropriar politicamente disso, dizendo que ele viabilizou a doação. Pode até ser verdade e nem ser ilegal, mas é algo que fere a imagem da empresa. É um limite muito difícil: uma doação que não é ilegal em princípio, mas alguém pode fazer um uso político”, diz o professor. 

Marcatti conclui que, a observância das regras reduz o risco da realização de doações e permite a destinação correta de todos os recursos: “Não se trata apenas de burocracia. É importante estar atento para que seja um bem, alcance o maior número de pessoas e seja uma coisa positiva, tanto para quem está recebendo quanto para quem está doando. Isso evita problemas futuros, em que eu posso ter feito um bem para muita gente, mas tenho de me explicar na justiça porque eu fiz isso”.