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Haddad corre risco de ver maré positiva da economia virar diante de agenda empacada no Congresso

Equipe econômica enfrenta dificuldades para aprovar medidas tributárias necessárias ao aumento da arrecadação e redução do rombo das contas públicas em 2024

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Por Adriana Fernandes

BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, surfou numa onda positiva para a agenda econômica nos últimos meses, mas corre o risco de ver a maré virar com as dificuldades que começou a encontrar em agosto para aprovar as medidas tributárias necessárias ao aumento da arrecadação e redução do rombo das contas públicas em 2024. Se houver uma percepção de que o risco vai piorar por falta de entrega das medidas, o alongamento do processo de queda de juros deve ficar mais difícil.

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Em agosto, a pauta econômica parou de andar e o mercado passou a ter mais dificuldade de vislumbrar melhora no cenário sem novas medidas no front para alimentar a maré em alta. Já se passaram 45 dias da aprovação da última medida econômica: a reforma tributária.

Até agora, a expectativa do Banco Central (BC) era de que a lua de mel do mercado com a agenda econômica do ministro Haddad iria até meados do ano que vem, facilitando o processo continuado de redução de juros após o primeiro corte da taxa Selic de 0,50 ponto porcentual no último dia 2.

Cenário complicou com a demora da reforma ministerial e o estopim da crise aberta na relação de Haddad com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O cenário complicou com a demora da reforma ministerial do governo Lula e o estopim da crise aberta na relação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) com Haddad, que criticou publicamente as lideranças da Casa.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, passou os últimos dias alertando para o problema do que chama de “desancoragem gêmea”, tanto da política monetária quanto da fiscal. Repetiu essa leitura em seguidos eventos de que participou, inclusive no Congresso.

Essa desancoragem acontece porque, de um lado, o mercado mantém uma projeção de inflação (IPCA) de 3,5% em 2025 e 2026, enquanto a meta é de 3%. De outro, as projeções para resultado das contas públicas é de déficit de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) - e o governo fixou a meta de zerar o rombo no ano que vem.

“Há uma diferença grande entre metas fiscais do governo e o que mercado acredita. Se o mercado acreditasse que o que será feito de fiscal é exatamente o que o governo promete, a gente teria uma curva de juros lá na frente mais baixa, propiciando uma queda maior e mais duradoura de juros. Essa harmonização de política monetária e fiscal também depende de expectativas”, disse Campos Neto. O problema para o BC é muito menos zerar o déficit em 2024, mas apontar a direção das medidas para melhorar o caminho não só no ano que vem, mas nos próximos -- inclusive, cortando despesas.

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Para o chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Julio Senna, os dois lados (Haddad e Lira) têm interesse em tocar a agenda. Senna avalia que Lira não vai querer ficar identificado como o responsável pela piora das dificuldades da economia. “Seria um custo muito alto”, aponta.

Ex-diretor do BC, ele explica que, para o banco, o mais importante é a maneira como o mercado percebe as diretrizes da política fiscal. A depender da mudança de percepção, há impacto em duas variáveis-chave para a política de juros: expectativa de inflação e a percepção sobre o prêmio de risco Brasil, com impacto no dólar. “À medida que o impasse se estender mais e dificultar os novos números do Orçamento, o mercado vai reagir mal”, diz.

Caça ao Tesouro

Apesar da resistência da Câmara, já identificada, de votar as medidas Robin Hood (de taxação dos mais ricos), Haddad tem repetido a interlocutores que as propostas são meritórias e que seguirá nessa toada. Segundo ele, não se trata de criação de aumento de impostos, mas de reposição de carga. O ministro da Fazenda e lideranças do Congresso têm sido aconselhados a aprovar um plano para valer de redução de subsídios com definição de um corte anual por meio de uma “escadinha” a cada ano, por exemplo, 5%.

Esse tipo de modelo, chamado de “linha d’água” já foi tentado no passado, não avançou, mas volta agora ao debate. Até agora, o governo Lula ainda não implementou uma política de corte de subsídios, como prometeu em janeiro.

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Economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, diz que a agenda econômica está “entupida”, após a fase do primeiro semestre de medidas adotadas, como o arcabouço fiscal, e uma confluência favorável dos astros que desanuviaram o cenário pessimista do início do governo Lula.

“Só que, agora tem, toda a agenda de caça ao tesouro para o ajuste fiscal baseada na arrecadação. O Haddad está indo na raspa do tacho para fazer o resultado fiscal”, afirma. Segundo ele, o ministro fez uma escolha legítima de buscar esse caminho, mas ela não é fácil, porque envolve custos para aprovar cada medida. Salto pontua que o grande desafio é aprovar o Orçamento mostrando que vai cumprir o arcabouço fiscal, que a estratégia fiscal é crível, além de segurar as pressões por novos gastos - pontos mais importantes do que zerar o déficit em 2024.

“Nenhum especialista falou que a meta zero seria cumprida no ano que vem”, destaca. Ele prevê um déficit de 0,9% do PIB no ano que vem. O economista chama atenção de que seria um erro o governo mudar a meta fiscal, como tem sido defendido por parlamentares.

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Empresária do setor de telecomunicações com trânsito no Congresso, a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Suruagy, afirma que a reforma ministerial já deveria estar resolvida para a pauta avançar.

“O governo precisa pegar os assuntos no laço e resolver a reforma ministerial para criar uma base efetiva de apoio com abertura de diálogo efetivo”, diz. “O Brasil mudou a sua classificação (pelas agências de risco) e isso precisa permanecer”, ressalta.

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