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O outro lado da notícia

Opinião|Ao contrário do que parece, Lula não deu ‘toco’ em Haddad na meta fiscal e até ajudou o ministro

Embora muitos analistas coloquem o presidente e seu preposto em campos opostos em relação às contas públicas, eles são mais afinados do que se pensa em tudo o que falam e fazem, inclusive nesta questão

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Atualização:

Logo após a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que “dificilmente” conseguirá cumprir a meta de déficit zero em 2024 – prevista no novo arcabouço fiscal proposto pelo próprio governo e aprovado pelo Congresso – ganhou corpo a visão de que sua fala teria sido um “toco” no ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem representado o papel de “mocinho” da gestão petista em relação às contas públicas.

Lula já deu inúmeras mostras de afinidade com Haddad e de confiança em seu fiel escudeiro  Foto: André Borges / EFE

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De certa forma, é até natural que essa leitura dos acontecimentos tenha prosperado por aí. Afinal, foi Haddad quem propôs o arcabouço, que prevê equilíbrio fiscal no ano que vem, e é ele quem está buscando saciar a sede arrecadatória do governo, para lastrear a gastança de Lula e garantir o cumprimento da meta – uma tarefa que demandará a “bagatela” de R$ 168 bilhões em receitas adicionais, segundo os cálculos oficiais.

Mas, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, é difícil imaginar que o presidente tenha jogado uma bola dessas nas costas de Haddad, como costumava fazer o ex-presidente Jair Bolsonaro com seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Enquanto Guedes e Bolsonaro tinham sérias divergências em relação à condução da economia, apesar do “casamento de conveniência” que os uniu e das eventuais concordâncias que existiam entre eles, Lula e Haddad são afinados como uma orquestra em tudo – ou quase tudo – o que falam e fazem, ainda que, algumas vezes, como no caso da meta fiscal de 2024, a impressão que se tenha é de que estão em campos opostos.

É difícil acreditar, também, que Lula disse o que disse sem ter falado antes com Haddad e sem que o próprio ministro o tenha alertado de que a meta de zerar o déficit “subiu no telhado” antes mesmo da virada do ano, diante das projeções de crescimento nos gastos acima da arrecadação. É provável até que o próprio Hadad tenha pedido ajuda a Lula nesta questão, para não ter de torpedear o que ele mesmo havia se comprometido a cumprir meses antes e para não ter de arcar sozinho com o ônus do rombo fiscal que se anuncia.

Embora seja tido por setores da Faria Lima como “moderado”, Haddad assina embaixo dos devaneios do presidente. Assim como Lula, Haddad apoia o aumento de gastos públicos e uma maior interferência do Estado na economia. Assim como Lula também, ele resiste ao corte de despesas para garantir o equilíbrio fiscal.

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O fato de estar empenhado em buscar novas receitas, em prejuízo dos pagadores de impostos, para que o governo possa abrir os cofres e manter uma decência aparente nas contas públicas, está longe de significar que ele discorde do que Lula quer fazer. Ou que Lula não apoie o esforço de Haddad para cumprir à risca a tarefa de minimizar, dentro do possível, os estragos fiscais causados pelas políticas perdulárias do governo.

‘Poste’

Mesmo que tudo isso possa parecer uma “teoria conspiratória”, não faz muito sentido acreditar que Lula esteja jogando casca de banana no caminho de seu fiel escudeiro. Além de ter insistido com Haddad para que assumisse o comando da economia, Lula já deu inúmeras mostras da confiança que deposita em seu preposto.

Quando estava preso em Curitiba, sem poder participar das eleições de 2018, foi Haddad, que o visitava no xilindró dia sim, dia não, o escolhido para representá-lo no pleito. Não por acaso, Haddad era chamado na época de “poste” por seus adversários, pela fidelidade canina que mantinha ao líder petista, mesmo nos tempos do cárcere.

Nas eleições de 2022, quando precisava de um nome para alavancar sua candidatura à Presidência em São Paulo, maior colégio eleitoral do País, foi Haddad quem Lula escolheu mais uma vez para a missão, como seu candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Mesmo sem ter sido eleito, Haddad deu a Lula votos preciosos ao colher uma vitória improvável na cidade em que tentou, sem sucesso, reeleger-se como prefeito em 2016, sendo derrotado de forma vexatória por João Doria, então no PSDB, logo no primeiro turno.

Apesar de não ter sido levada muito a sério, a própria “presidenta” do PT, Gleisi Hoffmann, reforçou a ideia de que a declaração de Lula sobre a meta fiscal foi uma forma de preservar Haddad do desgaste de assumir pessoalmente que ela não é viável, depois de passar meses falando o contrário.

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“O presidente @LulaOficial protegeu o ministro Fernando Haddad ao trazer para si a responsabilidade da política fiscal e reconhecer que o resultado zero será impossível para o ano que vem”, disse Gleisi, em publicação nas redes sociais. “Quanto mais realistas as metas, menos complicadas ficam as negociações políticas. Sem drama, menos, a vida continua com a perspectiva de todos poderem melhorar.”

‘Panos quentes’

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Por mais que tenha parecido para muita gente que Gleisi queria apenas colocar “panos quentes” nas discordâncias entre Lula e Haddad, sua publicação revela mais da relação de ambos do que as aparências podem sugerir. Ao mesmo tempo, sua afirmação sobre a meta fiscal, assim como a de Lula, já se tornou voz corrente na praça.

A rigor, a meta de zerar o déficit em 2024 já foi descartada há tempos pelos economistas mais críticos do mercado financeiro – com reflexos negativos nas estimativas divulgadas pelo Boletim Focus, do Banco Central – e já vinha sendo questionada pelo próprio governo e pelo Congresso.

Outro dia, até o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, que é subordinado a Haddad, afirmou que zerar o déficit em 2024 será “desafiador”, apesar de ter descartado a mudança da meta. O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, foi além e disse sem meias palavras, de acordo com informações publicadas pelo Estadão, que é preciso alterar a meta fiscal, diante da alta probabilidade de ela não ser cumprida.

Haddad colocou a culpa pela situação fiscal do País no Congresso e no STF Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara

Mesmo Haddad já vinha acenando com a possibilidade de antecipar medidas previstas apenas para 2024, com o objetivo de viabilizar a meta de zerar o déficit fiscal, deixando claro que tinha dúvidas de que seria possível alcançá-la com as ações originalmente planejadas, cujas aprovações pelo Legislativo não são favas contadas. É sintomático que, ao ser questionado por jornalistas sobre o apoio de Lula à meta, ele tenha poupado o presidente e culpado o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) pela situação fiscal do País.

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O encontro marcado para esta terça-feira, 31, entre Lula, Haddad e líderes da base aliada do governo na Câmara não deixa de ser mais uma demonstração de que o presidente e o ministro estão trabalhando juntos para tentar convencer os parlamentares a mudar a meta de déficit primário em 2024, colocando em xeque o novo arcabouço fiscal logo na largada.

Neste cenário, o antagonismo que existiria entre Lula e Haddad pode até alimentar o imaginário popular e render muita discussão nas mesas redondas de economistas e cientistas políticos. Mas, ao que tudo indica, pela sólida relação entre o presidente e seu ministro, o mais provável é que, desta vez, apesar da desconfiança de muitos analistas com suas afirmações, Gleisi Hoffmann tenha razão.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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