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O outro lado da notícia

Opinião|Mercado aposta contra previsões de Haddad e novo arcabouço vira peça de ficção antes de nascer

Estimativas dos economistas dos bancos apontam déficits primários até 2026 e colocam em xeque equilíbrio nas contas públicas embutido na proposta do governo

Foto do author José Fucs
Atualização:

O novo arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para substituir o teto de gastos, pelo qual o total de despesas de um ano é limitado ao valor do ano anterior corrigido pela inflação, nem foi aprovado ainda em definitivo pela Câmara, depois de ter sido modificado pelo Senado. Mas, segundo os analistas de mercado, já se tornou uma peça de ficção.

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De acordo com os dados mais recentes do Boletim Focus, do Banco Central, as metas fiscais previstas pelo novo arcabouço para o período de 2023 a 2026– calculadas com base no aumento de receitas e não no corte de despesas – estão bem mais otimistas do que apontam as estimativas dos economistas dos bancos.

Pelas previsões do governo, as contas públicas devem fechar 2023 com um déficit primário de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Depois, a previsão é zerar o déficit em 2024 e transformá-lo em superávits de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026, com uma tolerância de 0,25 ponto percentual, para mais ou para menos, durante todo o período.

Otimismo do ministro Fernando Haddad em relação às contas públicas contrasta com as previsões dos economistas dos bancos Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Na avaliação do mercado, porém, conforme os números do Focus, apurados com base nas estimativas dos bancos, o déficit em 2023 deverá chegar a 1% do PIB, o dobro do previsto pelo governo. Nos anos seguintes, a projeção dos economistas das instituições financeiras é de que o Orçamento vai continuar no vermelho, com déficits equivalentes a 0,8%, 0,5% e 0,35% do PIB em 2024, 2025 e 2026, respectivamente.

Considerando um PIB de cerca de R$ 10 trilhões neste ano, isso significa que, em vez da geração de um superávit total de R$ 100 bilhões nos quatro anos do governo Lula, caso as metas previstas no novo arcabouço sejam cumpridas, o que deverá acontecer, pelas estimativas do mercado, é um rombo fiscal de R$ 265 bilhões no período. Ou seja, a diferença entre o que o governo prevê e o que os analistas preveem alcança a “bagatela” de R$ 365 bilhões (3,6% do PIB) até 2026, levando em conta no cálculo a estimativa do PIB para 2023.

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É certo que, muitas vezes, as previsões catastrofistas dos economistas acabam desmentidas pela realidade. Foi assim, por exemplo, com a previsão de que a dívida pública alcançaria mais de 100% do PIB no pós-pandemia, mas ela acabou fechando em 73,6% do PIB em 2022, no menor patamar desde 2016. Foi assim, também, em relação à retomada da atividade econômica em 2021, após a recessão de 2020, mas ela voltou “em V”, como previa o ex-ministro da Economia Paulo Guedes. E foi assim, ainda, em 2022, quando as projeções apontavam para uma recessão ou um crescimento muito baixo, mas no fim o PIB fechou em alta de 2,9%. Não seria inusitado, portanto, se os economistas errarem de novo desta vez.

A questão é que, agora, as previsões do mercado já estão sendo confirmadas pela realidade. Até o próprio governo já anda dizendo que o quadro é mais nebuloso do que as projeções embutidas no novo arcabouço fiscal. O próprio Haddad já fala que o déficit em 2023 deverá ficar em 1% do PIB. Mas sua previsão, apesar de estar bem abaixo do déficit previsto no Orçamento, de 2,3% do PIB, está acima da que consta no arcabouço e não encontra eco nem na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

A última previsão da Secretaria de Orçamento do Ministério do Planejamento já elevou a estimativa de déficit primário para R$ 145,4 bilhões (1,4% do PIB) em 2023, quase três vezes mais que a meta definida no novo arcabouço, o que aumenta as incertezas em relação às metas fiscais propostas por Haddad e ao que deve acontecer nos próximos anos com as contas públicas.

Muitos analistas colocam em xeque a previsão de que o governo conseguirá obter as receitas adicionais necessárias para cumprir as metas previstas no arcabouço, mesmo com uma eventual aceleração da atividade econômica e com a adoção de medidas que aumentem a carga tributária no País, como a volta do chamado “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que está em análise no Congresso, cujo objetivo é beneficiar o Fisco nos julgamentos que terminarem empatados no órgão.

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Embora algumas medidas arrecadatórias propostas por Haddad só comecem a ter efeito em 2024, o resultado da arrecadação federal no primeiro semestre ficou muito aquém do esperado, emitindo um sinal preocupante em relação à real capacidade de o governo entregar o que está prometendo.

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Segundo dados do Tesouro Nacional, as receitas no primeiro semestre ficaram 5,1% abaixo do mesmo período de 2022, já descontada a inflação, enquanto as despesas subiram, em termos reais, os mesmos 5,1% ante os gastos do ano passado. Com isso, as contas federais fecharam com um déficit de R$ 42,5 bilhões no semestre, quase atingindo o rombo previsto para o ano todo no novo arcabouço.

Desconfiança

Hoje, não há consenso nem mesmo em relação a quanto o governo precisa de recursos adicionais para viabilizar as metas definidas nas novas regras fiscais. Haddad fala em R$ 100 bilhões. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, no entanto, estima que seriam necessários R$ 150 bilhões, isto é, 50% a mais. O ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do Banco BTG Pactual, vai além. Para ele, seria preciso viabilizar uma arrecadação adicional de R$ 200 bilhões para o novo arcabouço “parar de pé”, o que parece difícil de obter no momento e oneraria ainda mais o setor produtivo e os cidadãos, já sufocados por uma carga tributária de 33% do PIB, a mais alta entre os países emergentes.

Diante deste quadro, o mais provável é que as previsões do mercado se concretizem e o País continue a registrar déficits primários até 2026, ampliando a dívida pública, principalmente se o governo Lula insistir na ideia de buscar o equilíbrio fiscal não apenas sem cortar gastos, mas ampliando de forma considerável as despesas.

No fim, isso vai acabar fazendo com que os juros se mantenham em nível elevado, ao contrário do que quer o governo, turbinando o custo de rolagem da dívida e contendo a expansão da economia, com o aumento da desconfiança do setor privado em relação à situação fiscal e ao futuro dos negócios.

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Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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