Do Instagram ao TikTok: como influenciadores transformam postagens em vendas de casas milionárias

Nas redes sociais, os corretores de imóveis ganharam projeção e se destacaram ao ter comunicação clara e direta com consumidores, atraindo clientes de alta renda; entenda o fenômeno dos vídeos de casas e apartamentos de luxo

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Foto do author Lucas Agrela

Plantões de vendas intermináveis e horas de trabalho mostrando apartamentos decorados ou moradias usadas eram parte da rotina de qualquer corretor de imóveis. Mas, assim a como outros profissionais, as redes sociais permitiram aos corretores atingirem, com apenas uma publicação no TikTok, Instagram ou YouTube, milhares de pessoas. Corretores chegam a vender casas de mais de R$ 20 milhões graças aos conteúdos publicados nas redes.

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Esse é o caso de Monica Poplawski, que tem mais de 110 mil seguidores no Instagram, cerca de 400 mil no TikTok e mais 60 mil no YouTube. Corretora de imóveis desde 2017, a ex-telemoça dos programas Silvio Santos e Gugu usa a sua intimidade profissional com as câmeras para gravar vídeos em um só take, compartilhando tanto seu conhecimento sobre os imóveis de luxo de Alphaville, onde reside, quanto a sua simpatia. A experiência como vendedora de mármore também ajuda a tecer comentários sobre os revestimentos usados nas casas que anuncia nas redes.

Monica começou trabalhando com imóveis que tinham aluguéis entre R$ 2 mil e R$ 3 mil e foi subindo esse valor pouco a pouco, até que chegou a pandemia de covid-19, que causou uma mudança no mercado imobiliário. As pessoas procuravam casas com mais espaço e podiam morar mais longe dos centros comerciais da capital por causa do trabalho remoto.

“A pandemia me jogou aos imóveis de milhões de reais. Nessa época, cresceu muito a procura pelo aluguel de alto padrão. Casas com aluguel de R$ 70 mil ao mês tinham competição de clientes. Isso fez nosso valor de venda e de aluguel subir muito”, conta.

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Monica Poplawski é influenciadora de imóveis e corretora em Alphaville Foto: Felipe Rau/Estadão

Contrariando a visão de que o TikTok é uma rede puramente de entretenimento, com dancinhas e dublagens, Monica diz que o público interessado por imóveis na rede existe e compra imóveis caros. “A primeira casa de R$ 11 milhões que eu vendi foi por causa do TikTok”, diz. Atualmente, sua rede de contatos e carteira de clientes já gera negócios por conta própria, mas os vídeos nas redes sociais continuam como parte estratégica de captação de novos clientes.

O corretor de imóveis de luxo Augusto Braga atua na área desde 2013, mas só começou a usar as redes sociais de forma estratégica para potencializar seu trabalho a partir de 2017. No YouTube, ele mostrava as casas que tinha à venda e começou a conquistar audiência, enquanto também publicava fotos e vídeos curtos no Instagram, de onde consegue hoje captar a maior parte das pessoas interessadas em comprar um imóvel.

“A rede social foi a grande propulsora para captar clientes que eu nunca teria acesso. A rede social democratiza o acesso às pessoas. Como trabalho com clientes de alto padrão, busco trazer informações detalhadas sobre os imóveis. Por meio das redes, consegui clientes que compraram imóveis de R$18 milhões, R$ 20 milhões ou R$ 35 milhões”, conta o influenciador.

Braga, que tem mais de 340 mil seguidores no Instagram e 130 mil no YouTube, ganhou projeção nacional quando o influenciador digital Casimiro reagiu a um de seus vídeos, recebendo mais de 2,5 milhões de visualizações.

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Além de atuar como corretor de imóveis, Braga também vende cursos online e presenciais para treinar profissionais que queiram se tornar corretores do segmento, ou elevar o patamar de qualidade de atendimento de clientes em outros mercados ligados ao luxo. “Para o corretor, o mercado imobiliário tem uma barreira de entrada muito baixa. Qualquer pessoa pode ser um corretor. Mas uma questão importante é a capacitação. Não há vendedor bem sucedido que não entenda do que está vendendo”, diz Braga.

Influenciador de imóveis de luxo Augusto Braga Foto: Paola Soares/Divulgação/Augusto Braga

Conhecida como Mara Mores, Tamara Steif é corretora de imóveis há 15 anos e entrou nas redes sociais após frustrações na vida profissional vividas enquanto trabalhava em empresas. Tamara passava finais de semana dentro de contêineres, fazendo plantões de vendas com jornadas de 12 horas, e não acreditava mais nos produtos que vendia, que eram apartamentos pequenos e feitos no limite do orçamento viável.

Na primeira vez que Tamara tentou vender um imóvel pelas redes sociais, ela fez um vídeo e pagou R$ 300 para destacá-lo ao público-alvo desejado. Após receber dezenas de interessados, ela conseguiu vender a propriedade em menos de um mês. “O segundo vídeo também foi assim. O primeiro cliente que visitou comprou”, conta.

O foco de Tamara é em imóveis de R$ 1 milhão ou mais, mas o luxo não é o principal fator que ela leva em conta, e sim o espaço oferecido pela casa ou apartamento e também a adequação da propriedade ao cliente. “Eu só vendo os lugares onde eu moraria. A mídia hoje é no imóvel novo. O imóvel antigo não tem marketing”, diz Tamara, que vende imóveis na região que vai do Alto de Pinheiros ao Itaim Bibi, em São Paulo.

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Ela critica a abordagem de vendedores que tentam forçar as vendas pressionando clientes, mesmo quando sabem que aquela compra pode colocar em risco a segurança de famílias inteiras. Nas redes, ela também compartilha dicas sobre apartamentos e conta sobre artimanhas usadas por construtoras para dizer que imóveis têm metragem maior do que de fato têm, como não incluir a espessura das paredes no cálculo, ou criar varandas grandes para aumentar o potencial construtivo de outras áreas do prédio, por não ser uma área coberta.

Tamara tem hoje seu próprio negócio, Mara Imóveis, junto com seu marido, Fabio Silveira, que deixou sua carreira em tecnologia para focar no negócio da família. “Vemos a transação imobiliária mais pelo lado humano. A propriedade pode ser o apartamento da mãe, onde aquela pessoa passou a infância. O mercado imobiliário virou uma máquina de dinheiro e, por isso, a experiência é terrível. Sempre colocamos o cliente em primeiro lugar. Quando um cliente vem comprar com a gente, pedimos que ele reflita sobre a compra, pensamos junto com ele sobre a decisão. Se a gente vende o imóvel certo pra pessoa, é ótimo. Se não, isso pode estragar a vida da pessoa”, diz Fabio.

Segundo Tamara, não existe script nem ensaio para os vídeos Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Para o presidente do Creci-SP, Augusto Viana, o consumidor de alta renda tem mais tempo e hábito de navegar pelas redes sociais, o que o leva a assistir mais conteúdos de influenciadores, inclusive sobre imóveis. “As pessoas gostam de navegar pelas redes e quando se depara com um anúncio de uma propriedade, de forma mais clean, sem aquela seriedade, elas param para ver e conhecer o imóvel. É uma forma de comunicação que tem dado certo. Corretores do mundo inteiro usam as redes para expor seus imóveis, dos mais simples aos mais sofisticados. É um fenômeno que já acontece há cinco anos e não para de crescer”, afirma.

O que explica o sucesso?

Para a professora e pesquisadora de marketing digital na FGV, Lillian Carvalho, o sucesso dos conteúdos relacionados a moradias, mesmo que do segmento de luxo, se deve à identificação que o assunto tem com a grande maioria das pessoas. “A casa é um tema universal, assim como acontece com finanças, relacionamentos, alimentação e desenvolvimento pessoal”, afirma a pesquisadora. “Não seria uma surpresa ver esses influenciadores, com tempo, criando suas próprias construtoras”.

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Apesar de um pequeno número de pessoas ter a possibilidade de comprar propriedades de milhões de reais, Lilian diz que o público das redes sociais assiste aos vídeos de influenciadores do mercado imobiliário de luxo porque as casas mostradas são aspiracionais, artigos de desejo de grande parte da população.

A pesquisadora conta ainda que nem todas as empresas entendem como trabalhar do jeito certo com influenciadores digitais, especialmente em segmentos mais conservadores, como o ramo imobiliário. Segundo Lilian, as empresas contratam influenciadores como se fossem celebridades, em vez de ter seus próprios influenciadores, que podem até mesmo ser executivos da companhia.

Sobre a conversão de vendas de imóveis anunciados, os influenciadores relatam que os imóveis de luxo atraem a atenção de um grande público e, mesmo que quem assiste aos vídeos não possa comprá-los, essas pessoas indicam os conteúdos a amigos que tenham mais dinheiro e acabam fechando negócios.

Influenciadores de empresas

De olho na tendência de influenciadores individuais se destacando na internet, as grandes empresas também estimulam que seus profissionais atuem de forma similar.

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A empresária Katia Aveiro, conhecida pelo irmão mundialmente famoso, o jogador de futebol português Cristiano Ronaldo, divulga nas redes sociais os apartamentos erguidos pela FG Empreendimentos em Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina. No Instagram, ela tem mais de 1 milhão de seguidores.

Katia Aveiro, irmã do jogador de futebol Cristiano Ronaldo, promove imóveis da FG Empreendimentos em Balneário Camboriú Foto: Reprodução/Katia Aveiro/Instagram

Katia trocou o restaurante pelo mercado imobiliário há alguns anos. Casada com um brasileiro de Gramado (RS), ela conta que conseguiu mais tempo para passar com a família ao migrar para o novo ramo. “Eu não preciso estar na minha empresa o tempo todo porque, enquanto se constrói, se produz, se faz o produto, e eu posso ir viajar para Portugal, eu posso ir à Arábia, eu posso estar com os meus filhos a hora que eu quiser, tenho essa liberdade. Então, eu comecei a me sentir mais realizada”, diz.

Em Balneário, Katia tem três apartamentos, sendo um no One Tower e dois Imperium Tower. Ela, sua mãe e seu irmão estampam a campanha institucional da FG. Nos 63 empreendimentos entregues, a FG diz ter volume geral de vendas de R$ 60 bilhões.

Também no setor de luxo, Moyses Parizatto, superintendente de vendas na Seller, uma unidade de vendas pertencente ao Grupo Cyrela, atua como influenciador nas redes sociais, promovendo os imóveis da construtora de alto padrão.

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Com carreira consolidada de 29 anos no setor, Parizatto está na empresa há quase duas décadas. Reconhecido como uma figura de proeminência no mercado de corretores, ele acumula mais de 400 mil seguidores em suas redes sociais, evidenciando sua influência e expertise no ramo.

“Atualmente, dentro do nosso portfólio de produtos, abrangendo todas as marcas do grupo Cyrela (Cyrela, Living e Vivaz), comercializamos desde opções acessíveis, com leads originados nas redes sociais, até produtos de alto valor, como os de luxo, que podem chegar a valores de R$ 35 milhões a R$ 40 milhões. Essa diversidade permite alcançar consumidores em diferentes grupos socioeconômicos, o que resulta em desempenho positivo em nossas vendas”, afirma Parizatto.

Para a gerente-geral de marketing no Grupo Cyrela, Telma Graziano, a atuação dos corretores da empresa como influenciadores digitais se tornou um componente importante na estratégia, que pode ser lucrativa para o negócio. “A divulgação deles nas redes sociais aumenta o alcance da marca e dos produtos. E essa abordagem pode fazer diferença e gerar excelentes resultados positivos. Dessa forma, os corretores representam um braço valioso que potencializa nossa estratégia, ampliando a credibilidade e reputação dos nossos projetos”, diz Telma.

Riscos

Ao buscar negócios imobiliários anunciados por influenciadores nas redes sociais, o consumidor deve adotar precauções essenciais. Segundo Viana, do Creci-SP, o comprador não deve se deixar levar apenas pela boa aparência do imóvel nas redes, pela simpatia do vendedor ou pelo impulso da compra, devido aos altos valores envolvidos nessa compra.

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É importante avaliar o entorno da propriedade, sua liquidez no mercado e, principalmente, verificar a documentação completa, que é a base de qualquer transação segura. Buscar informações sobre o vendedor, verificar se há ações judiciais contra ele ou seus sócios e cônjuges também é aconselhável.

“É importante entrar no site do Cresci para avaliar a validade do cadastro do corretor. Todo cuidado é pouco antes de assinar um contrato ou pagar qualquer valor. Jamais se deve fazer negócio pela internet sem visitar o imóvel”, afirma Viana.

Segundo Lilian, da FGV, o mercado imobiliário não está livre de tentativas de estelionato nas redes sociais e, por isso, é preciso atenção do consumidor e das autoridades. “A pessoa na internet pode falar que está vendendo qualquer coisa. É um mercado fértil para esse tipo de prática”, diz.

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