As ações da Embraer chegaram a subir mais de 4% nesta terça-feira, 15, e fecharam o pregão em alta de 3%. O motivador foi a informação de que a China ordenou às companhias aéreas do país asiático a suspensão de todas as compras de aviões da fabricante de aeronaves norte-americana Boeing. O pedido se estende às aquisições de equipamentos e de peças de aeronaves de empresas americanas.
Procurada, a Embraer não se manifestou. Ao analisar o contexto da companhia, o entendimento da maioria dos analistas ouvidos pelo Estadão é de que ela pode ganhar mercado na China, mas que esse avanço deve ser limitado, pelo menos em um primeiro momento.
“A curto prazo, não vejo muita alteração para a Embraer, mas a longo prazo pode beneficiar bastante a empresa”, diz o advogado Fábio Falkenburger, sócio da área de aviação do escritório Machado Meyer. “Como ela já tem entrada na China e a capacidade de produção e de entrega de aeronaves que atendem a aviação regional, tendem a aumentar os pedidos para ela. Mas precisamos levar em consideração o quanto a Embraer conseguiria assumir de um buraco deixado pela demanda da Boeing, porque existe uma limitação de capacidade instalada.”
As três maiores companhias aéreas chinesas, Air China, China Eastern e China Southern, estão com planos de receber, respectivamente, 45, 53 e 81 aeronaves, entre 2025 e 2027.
Uma linha da Embraer com potencial de ser beneficiada é a de jatos E2, que possui quatro modelos de média capacidade, de 70 a 124 passageiros. Essa linha fechou acordo, em 2014, com a China, que resultou em contrato para a entrega de 10 aeronaves, conta relatório do UBS BB.
Um produto rival a essa linha, o A220 da Airbus, fabricante sediada em Toulouse, na França, ainda não foi certificado na China — foi desenvolvido pela canadense Bombardier Aerospace, com o nome de Bombardier CSeries, antes dessa divisão ter o seu controle adquirido pela companhia europeia. Uma concorrência forte deve vir da linha C919, da chinesa Comac. “A linha da Comac é muito similar em relação à Embraer, e há grande probabilidade de a China dar preferência a ela”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Aviação (IBA), Francisco Lyra.
Barreiras dos EUA também criarão oportunidades?
Já os impactos na Embraer das tarifas criadas pelo presidente americano, Donald Trump, aos produtos brasileiros ainda estão sendo avaliados. Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, o setor aeroespacial brasileiro, ou seja, a Embraer, pode ser beneficiado na competição contra a canadense Bombardier e as fabricantes chinesas.
O Brasil teve tarifas estabelecidas abaixo dos níveis para o Canadá e a China. “Uma vez que a Embraer não compete diretamente com a Boeing e os seus produtos não possuem concorrentes fabricados nos EUA ela vai conseguir repassar os aumentos das tarifas ao comprador final”, diz.
A falta de concorrência de alguns jatos da Embraer por parte de fabricantes americanas pode, inclusive, até ajudar a convencer a Casa Branca a não estabelecer tarifas para esses jatos.
Em fevereiro, a fabricante brasileira anunciou ter fechado com a americana Flexjet o maior pedido de jatos executivos da sua história, avaliado em US$ 7 bilhões (mais de R$ 40 bilhões).
Dias antes, a Embraer já havia anunciado um outro acordo de exportação de aeronaves para os EUA, que conta com um financiamento de R$ 2,1 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Decisão chinesa ainda tem pontos nebulosos
Diversos pontos da decisão da China ainda precisam ficar mais claros. “Além de uma fabricante, a Embraer é uma montadora de aviões. Boa parte de custo de produção da aeronave é de manufatura americana, como por exemplo os motores fabricados pela GE”, afirma Lyra. “Ninguém deixou claro se isso fará parte do bloqueio.”
“Acho prematura essa comemoração (com a alta das ações, depois do bloqueio à Boeing). Pode ser uma boa notícia para a Embraer, mas há tantas considerações a serem tratadas que é difícil avaliar como ela pode ganhar com a decisão da China”, afirma Lyra. “A Embraer está indo bem, e existem fundamentos para uma valorização razoável, mas não para uma alta repentina.”
Segundo o banco de investimentos UBS BB, o impacto potencial da decisão chinesa tende a ser neutro para a Embraer. “Destacamos que os aviões da Embraer não estão na mesma categoria daqueles da Boeing (jatos regionais versus aeronaves de fuselagem estreita e de larga)”, informou relatório do banco, assinado pelos analistas Alberto Valerio, Andressa Varotto e Rafael Simonetti.
Nesse contexto, devem se beneficiar mais do bloqueio a fabricante europeia Airbus e a chinesa Comac, que possuem portfólios mais similares ao da Boeing, voltados para voos mais longos e com mais passageiros.
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Joint venture encerrada
Entre 2003 e 2016, a Embraer contou com uma joint venture para operar na China, chamada Harbin Embraer Aircraft Industry Company. Criada em parceria com a Aviation Industry Corporation of China (Avic), ela fabricava o jato regional ERJ-145 e o jato executivo Legacy 650, na cidade de Harbin, no nordeste do país.
O fim dessa parceria ilustrou as dificuldades da Embraer em avançar no mercado chinês e também a prioridade dada pelo governo chinês para os fornecedores locais, que se desenvolveram a partir dos anos 2000.