Publicidade

Pacto Global da ONU divulga relatório sobre compromissos das empresas no Brasil

Braço que visa levar temas sociais, como gênero e raça, e ambientais, como as mudanças climáticas, ao setor privado avalia o quanto já se avançou; racismo e emissões de gases de efeito estufa são problemas

Foto do author Luis Filipe Santos
Por Luis Filipe Santos
Atualização:

O Pacto Global da ONU no Brasil lança nesta segunda-feira, 21, o relatório Um ano de ambição 2030, no qual avalia o quanto as empresas associadas avançaram nos compromissos assumidos entre abril de 2022 e abril de 2023. O Pacto Global é uma organização que visa aproximar o setor privado dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), 17 metas estabelecidas pela ONU em 2015 para serem atingidas em 2030. O relatório foi obtido com exclusividade pelo Estadão.

Para isso, o relatório avaliou sete movimentos lançados pelo Pacto Global no Brasil: o Elas Lideram (igualdade de gênero), o Net Zero (redução de emissões de gases de efeito estufa), +Água (preservação e saneamento básico), Mente em Foco (saúde mental), Raça é Prioridade (igualdade racial), Salário Digno (redução da desigualdade nas empresas) e Transparência 100% (governança e integridade). Outro movimento, o Conexão Circular, não teve indicadores por ter sido lançado recentemente, mas será medido na edição de 2024.

PUBLICIDADE

Cada um dos movimentos teve adesões voluntárias de uma quantidade variável de empresas — nem todas as associadas participam de todos. Assim, o Pacto Global fez questões específicas às signatárias de cada movimento para mensurar o quanto avançaram na pauta colocada e nas ações recomendadas. Os compromissos são assumidos publicamente pelo CEO da companhia.

Carlo Pereira, CEO do Pacto Global, faz dois alertas: por já estarem no pacto, é provável que as empresas já tenham caminhado nas pautas de alguma forma, ou pelo menos tentado; assim, a amostra tende a ser melhor que a média do mercado.

Por outro lado, o fato de algumas centenas de companhias terem aderido voluntariamente aos movimentos demonstra que o mercado cada vez mais se preocupa e cobra esses temas. “É uma evidência de como as coisas estão mudando, há cinco ou três anos não seria assim. Houve um amadurecimento muito forte nos temas ESG”, afirma.

Problemas

Dentre os movimentos, o que chamou mais atenção por estar atrasado foi o Raça é Prioridade. As 34 organizações que o assinaram se comprometeram a ter 30% de pessoas negras na alta liderança até 2030, e 50% até 2050; contudo, a média foi 18,68%. A maioria das empresas (81%) realizou censos raciais, que apontaram 33% de negros ou indígenas no total de funcionários.

A principal razão citada pelas empresas para a demora em avançar são razões orçamentárias. “A questão racial ainda está devendo demais. É impressionante como andou pouco”, considera Pereira. Ele coloca em perspectiva com o Elas Lideram, que tem compromissos parecidos para a redução da desigualdade de gênero.

Publicidade

Relatório avaliou sete pontos: igualdade racial, igualdade de gênero, saúde mental nas empresas, salário digno, transparência, preocupação com emissões de gases de efeito estufa e uso de recursos hídricos Foto: Pixabay

O Elas Lideram conta com a adesão de 76 companhias e tem as metas de 30% de mulheres em cargos de alta liderança até 2025 — e 50% até 2030. Contudo, 69,76% das empresas já superaram a meta de 2025, e 27,9% delas, a de 2030.

Há ainda pontos necessários de atenção, principalmente ao se considerar recortes de diferentes grupos sociais. O número de mulheres negras nas companhias participantes está entre 0% e 15%, independente da função e cargo, e mais da metade não tem mulheres negras em posições de liderança.

Boa parte das organizações não estão atentas ao tema: 40% das respondentes não aplicam nenhuma metodologia de transversalidade de gênero nas políticas de remuneração e benefícios. “É um retrato da questão estrutural, mas é inadmissível, mulheres negras são 25% da população e estão sub-representadas”, comenta Pereira.

Meio ambiente

Nos temas ambientais, um ponto de atenção está no movimento Ambição Net Zero. Entre as respondentes, 47% assumiram o compromisso de publicar o inventário de emissões de gases de efeito estufa e possuem compromisso com SBTi (ou seja, metas validadas pela ciência) a nível local, e 10,5% prometeram divulgar publicamente o inventário e possuem compromisso em nível internacional (incluindo operações no Brasil).

PUBLICIDADE

Os números são considerados “vergonhosos” por Pereira. “Realizar o inventário de gases de efeito estufa, medir o quanto emite, é o básico do básico. É imperdoável não ter inventário”, diz o CEO do Pacto Global. Será necessário avançar muito no tema para atingir o esperado pelo Pacto, de acumular uma redução de emissões no total duas gigatoneladas de CO₂ até 2030.

Em relação ao movimento +Água, os números são um pouco melhores. Entre as 24 participantes do movimento, 72% têm integração do ODS 6 (água e saneamento) na estratégia de negócios e de gestão da organização; 56% das respondentes estão comprometidas com as metas 1 e 2 do +Água (ter 99% de pessoas com acesso à água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto).

Saúde mental e salários

No tratamento da saúde mental nas empresas, há sinais de avanços entre as organizações do Mente em Foco. Das 63 participantes, 85% informaram oferecer um ou mais profissionais de referência para aconselhamento e atendimento em saúde mental e mais da metade afirmou possuir protocolos para lidar com casos de assédio (72,34%), discriminação (70,21%) e bullying (61,7%).

Publicidade

Por outro lado, nem tantas têm protocolos para lidar com burnout (46,81%) e menos ainda com prevenção ao suicídio (42,55%). E poucas calculam fazem recortes de quantos atendimentos são feitos por raça ou gênero.

O principal obstáculo citado na questão é o engajamento das lideranças (25,53%), ponto considerado crucial por Pereira. “Tem que engajar a liderança, porque essa é uma questão cultural. A empresa precisa ter um programa antiestigma, e se quer que as pessoas falem de saúde mental, o exemplo dos líderes arrasta”, relata.

No movimento Salário Digno, apenas 28 empresas são participantes. Destas, 37% informaram que já oferecem um salário digno; 47% responderam que estão em fase de implementação de um salário digno e 31,5% estão em processo de identificação de metodologia para cálculo. No tema, o mais importante é estar atento não só à própria empresa, mas em toda a cadeia, principalmente se ela terceiriza parte dos serviços.

Esse movimento é ligado ao Transparência 100%, que preconiza metas de integridade e compliance para as companhias. Assim, espera-se que publiquem 100% dos compromissos com o setor público, sobre a remuneração da alta administração e dos desempenhos dos canais de denúncia, por exemplo.

Novamente, muito caminho ainda precisa ser trilhado. Das 38 signatárias, 70% não publicam as interações relevantes com agentes públicos; 70% não publicam interações relevantes (contratos, concessões e licenças celebrados) com a administração pública e apenas 40% informaram que publicam sobre a existência de critérios de integridade na política de remuneração variável para a alta administração. Novamente, no caso desta, é esperado que a pressão da sociedade e dos acionistas faça a diferença para o avanço da pauta.

Para Pereira, os números demonstram, ao mesmo tempo, que muito já foi feito, mas falta ainda mais para avançar. “Se a gente olha para a frente dá um certo desespero pelo que tem para fazer em boa parte dos temas, mas se olhamos para trás, dá um ‘quentinho no coração’ pelos avanços”, cita o CEO do Pacto Global. Ainda assim, para que os objetivos sejam atingidos, seriam necessárias as adesões de milhares de empresas, muito mais do que as centenas atuais.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.