PUBLICIDADE

Publicidade

O Brasil não pode contar com o exterior para 'salvar a lavoura', diz diretor do BNP Paribas

Coordenador no banco francês de área voltado a mercados emergentes, Marcelo Carvalho diz que a guerra comercial entre EUA e China veio para ficar

Foto do author Célia Froufe
Por Célia Froufe (Broadcast) e correspondente
Atualização:

LONDRES - A tensão entre Estados Unidos e China veio para ficar, na avaliação do diretor de Pesquisa Global para Mercados Emergentes do BNP Paribas em Londres, Marcelo Carvalho. "É possível que em outubro haja um cessar-fogo, mas a tendência subjacente é de recrudescimento. Esse é o nosso cenário mais provável", disse em entrevista ao Estadão/Broadcast na sede britânica do banco, no bairro de Marylebone.

PUBLICIDADE

Outro ponto que dificilmente voltará, segundo o economista, é o período de juros altos no mundo - as taxas devem cair para níveis "sem precedentes". Como consequência, ele acredita que o rendimento dos Treasuries, os títulos do Tesouro norte-americano, pode chegar a 1%, um piso "impensável até pouco tempo atrás". 

Carvalho destacou que toda a artilharia começará a ser colocada em prática para reanimar a economia global. As projeções do banco francês para o crescimento do próximo ano dos principais motores do mundo revelam o árduo trabalho que precisará ser feito: EUA devem ter expansão inferior a 2% e a Europa, de menos de 1%. É também uma das instituições a considerarem um dos menores crescimentos para a China, abaixo de 6%.

Transferido pelo BNP Paribas de São Paulo para a capital britânica há um ano, Carvalho coordena o trabalho de 25 profissionais alocados em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Ele acredita que as reformas, se concretizadas, podem levar o País para um patamar de maior interesse externo. "Não dá para contar com o mundo para salvar a lavoura. A solução tem de vir do esforço doméstico, que exige perseverança", destacou.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Marcelo Carvalho, diretor do BNP Paribas. Foto: Felipe Rau/Estadão - 15/6/2019

A guerra comercial entre as duas maiores potências econômicas do globo já afeta os mercados emergentes?

A tensão entre Estados Unidos e China veio para ficar, ainda que deva ter idas e vindas. É possível que em outubro haja um cessar-fogo, mas a tendência subjacente é de um recrudescimento. Esse é o nosso cenário mais provável do que uma volta atrás.

Publicidade

Isso ocorre porque a China está ganhando mais espaço na economia mundial?

Tem a questão do déficit comercial dos EUA com a China, mas há uma questão mais ampla, que é a emergência de uma nova potência. Esse embate geopolítico é o pano de fundo e por isso não acreditamos que essa tensão vá se dissipar tão cedo. Pode haver um alívio temporário, mas a intensificação nos parece muito provável. Nosso cenário base é o de que essa questão se agravará ao longo do tempo. Até porque, além da questão comercial, tem a questão tecnológica, como no caso da Huawei. É mais do que uma guerra de tarifas. É um embate, na verdade, geopolítico.

Em 2020, haverá eleições nos EUA. Essa disputa está personificada no presidente Donald Trump ou independentemente de quem ganhar a eleição a guerra continuará?

É uma questão estrutural. Ainda que tenha ficado mais explícita na atual administração, independentemente do resultado das eleições americanas no ano que vem, esse embate geopolítico está dado. A opinião dos formuladores de política nos EUA já indica essa direção: a de que o grande outro player do mercado global é a China e que os EUA terão de lidar com isso. O cenário foi agravado nesta administração, pode recuar ou não, mas o pano de fundo é esse mais preocupante. E é nesse contexto que os emergentes são afetados.

Como?

Por vários canais. O mais direto é o do comércio internacional. Esses países têm sido mais sensíveis às flutuações dos cenários externos. As economias da Ásia são obviamente mais sensíveis ao que acontece na China, até pela proximidade geográfica. Para a América Latina, a China é um enorme parceiro comercial. No caso do Brasil, já é o maior há algum tempo, após ter passado os EUA.

O Brasil é afetado mesmo sendo uma economia fechada?

Publicidade

Sofre porque não é uma ilha de prosperidade em um mar de turbulência e está exposto seja pelo canal das exportações seja pelo dos fluxos de capital. Ambos são afetados pelo que está acontecendo no resto do mundo e o que está acontecendo não é bom para os mercados emergentes. Não é bom porque há o aumento das tarifas e, como consequência, uma redução da atividade econômica. O crescimento da economia global está caindo claramente, e não só pelas exportações, mas pelo impacto nos investimentos. Esse é um canal chave, que é o do sentimento, o da confiança. E a confiança é afetada tanto nos países avançados quanto nos emergentes.

Até que ponto a dificuldade de retomada econômica do Brasil e a piora da imagem do País no exterior importam para a decisão sobre investimentos no País?

O investidor internacional de longo prazo está olhando muito além das notícias de capa de jornal do dia a dia. Ele está olhando para o potencial de oportunidades na economia e aí as oportunidades são inúmeras. Particularmente, se o esforço de privatização for para a frente. Um ponto forte é o da infraestrutura, mas é preciso ter regras do jogo que atraiam o capital produtivo para lá. O potencial é imenso nessa área de portos, aeroportos, rodovias etc., que já atraiu interesse no passado e pode atrair no futuro.

Existe, de fato, interesse pelo Brasil? O investidor ainda está aguardando a finalização da reforma da Previdência?

A reforma já está dada. Já passou pelo ponto crítico, que foi a primeira rodada de votação na Câmara e agora está avançando no Senado. O mercado financeiro dá como alta a chance de a reforma ser aprovada e num volume de economia que surpreendeu. Estamos falando de R$ 800 bilhões, R$ 900 bilhões em 10 anos. Esse é um avanço superimportante, porque uma das perguntas do investidor estrangeiro é sobre as contas do governo. É tentador para qualquer governo do mundo achar que pode gastar mais financiando isso ou com mais imposto ou mais emissão de dívida, o que é muito perigoso. Imposto é um tiro no pé para o crescimento de longo prazo e a gente já usou e abusou desse recurso. No caso da dívida, não é possível porque a dívida já é muito alta, de 70%, 80% do PIB. Menos de 10 anos atrás era de 50% do PIB. Por isso o teto é importante, porque explicita o problema principal, que é o da trajetória dos gastos. E o problema da Previdência, o maior gasto do governo, felizmente está sendo atacado. O próximo debate sobre as despesas deve ser sobre os gastos com pessoal. A vontade mais clara do investidor estrangeiro sobre o Brasil será vista quando todas as reformas - Previdência, tributária, trabalhista - estiverem prontas e isso leva tempo porque. O ceticismo era muito grande, mas tem surpreendido. Ainda não leva o investidor para o Brasil, em parte, porque o cenário global não ajuda. Então, não dá para contar com o mundo para salvar a lavoura. A solução tem de vir do esforço doméstico, e que exige perseverança. A reforma da Previdência é um passo de uma longa caminhada.

Quais emergentes mais preocupam considerando a guerra comercial?

Os países que têm os maiores déficits em conta corrente, maior vulnerabilidade fiscal. Nesse ponto, o Brasil não me preocupa, o País até está bem na foto por duas razões: primeiro, porque o nosso déficit não é tão grande, gira em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB); segundo, porque, justamente, a natureza do financiamento é mais estável. Aqui aparecem os suspeitos de sempre, incluindo a África do Sul e a Turquia. Não quer dizer que vão passar por uma crise, mas são os que demandam maior atenção em tempos de ambiente global mais difícil. E o que me chama atenção olhando para a atividade global é que estamos atravessando alguns números relevantes.

Publicidade

Quais, por exemplo?

Prevemos crescimento para os EUA abaixo de 2% no ano que vem; na Europa, abaixo de 1%, e, na China, até mais importante, abaixo de 6%. É uma desaceleração generalizada e nos principais motores da economia global. A Europa está a um choque de distância de uma recessão. Pouca gente escapa dessa desaceleração mundial. Mesmo a Índia, o maior crescimento do mundo e que estava mais perto de expansão de 7%, agora prevemos mais perto de 6%. Por outro lado, não é tudo desastroso para os emergentes. A queda dos juros no mundo avançado é um fator favorável. Todas as curvas estão colapsando. Estimamos que o rendimento dos títulos de 10 anos dos EUA vá para 1%. O negócio vem despencando, já esteve bem perto de 1,5% e achamos que vai cair mais. Nos EUA, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai continuar cortando juro em setembro, dezembro e no ano que vem. Esperamos 1 ponto porcentual no total. A queda dos juros de curto prazo está vindo acompanhada da queda nos juros de longo prazo e está ocorrendo no mundo todo para níveis sem precedentes. Na Europa, para o terreno negativo. Nos EUA, chegar a 1% era algo impensável até pouco tempo atrás. Isso também veio para ficar por várias razões e eu destacaria a questão demográfica. O mundo envelheceu. Os juros vão ficar baixos por um período prolongado e isso tende a favorecer os emergentes, pois encoraja a busca por retorno maior.

Mas os emergentes também estão cortando...

O que está acontecendo nos mercados emergentes também é muito claro: os juros vão para baixo. O diferencial continua existindo, mas como o juro está caindo no mundo inteiro e nos mercados emergentes o crescimento não está aquela maravilha e a inflação não preocupa - a não ser em casos específicos, como Argentina e Turquia -, o cenário está dado para os bancos centrais cortarem juro. Nos avançados, já se cortou tanto que a busca agora é por cenários alternativos de afrouxamento monetário, nos mercados emergentes não chegamos lá ainda. Tem muita gordura para cortar. O juro vem caindo e vai cair mais. No Brasil, quando vemos essa queda espetacular que vimos nos últimos anos, é porque reflete questões domésticas, mas também esse admirável mundo novo de taxas não vistas antes.

Podemos dizer que há um novo patamar para os juros?

Sim, é o novo normal. O debate no mundo avançado é se Estados Unidos e Europa estão rumando para ser o Japão: crescimento mais lento, a questão demográfica leva a taxa de juros de equilíbrio a níveis mais baixos do que antes. Isso tem impacto nos emergentes também. Para esse países, vemos menos crescimento, baixa inflação e mais corte de juros em praticamente todas as economias que a gente cobre dos emergentes. Alguns já cortaram até mais do que o que se esperava. A gente acha que essa tendência continua.

Especificamente sobre o Brasil, não há motivo para parar, certo?

Publicidade

Tem uma pergunta, que é a seguinte: será que a pressão na taxa de câmbio pode impedir o Banco Central de cortar o juro? Achamos que não, porque não é suficiente para tirar inflação dos trilhos, ainda que tenha choques de curto prazo. Mais importante que a inflação hoje é a expectativa de inflação dos mercados. Em todos os lugares há a mesma história: essas expectativas não preocupam.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.